Sexta, 3 de agosto de 2018
Foto: Valter Campanato / Agência Brasil
Aldemario
Araujo Castro
Advogado, professor, mestre em Direito, procurador
da Fazenda Nacional
Brasília, 3 de agosto de 2018
No texto n. 19, da série SAÚDE E BEM-ESTAR
(http://www.aldemario.adv.br/saude.htm),
registrei: “O melhor alimento do mundo para os seres humano é o leite
materno. Existe um virtual consenso em torno dessa afirmação.
Ele contém todos os
nutrientes necessários para a saúde do bebê, muda de composição e aparência em
fases para atender a necessidades distintas e funciona até como a primeira
vacina (por conta das imunoglobulinas do colostro)./Atualmente, existe um controverso,
por várias razões, mercado de venda de leite materno pela internet. Os interessados
na compra envolvem: a) pacientes com câncer; b) fisiculturistas; c) fetichistas
e d) mães que não conseguem amamentar
Verifiquei, pela imprensa, que entre os dias
primeiro e sete de agosto de 2018 ocorre a SEMANA MUNDIAL DE ALEITAMENTO
MATERNO. Nesse período, o Ministério da Saúde, fazendo eco ao proposto pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), insiste na amamentação exclusiva nos
primeiros seis meses de vida. A recomendação é clara e taxativa no sentido de
que mesmo água e chá devem ser evitados. A rejeição aos outros leites e
fórmulas industriais também é categórica.
Os principais benefícios da amamentação são os
seguintes, segundo
os especialistas: a) para o bebê: a.1) o leite
materno contém todos os nutrientes e anticorpos essenciais até o sexto mês de
vida; a.2) tem menos chance de se tornar obeso ou com sobrepeso no futuro; a.3)
a amamentação previne alergias, anemia e infecções respiratórias, como a asma;
a.4) tem risco menor de desenvolver diabetes tipo 2; a.5) crianças que tiveram
amamentação exclusiva até os seis meses tiveram 3 pontos em média a mais em
testes de QI; b) para a mãe: b.1) a amamentação reduz a depressão pós-parto;
b.2) o leite materno é acessível; b.3) a amamentação ajuda no controle da natalidade
(taxa de proteção de 98% nos primeiros seis meses); b.4) efeito protetor contra
o câncer de mama e de ovário e b.5) a amamentação reduz o risco da mulher desenvolver
diabetes tipo 2 após a gravidez.
Em 2017, segundo a Organização Mundial de Saúde,
apenas 38% das crianças foram alimentadas exclusivamente com o leite da mãe até
os 6 meses de idade. Apenas 32% continuaram sendo amamentadas até os dois 2
anos. Ainda segundo a OMS, se todas as crianças do mundo fossem amamentadas,
seria possível salvar 820 mil vidas de até 5 anos de idade anualmente.
Além dessas valiosas informações, uma rápida
pesquisa na internet revelou alguns fatos inusitados relacionados com a
“indústria do leite”, a bilionária “concorrente” do aleitamento materno. Eis
alguns deles:
a) “Durante reunião, em maio [de 2018], da
Assembleia Mundial da Saúde, promovida pela OMS, representantes dos Estados
Unidos tentaram retirar trecho de uma resolução que prevê que os países devem
proteger e promover a amamentação.
O texto recomenda ainda que os governos coíbam
propaganda e campanhas para uso de fórmulas industrializadas em substituição ao
leite materno./De acordo com reportagem do jornal The New York Times, a
investida seria a favor dos fabricantes de fórmulas infantis.
Apesar da ação, os EUA não conseguiram eliminar
o trecho do texto final” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-07/pediatras-brasileiros-criticam-investida-dos-eua-contra-amamentacao);
b) “Duas das principais indústrias fabricantes
de leite artificial são as patrocinadoras oficiais do Congresso Brasileiro de
Pediatria, organizado pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) que acontece
em Fortaleza (CE) no mês de outubro [de 2017].(...)/Ela [médica neonatologista
Ana Paula Caldas] ressalta que atualmente apenas cerca de 40% dos bebês de 0-6
meses estão em aleitamento materno exclusivo, sendo que quase 20% dos bebês que
frequentam o pediatra recebem algum complemento já no primeiro mês de vida e
50% das crianças entre 6 meses e 2 anos consomem fórmulas lácteas ou farinhas.
(...) A médica diz que o pediatra não prescreve a fórmula porque ganhou brindes
e amostras no congresso. 'Ele prescreve porque a indústria que nos patrocina o
leva a crer que seu leite é quase tão bom quanto o materno.
Isso chama-se propaganda subliminar', relata.
Como no Brasil há normas que impedem a publicidade de leite artificial, o foco
do marketing das indústrias passou a ser os pediatras” (http://www.maesdepeito.com.br/fabricantes-de-leite-artificial-patrocinam-congresso-de-pediatras/);
c) “A IBFAN divulgou recentemente os resultados
do seu último monitoramento. "Breaking the rules, Stretching the rules
1998" (Violando as regras, Ampliando as regras 1998) relata as violações
ao Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da
OMS/UNICEF e às resoluções subsequentes da Assembléia Mundial de Saúde (AMS). O
monitoramento foi realizado em 31 países entre janeiro e setembro de 1997. Os
resultados mostram que em quase todos estes países os principais produtores de
substitutos do leite materno, de alimentos complementares, de mamadeiras e
chupetas não cumprem as exigências requeridas pela AMS. O achado mais
significativo é a ênfase que a indústria continua dando aos serviços de saúde
como canal de promoção. As evidências mostram que as companhias continuam a
prejudicar o aleitamento materno e a saúde infantil.
