Quarta, 22 de fevereiro de 2012
Por Chico Sant’Anna, publicado originalmente na Brasília 247
BRASÍLIA
PRECISA ACHAR SUA IDENTIDADE. HOJE A MÁQUINA PÚBLICA ESTÁ TÃO INCHADA
QUE NÃO CABE MAIS NO PALÁCIO DO BURITI E UMA NOVA SEDE DEVE SER ERGUIDA
EM TAGUATINGA, PARA ABRIGAR GRANDE PARTE DOS 17 MIL COMISSIONADOS.
CUSTO ESTIMADO DO PROJETO: R$ 3 BILHÕES
Aqui em Brasília, não só os administradores regionais são indicados
bionicamente – alguns até nem eram moradores na Capital Federal -, como
também são alvo do loteamento e da cobiça partidárias. Na proposta de
Rollemberg, os administradores e seus vices seriam eleitos pelo voto
direto na mesma época da eleição do governador do Distrito Federal e
não, como acontecem com prefeitos e vereadores, por ocasião das eleições
municipais.
A PEC fixa em 75% do salário de um deputado distrital o valor da
remuneração dos administradores regionais. Até o ano passado, um
deputado ganhava R$ 20.025,00 – sem contar verbas indenizatórias,
auxílio transporte, correios etc. Cada administrador eleito ganharia
então R$ 15.018,00 – com o vice: R$ 30.036,00. O salário não seria muito
diferente do que já é pago atualmente a um administrador regional. Mas
as despesas aumentariam.
Partindo-se da divisão administrativa atual do DF, que conta com 22
administrações regionais – já contando com a da Estrutural -, seriam
eleitos 44 novas autoridades distritais. Desta forma, a proposta de
Rollemberg representa, de cara, um aumento no custo destas
administrações em R$ 4,3 milhões anuais só em salários, pois atualmente
não existem vice-administradores. Isso, sem considerar os encargos
sociais dos nomeados e a possibilidade de que os eleitos venham a
pleitear o 14º e 15º salários que percebem nossos diletos parlamentares
distritais.
Por de trás destes novos, chamemos assim, prefeitos regionais, certamente virão novas instalações, novas sedes para as prefeituras regionais, novos gabinetes, carros oficiais e, é claro, uma entourage de asseclas, pagos, é claro, pelo contribuinte.
Na visão do ex-administrador do Cruzeiro, Salin Sidharta, a idéia de
se fazer eleição direta para administradores é uma “aberração”. Ele
lembra que atualmente, na ausência do administrador o cargo é
normalmente desempenhado pelo chefe de gabinete das administrações
regionais, sem impactar em ônus orçamentário.
Certamente, a análise que subsidiou o autor da lei é que é melhor o
povo escolher alguém com quem se identifique do que deixar para os
conchavos de bastidores e costuras políticas, nem sempre muito éticas, a
escolha de quem administra cada cidade satélite.
Mas não basta eleger um prefeito regional para resolver os
problemas de cada regional. Sem um orçamento próprio, um corpo de
servidores permanentes, nada poderá ser feito. Ficará sempre à mercê do
Buriti. Salin Sidharta cita seu caso próprio: à frente da administração
do Cruzeiro, contava com pouco mais de R$ 150 mil para obras e quantia
semelhante proveniente de emendas parlamentares para outras atividades.
“Não dava nem pra fazer a operação tapa buraco ao longo do ano. Sempre
dependíamos da secretária de Obras” – diz ele.
E se o administrador não rezar na mesma cartilha do governador,
dificilmente contará com os recursos necessários para tocar a sua
administração.
Outro problema é a falta de recursos humanos nestas regionais. Recente levantamento do blog Política DF em números mostrou
que é majoritária a presença de comissionados – na maioria militantes
políticos e cabos eleitorais – tocando a máquina administrativa destas
administrações regionais. Falta profissionalismo e sobra desvio de
finalidades funcionais. Não são raras as denuncias de que comissionados
priorizam as ações partidárias em detrimento de suas funções públicas.
E há de se perguntar: se, por exemplo, em Taguatinga for eleito um
administrador, digamos, do PSOL e o GDF estiver nas mãos do Democratas,
quem irá nomear os cargos infra-administrador? O governador, que tem a
folha de pagamento em suas mãos, ou o administrador regional, que só
conta com apoio das urnas?
Como ficam os serviços de saúde, educação e transporte público?
