Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
Mostrando postagens com marcador Prbhat Patnaik "Mais uma contradição do capitilalismo". Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Prbhat Patnaik "Mais uma contradição do capitilalismo". Mostrar todas as postagens

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Mais uma contradição do capitalismo

Terça, 4 de janeiro de 2022

Prabhat Patnaik [*]

Nos Estados Unidos há ainda quatro milhões de pessoas que permanecem desempregadas em relação ao período anterior à pandemia. No entanto, a tentativa da administração Biden de estimular a economia já entrou em crise com o ressurgimento da inflação – não só naquele país mas também noutros lugares do mundo capitalista. O Federal Reserve Board (o equivalente do banco central dos EUA) está a planear elevar em breve as taxas de juro (que estão agora próximas de zero) e mesmo a expansão orçamental será difícil de sustentar face à inflação. Tudo isto truncará a recuperação que se tem verificado. Por outras palavras, mesmo no principal país capitalista do mundo – cuja divisa é "tão boa como ouro" e que portanto não deveria temer quaisquer fugas de capitais – a capacidade do Estado para estimular a actividade dentro das suas próprias fronteiras tornou-se seriamente constrangida .



Esta é uma nova contradição básica que surgiu no capitalismo mundial e merece séria atenção. O prognóstico de John Maynard Keynes, o mais importante economista burguês do século XX, de que embora o capitalismo na sua espontaneidade fosse um sistema defeituoso que mantinha grandes massas de trabalhadores desempregados, a intervenção do Estado poderia corrigir esta falha, já havia sido negada pela globalização das finanças. Ao enfrentar um Estado-nação, as finanças globalizadas tinham enfraquecido suficientemente esse Estado para impedir a sua intervenção a fim de ultrapassar a deficiência da procura agregada. Mas o único Estado que ainda parecia ter capacidade de intervir era o Estado norte-americano porque a sua divisa era considerada mesmo pelas finanças globalizadas como "tão boa como ouro" e, portanto, a intervenção por parte deste não desencadearia qualquer êxodo sério das finanças. Mas agora, ao que parece, até essa perspectiva desapareceu. Vamos ver porquê.

A razão pela qual governos de outros países não podiam estimular adequadamente as suas economias era porque as suas políticas orçamentais estavam limitadas pela condição imposta pelas finanças de restringir os défices orçamentais em relação ao PIB a um determinado valor estipulado. As suas políticas monetárias, por outro lado, tinham de estar atadas à política monetária dos EUA. As suas taxas de juro, por exemplo, tinham de ser suficientemente mais elevadas do que a taxa de juro dos EUA, pois de outra forma haveria graves saídas financeiras. As suas mãos portanto estavam atadas – e isto era válido mesmo para os países capitalistas avançados. Os EUA, entretanto, tinham uma certa autonomia. Mesmo que houvesse um défice orçamental superior ao de outros países e mesmo que tivesse taxas de juro próximas de zero, isto não desencadearia quaisquer saídas financeiras graves. A administração Biden procedeu com base neste pressuposto. No entanto, agora surgiu outra mosca na manteiga.

Os manuais de teoria económica dizem-nos que taxas de juro baixas estimulam o investimento privado porque reduzem o custo da contracção do empréstimo. Isto é o caso certamente, mas uma via ainda mais forte através da qual taxas de juro baixas têm operado ultimamente tem sido através do estímulo a bolhas de preços de activos. Quando a "bolha dot.com" nos EUA entrou em colapso no início deste século, o presidente do Fed, Alan Greenspan, baixou as taxas de juro, o que estimulou uma nova bolha naquele país, a da habitação. Isto, ao promover artificialmente a riqueza de muitos indivíduos, deu um impulso às despesas de consumo e também ao investimento em habitação e outros projectos que provocaram um novo boom.