Sexta, 3 de setemro de 2010
Por Ivan de Carvalho

Confiabilidade zero. Até mesmo porque depois de estar ciente de que funcionários seus se envolveram na ação criminosa, a Receita Federal, por sua direção, vem procedendo de modo a retardar as investigações, agindo politicamente para empurrar as conclusões para depois das eleições de outubro. Com a óbvia preocupação de não prejudicar a candidata do governo a presidente da República. Assim como, com o mesmo objetivo, o governo recusa todos os convites a esclarecer as coisas em comissão no Congresso Nacional e derruba as tentativas de convocação, que tornariam o comparecimento obrigatório.
Ao tempo em que internamente retarda e enrola as investigações, a Receita, por sua direção, omite da sociedade informações importantes de que já dispunha, como demonstrado em reportagens publicadas pela imprensa. Entre tais informações, até mesmo a de que a filha do candidato José Serra teve o seu sigilo fiscal violado.
Quando deu uma triste entrevista à imprensa (triste pelo que foi dito e pelo que foi ocultado), o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, já sabia da quebra de sigilo da filha de Serra (desde 12 de agosto, pelo menos, esta informação já era de conhecimento do governo), mas nada disse a respeito. E se nada disse sobre fato tão relevante foi porque tinha o propósito de escondê-lo. É óbvio que sua revelação criaria, como afinal está criando, incômodos à campanha eleitoral da candidata petista a presidente, Dilma Rousseff.
Vale aqui lembrar que não foi somente a filha de Serra, mas também outras quatro pessoas ligadas a ele, duas delas por laços familiares e uma delas, vice-presidente nacional do PSDB. Está claro que as violações de sigilo fiscal dessas pessoas tinham como alvo a candidatura de Serra a presidente. Uma parte dos dados coletados foi parar exatamente (incrível coincidência) na campanha eleitoral de Dilma Rousseff. Não vou repetir os detalhes aqui – eles já foram bastante divulgados.
O problema não tem sido a falta de divulgação, mas a pouca percepção que o conjunto da sociedade brasileira tem da ameaça que um episódio como esse representa como agressão ao estado de direito, à democracia, às garantias de privacidade e intimidade individual. Setores extremamente minoritários têm uma percepção correta do risco representado por essas violações de garantias constitucionais essenciais, mas não ocorre isso em relação à grande maioria da sociedade.
Daí que existe até um consenso, no governismo – e não duvido que também na maior parte da oposição – de que esse escandaloso e criminoso episódio da violação do sigilo fiscal não terá repercussão eleitoral apreciável. Sou um dos que não acreditam que isso tenha influência significativa nas eleições, embora sabendo que, se estivéssemos em um país politicamente desenvolvido – a exemplo do Reino Unido ou dos Estados Unidos – o governo estaria eleitoralmente derrotado.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.