sexta-feira, 1 de abril de 2011

Prioridades no debate nacional

Sexta, 1 de abril de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Muitas coisas importantes estão acontecendo no Brasil, desde a morte, esta semana, do bravo ex-presidente da República José Alencar, da agitação política resultante das articulações para fundação de um novo partido, o PSD, até mesmo à importante, mas de certo modo hilária sagração do ex-presidente Lula como Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, na honrosa e prestigiosa presença da presidente brasileira Dilma Roussef, que sobrevoou o Atlântico quase que só para isto.

   A esse respeito do doutorado de Lula, o vice-presidente do DEM, José Carlos Aleluia, mandou carta à direção da universidade portuguesa, lamentando a distinção conferida a Lula, pois este, além de ter feito um governo nada eficaz “no setor educional”, andou se gabando em discursos que não estudou e chegou a presidente da República e que o único diploma que tinha era o de presidente. Agora, já não pode repetir essa gabolice: tem outro diploma, o de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

   Mas os três assuntos citados no primeiro parágrafo destas linhas parece não resistirem, mesmo juntos, ao poder de atração da importante futrica que envolve o deputado-capitão Jair Bolsonaro, do PP, a cantora Preta Gil e o apresentador do programa de televisão CQC (Custe o Que Custar), Marcelo Tas. De repente, esses três parece haverem ocupado lugar mais relevante nas mentes dos brasileiros e nos espaços da mídia do que o vice-presidente que morreu, o ex-presidente que virou doutor e a presidente que governa o país.

   Preta Gil, que se proclama negra e homossexual, perguntou por computador ao deputado Bolsonaro, por intermédio do programa CQC, como seria se um filho do deputado se apaixonasse por uma negra? Bolsonaro diz ter entendido que a pergunta se referia a uma paixão homossexual e bateu firme, de modo que ficou parecendo que dera uma resposta racista, que, aliás, seria praticamente inacreditável, se dada conscientemente.

   Ele alega mal entendido. Não expressou qualquer outro ataque de natureza racista em qualquer outra ocasião, que eu saiba, mas não perde oportunidade de, embora reconhecendo o direito de cada um fazer sexualmente o que quiser “com o seu corpinho cabeludo entre quatro paredes”, espinafrar iniciativas, comportamentos e propostas tendentes a alargar o espaço público para o homossexualismo. “Estou me lixando para esse pessoal aí”, disse, referindo-se a quem o acusa de homofóbico.

   Vai acabar num processo judicial de Preta Gil contra Bolsonaro? Nem Pensar. Ontem o baiano ACM Neto, líder do DEM e ex-corregedor da Câmara dos Deputados, disse que está “mais do que na hora” da Câmara punir o deputado Jair Bolsonaro. ACM Neto manifestou solidariedade a Preta Gil e ao movimento homessexual: “A Câmara precisa garantir o respeito às diferenças e diversidades de nosso país. Não podemos tolerar nenhum tipo de preconceito. Temos de dar o exemplo. Para isso, sou a favor que se puna este parlamentar”.

   Mas as coisas não são simples assim. Mesmo dizendo cobras e lagartos de Bolsonaro, o líder do Governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, disse ontem que o caso faz parte do debate sobre o limite da imunidade da palavra dos parlamentares, garantida pela Constituição. Daí que, segundo ele, o caso deve ser discutido, não no Conselho de Ética, mas, de forma mais ampla, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ressalvou que esta é uma posição sua e que o governo não se envolverá no assunto. Mas já está se envolvendo, na medida em que seu representante oficial Câmara o faz, enquanto Bolsonaro passa a criticar o que chamou de “kit gay para escolas de primeiro grau”. E sobre este assunto e outros correlatos falou várias outras coisas que estarão nos jornais de hoje.
- - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.