As maternidades representam o caminho mais
direto para atingir mães e bebês, e os profissionais de saúde são a melhor
autoridade para recomendar novos produtos. Quase metade das 54 páginas do
relatório é dedicada a exemplos de violação contínua ao Código Internacional em
hospitais e clínicas. As companhias ainda utilizam a distribuição de cartazes,
relógios, calendários e brindes para mães e trabalhadores de saúde como forma
de promover seus produtos. Os materiais informativos destinados a mães, tais
como livretos, cartões de crescimento, cartazes e outros impressos produzidos
pela indústria continuam fazendo propaganda de marcas de produtos e descumprem
o artigo 4o do Código./ Os resultados indicam também que a amamentação
exclusiva e a continuidade da amamentação são as práticas mais ameaçadas pelo
marketing. As propagandas das companhias colocam que o leite materno necessita
ser suplementado, querendo dizer que embora seja bom para o recém-nascido,
sozinho não será suficiente por um longo tempo; que a fórmula de seguimento é
necessária aos 4 ou 6 meses, implicando que a amamentação deve cessar;
que mulheres que trabalham fora precisam de
substitutos; que os pais precisam tomar parte na alimentação; e que bebês
necessitam de chás, água especial e alimentos complementares”
(http://www.ibfan.org.br/documentos/aa/aa21.pdf );
d) “Já que estamos falando do Curso Nestlé de
atualização em pediatria, este vídeo vem complementar toda a nossa indignação.
Ele comprova que, ao contrário do que muitos médicos insistem em defender, as
empresas se esmeram em influenciar a manipular os profissionais de saúde para
que as mães desmamem as crianças e usem seus produtos./Em 1989, a TV
australiana fez esta reportagem mostrando a desnutrição infantil no Paquistão
por conta da invasão do marketing das indústrias de fórmulas de leite infantis.
O vídeo é um soco no estômago. Em uma hora, ele mostra a realidade dos
hospitais invadidos pelas indústrias, a conivência dos médicos e as
conseqüências do marketing para crianças pobres que vivem em péssimas condições
de higiene e saneamento básico” (http://milc.net.br/2014/09/formula-fix-leite-artificial-amamentacao-x-bebe-nestle-resenha/#.W2Nc9O4vxhE);
e) “A influência da Nestlé (e outras empresas)
sobre a pediatria do Brasil é tão grande que na primeira página da Associação
Brasileira de Pediatria, você logo se depara com o logo da Nestlé./E isso não é
novo. Desde as décadas de 30 e 40, a Nestlé já colocava vendedoras vestidas de
enfermeiras dentro dos hospitais para estimular o consumo do leite artificial
como o substituto adequado ao leite materno” (http://averdade.org.br/2015/08/a-importancia-da-amamentacao-e-a-industria-do-leite-artificial);
f) “Podemos grosseiramente estimar que, se uma
mulher receber na Maternidade uma prescrição de fórmula infantil (Nan, por
exemplo) de um pediatra de sua confiança – o qual teve sua inscrição e
congresso na Florida pago pela Nestlé – ela não vai amamentar. Do nascimento
aos 6 meses de vida uma criança deve receber só leite materno; se este faltar
(a mãe não ofereceu ao nascer... assim, em poucos dias sua produção de leite
humano se interrompe) a criança deve receber 6 meses de fórmula infantil. Qual
o custo?/Uma lata de Nan, 800g, custa de 45 a 73 Reais, média de 60.
Estima-se que na maior parte dos países,
alimentar uma criança com fórmula nos 6 primeiros meses de vida significa um
gasto de 1/3 a 1/2 do salário mínimo mensal. Isto para famílias pobres é
bastante, especialmente considerando que este leite oriundo (em geral) da vaca
não traz ao recém-nascido a proteção imunológica devida contra doenças comuns,
o que o leva a morbidades frequentes e às vezes internações. Não amamentar não
é trivial”
(https://idec.org.br/em-acao/artigo/no-amamentar-e-trivial-dar-ou-no-leite-artificial-e-tambem-uma-questo-politica).
Percebe-se, com segurança, uma das facetas mais
perversas do sistema capitalista. Ele tenta transformar tudo (ou quase tudo) em
mercadoria (vendida no mercado para formação de lucros). O resto é, na prática,
secundário nas engrenagens objetivas, impessoais e insensíveis do sistema.
O livre mercado (livre iniciativa, supremacia do
mercado, etc), cantada em verso e prosa por ingênuos e conscientes, é a
licença, um verdadeiro passe livre, para a acumulação de riqueza mesmo contra
os valores civilizatórios mais nobres (no âmbito da indústria do leite e
praticamente de todas as demais grandes “indústrias” – farmacêutica,
alimentícia, agropecuária, da pesca, de crédito, etc).
Aldemario Araujo Castro
Advogado, professor, mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional