Segunda, 5 de julho de 2010
Por Ivan de Carvalho

Há legislação em excesso em vigor, há com inaceitável freqüência normas contraditórias, ou dúbias, ou simplesmente contendo coisas absurdas. Há legislação em desuso que não foi explicitamente revogada e fica atrapalhando os que tentam separar, em cada caso, o que ainda vale e o que não vale mais.
Falta uma coisa que o deputado federal baiano Sérgio Carneiro, do PT, defende desde que iniciou sua carreira parlamentar como deputado estadual – uma sistematização que dê um ordenamento fácil de entender a tudo que está em vigor e exclua formalmente o que não se usa mais, o que não vale. E apague de vez o que foi oficialmente revogado. De quebra, tal sistematização introduziria, claro que com os devidos cuidados, alguma coisa de novo – a modernização de normas em vigor, mas carentes de atualização. Seria uma sistematização com simplificação e atualização. Um ato de respeito à cidadania, pois se o cidadão não pode alegar ignorância da lei, desta deve-se exigir que seja clara e simples.
O deputado tentou isso em nível estadual, uma comissão especial foi criada com o assentimento, mas sem o apoio decidido da direção da Assembléia Legislativa na época, nem o apoio da maioria dos deputados. Essa falta de sustentação decorreu do desinteresse do Poder Executivo. Ainda assim, o trabalho começou a ser feito e, depois que seu idealizador mudou-se para a Câmara dos Deputados, vários presidentes da Assembléia Legislativa prometeram dar seguimento. Aí já havia uma concepção muito mais tímida do que deveria ser feito e, aparentemente, nenhuma vontade de fazer.
Justiça se faça: o tema foi progressivamente relegado ao esquecimento, de tal modo que em nenhum momento, nos seus já três meses e meio na presidência da Assembléia, o deputado Marcelo Nilo foi sequer questionado sobre o assunto pela mídia ou pelos colegas e nenhuma promessa fez a respeito. Se não me falha a memória, o mesmo aconteceu com seu antecessor no cargo, deputado Gaban. E com o antecessor deste, deputado Reinaldo Braga. Resumindo: o assunto morreu e foi sepultado.
Se há complexidade desnecessária na legislação estadual, o sistema jurídico nacional sofre do mesmo mal elevado à enésima potência. E além da falta de uma sistematização, um problema se prolonga, atingindo o presente e projetando-se sobre o futuro. É que o Congresso está cada vez mais produzindo leis mal escritas, que naturalmente vão gerar dúvidas, polêmicas judiciais e exigir decisões, desorientando a sociedade e contribuindo para emperrar o Judiciário, já atingido por males próprios e também pelos que lhe são impostos pelo Legislativo e Executivo (quanto à organização judiciária, ao orçamento e ao número de ações que envolvem o Estado).
A lei eleitoral é um dos melhores exemplos das piores leis, do ponto de vista da clareza. Entre outras centenas de coisas, ela diz que a despesa com propaganda oficial no período da pré-campanha, no ano eleitoral, não pode ultrapassar a “média dos três anos anteriores”. Bem, entre janeiro e junho deste ano, verificou a Folha de S. Paulo, o governo federal dobrou seu gasto com propaganda, em comparação com a média do mesmo período de 2007, 2008 e 2009. Em princípio, terá havido desobediência à lei. Mas a redação desta é dúbia, assinala a reportagem da Folha, “o que permite ao governo dizer que a média citada é a anual, não a semestral. E que vai se adstringir à média anual – afinal, desde o dia 3 está proibido de fazer propaganda pela própria lei eleitoral, ressalvados casos específicos previstos na lei. Parece até que o Congresso escreve mal de propósito.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.