Segunda, 19 de maio de 2015
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
As violações de direitos humanos cometidos pela ditadura
militar deixaram pelo menos 200 camponeses mortos ou desaparecidos no estado do
Rio de Janeiro. A estimativa é da Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio), que
ouviu hoje (19) o depoimento de pessoas que sofreram perseguição e repressão no
campo. Nadine Borges, que faz parte da CEV-Rio, criticou o relatório da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), finalizado em dezembro. Segundo ela, o
documento não foi profundo na abordagem das violações na área rural.
“No Rio de Janeiro, que não é um estado reconhecido por
violações na área agrária, a CNV avaliou algumas situações em Cachoeiras de
Macacu. Mas, com essa pesquisa, a gente já identificou várias outras cidades,
na região do sul fluminense, Angra dos Reis, Paraty, Magé e Baixada Fluminense.
A repressão no campo, principalmente em 1964, no início da ditadura, foi muito
forte. Centenas de famílias foram despejadas, removidas das suas terras”.
O levantamento dos 200 nomes foi feito por uma pesquisa da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que venceu edital da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj) para subsidiar os trabalhos da CEV-Rio. De acordo com Nadine, estão
sendo desenvolvidas sete pesquisas, por seis universidades, que integrarão o
relatório final da comissão, a ser apresentado em outubro.
Nadine Borges disse ainda que a comissão está iniciando a
redação do relatório final e que as pesquisas relacionadas ao trabalho devem
continuar após a entrega do documento. Ela informou que, com a saída de Wadih
Damous da CEV-Rio, para assumir o mandato de deputado federal, a advogada Rosa
Cardoso, que foi participou da CNV, aceitou o convite para integrar a equipe do
Rio e vai assumir a presidência da comissão até o fim dos trabalhos.
A coordenadora do projeto da Fundação Carlos Chagas Filho
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Leonildes
Medeiros, ao falar sobre o tema, destacou que os camponeses sofreram a
repressão tanto do Estado quanto do setor privado. “A repressão no campo assume
duas faces. Primeiro é a violência da ditadura militar: as casas invadidas,
pessoas retiradas de suas casas, lideranças presas e torturadas. Mas, também,
uma repressão que normalmente não é contabilizada, que se dá pelo poder privado:
as grandes empresas que chegam com os tais grandes projetos de desenvolvimento,
que removem as pessoas, que queimam casas, que jogam gado nas lavouras”.
Para o membro da Comissão Camponesa da Verdade, Gilney
Viana, o campo pode ter sido o setor que mais sofreu repressão e
perseguição durante a ditadura militar. “Quando se deu o golpe, a maioria da
classe trabalhadora era camponesa, a maioria da população brasileira estava no
campo. Isso só é revertido com o processo de urbanização que é acelerado também
pela ditadura. Não se sabe até hoje a proporção, mas é possível que a maioria
dos atingidos tenham sido os camponeses e os povos indígenas, que foram
igualmente sacrificados”. De acordo com ele, a estimativa é que 8.500 indígenas
tenham sido assassinados no período.
Nos depoimentos de hoje, Jair da Anunciação relatou sua
luta contra grandes empreendimentos imobiliários em Trindade, vila de
pescadores perto de Paraty. “Na década de 1970 chegou em Paraty uma companhia
multinacional para fazer um condomínio grande de luxo. Começaram a executar a
obra na Praia de Laranjeira e falavam que Trindade fazia parte. Começaram a
queimar as casas, trouxeram 70 jagunços. Foram anos de horror. Quem tinha
lavoura abandonou a lavoura, a pesca ficou difícil. A gente não tinha como
trabalhar, precisava de doação para sobreviver. A comunidade estava vivendo em
cavernas, montamos barracas no meio do mato”, disse.
A lavradora Roseli Borges relatou que a família foi
expulsa da fazenda na região de Campos dos Goytacazes. “Vivíamos num paraíso.
Minha mãe, meu avó, minha avô, todo mundo trabalhava na fazenda. Até que um dia
apareceu um grileiro dizendo que aquilo era dele. Meu avô tinha a escritura de
usucapião, mas pegaram o documento dele, prenderam ele, torturaram. Chegavam de
cavalo e davam chicotada nas costas dele. Os outros moradores da região não
aguentaram e foram saindo, mas meu avô ficou. Eles colocaram gado para comer a
nossa roça, cortaram as fruteiras, colocaram fogo na casa, então ficamos
morando no mato”.
Também prestaram depoimento hoje Ney Fernandes, que
integrava a União Operária da cidade de Valença; Laerte Bastos, liderança nos
anos 1950 e 1960 em conflitos de terra em Duque de Caxias; e Jorge Francisco de
Brito, morador de Lagoinhas, Cachoeira de Macacu, preso pela ditadura, acusado
de participar de uma emboscada que matou um militar que grilava terras na
região.