Sabemos que nos municípios, quem cuida do ensino fundamental, das ações
básicas de saúde e legisla sobre transporte público é a municipalidade.
No DF será a administração regional? Se o administrador regional não
tiver seu próprio orçamento, sua autonomia, sua máquina administrativa,
ele será apenas um fantoche.
Além disso, ficam algumas dúvidas no ar: o povo elege e o governador
fica sem poder de exonerar o mau administrador? Impeachment só na Câmara
Legislativa? Haverá algum conselho distrital como as câmaras municipais
de vereadores? Com que poderes? O Tribunal de Contas do DF terá
competência sobre o administrador eleito por sufrágio universal? Nenhum
desses quesitos é tratado pelo PEC 29.
Outra armadilha prevista na PEC 29 é a previsão de que uma lei
distrital irá definir quantas e quais serão as administrações regionais
do Distrito Federal. Embora a Lei Orgânica do DF já preveja esta
possibilidade, o risco que se corre é que cada recanto do DF, a exemplo
do que ocorre em muitos municípios brasileiros, deseje se declarar
autônomo.
Nem sempre a divisão territorial é benéfica às comunidades. Tomemos,
por exemplo, as regionais do Núcleo Bandeirante e do ParkWay, até bem
recentemente, inserido na antiga Cidade Livre.
Com base no orçamento deste ano e pelos cálculos do blog Política DF em números, os 26 mil habitantes do Núcleo Bandeirantes irão contar com um orçamento regional de R$ 12.489.896,00, o que representa um per capita
de R$ 478,74. Já os 23 mil moradores do Park Way terão que dividir R$
4.702.800,00, o que dá um rateio individual de R$ 204,47, ou seja, R$
274,27 a menos. Se não tivessem decidido cortar o cordão umbilical da
administração mãe, as duas localidades poderiam estar compartilhando um
orçamento de R$ 17.192.696,00 – R$ 350,87 per capita. Grande
parte desses valores são gastos com a própria manutenção da máquina
pública, sem trazer melhorias urbanas aos moradores. Do mesmo jeito que
Sudoeste e Octogonal já se separaram do Cruzeiro, nada impede que o
Octognal promova o seu 7 de setembro, ou que o Guará I se divorcie do
II.
Brasília precisa achar sua identidade. Hoje a máquina pública está
tão inchada que não cabe mais no complexo do Palácio do Buriti e uma
nova sede deve ser erguida perto do Serejão, em Taguatinga, para abrigar
grande parte dos 17 mil comissionados. Custo estimado do projeto: R$ 3
bilhões, equivalente a três reformas faraônicas do Estádio Mané
Garrincha.
Sairia muito mais barato se competências administrativas fossem
transferidas para as regionais. Governos passados implantaram programas
de governos itinerantes e demonstraram que descentralizar a máquina
pública é melhor do que levar o Buriti pro Serejão ou pro Buritinga,
como fez José Roberto Arruda.
O DF já experimentou no governo Cristovam Buarque a descentralização
no campo da Saúde e da Educação. Os diretores regionais da extinta
Fundação Hospitalar atuavam como uma espécie de secretários de Saúde
distritais. A normatização era centralizada na secretaria de Saúde, mas a
execução e fiscalização eram descentralizadas. Hoje, tudo voltou ao
Buriti.
Até problemas como os de trânsito seriam minorados com o
fortalecimento de recursos humanos, materiais, orçamento nas
administrações regionais. Pois, assim, nem tudo se resolveria no Plano
Piloto e os moradores poderiam resolver seus problemas e apresentar suas
demandas mais perto de suas casas. Também os empregos públicos seriam
descentralizados. Já imaginou a via crucis de um morador de Planaltina
que tiver que resolver uma pendência no GDF instalado em Taguatinga
Norte?
Os moradores de Brasília precisam parar para pensar e ver que PECs
como esta de Rollemberg e como a de nº 422/09, apresentada pelo
ex-deputado e hoje vice-governador Tadeu Filipelli, propondo a
incorporação de seis municípios goianos (Novo Gama, Valparaíso, Cidade
Ocidental, Águas Lindas, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de
Goiás, todos situados na área do Entorno do DF) ao território do DF,
são, como disse Sidartha, aberrações e estas aberrações movidas por
ambições politiqueiras só trazem dificuldades e mais despesas para o
contribuinte candango. Chega de improviso.