Segunda, 23 de maio de 2011
Por Ivan de Carvalho

Nos primeiros, segundos e terceiros
tempos, ela costumava, entre tarefas internas de comando terno e entre
compromissos externos para esmolar recursos que mantivesse sua obra feita para
os pobres e necessitados – “Vós os conhecereis por suas obras, por suas obras
os conhecereis”, indicara seu mestre quase dois mil anos antes – sair debaixo
de sol ou chuva e voltar com irmãos que chamava de “meus filhos” e que viviam
de pedir esmolas pelas ruas ou que nem mais força tinham para fazer esse tipo
de pedido.
Nos últimos tempos, quando já era
ela que não tinha mais força para fazer pessoalmente essa coleta celestial na Terra,
andando pelas ruas da Cidade Baixa, já montara uma estrutura que atraía e
acolhia as pessoas que no começo ela mesma ia buscar pessoalmente. Ela fazia
questão de oferecer “a última porta”, quando todas as outras se houvessem
fechado para alguém. E exatamente por ser a “última porta” sua oferta, essa
porta jamais poderia estar fechada.
Ia aos poderosos para humildemente – com aquela humildade que fez Jesus
lavar os pés dos discípulos na Santa Ceia – arrancar-lhes gentilmente uma
esmola que permitisse, aos que nada podiam, encontrar aquela porta sempre
aberta.
Sei, porque é óbvio, que ela gostaria de ter feito muito mais. Mas se
Deus lhe houvesse permitido fazer tudo na dimensão que, imagino talvez alguma
vez houvesse sonhado, como é que Deus faria para que a raça dos santos não
tivesse nisso seu ponto final?
Mas Irmã Dulce (como é doce saber
que se tem uma irmã assim) não socorreu apenas aqueles que sofriam, por doença
ou fome ou mal cuidados para a idade avançada. Ela se preocupou com aqueles que
sofreriam além do que é rotineiro na vida de todo mundo por não terem
perspectiva de obter uma educação intelectual e moral satisfatórias. E foi
assim que criou o setor das OCID voltado para as crianças carentes.
Ela, que quando entre nós fez tantos
milagres com os instrumentos do mundo e com os poderes da Alma e do Amor, e que
após a morte fez o milagre oficialmente reconhecido pela Igreja Católica que
ontem a tornou formalmente (mas vejam se Deus e os Céus iriam esperar pela data
e o processo que a precedeu para reconhecer a condição, se o milagre já fora
feito com o Poder do Alto!) uma “venerável”, uma “bem-aventurada”, não fez o
milagre da cura de uma tuberculose em si mesma.
Normal. A doença terá sido a
“passagem por uma grande purificação”, como sugeriu na época em que a doença
chegara ao estágio terminal o cardeal Moreira Neves, então arcebispo de
Salvador e primaz do Brasil. Mas, isso é uma opinião pessoal minha, a doença
também se apresentou para ressaltar a obra, para tornar e até para mostrar quão
profunda era a doação que de si fazia o anjo disfarçado de freira baiana.
Na França, Bernadete, uma jovem,
encontrou uma fonte de onde jorra água que passou a curar pessoas e que faz
isso até hoje. Bernadete acabou tornando-se freira e, conforme um filme que vi,
sobre sua vida, foi atingida por uma doença. Não revelou suas dores, mas foram
descobertas. Perguntaram-lhe porque não ia à fonte onde tantos obtinham cura.
“Sinto que aquela fonte não veio para mim”, recusou-se. É o que vi contar de
Santa Bernadete.
Bem, por alguma razão que foge ao
nosso (esse nosso não envolve somente a mim) tão restrito conhecimento, não
cabia a Irmã Dulce curar a tuberculose de Irmã Dulce. E se mais acima se quiser
ir, não cabia a Jesus descer da cruz antes que o tirassem morto, como lhe
sugeriu o “mau ladrão”. Poder, Ele podia. “Julgais que, se eu Lhe pedisse, meu
Pai não me daria mais de doze legiões de anjos?”. Mas não devia. Não devia
porque escolhera fazer uma oferta de Amor e tinha uma escolha a cumprir.
- - - - - - - -
- - - - - - -
Este artigo foi
publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho
é jornalista baiano.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Irmã Dulce, o Anjo Bom da Bahia.
Google Imagem