Sábado, 24 de março de 2012
Por Ivan de Carvalho

“Tá de vaca não reconhecer bezerro”, constata o
deputado federal petista Josias Gomes, de ampla convivência com situações em
que vaca não reconhece bezerro porque está mais preocupada em “safar a onça”,
seja o que for que isto significa, e tirar o cavalo da chuva.
O que desmente absolutamente a proclamação de
harmonia do ministro Gilberto Carvalho é sutil como um elefante. No mesmo dia
em que o governo se empenhava em que a sua proposta de Lei Geral da Copa fosse
votada na Câmara, a “base aliada”, liderada pela chamada bancada ruralista,
exigia que antes fosse votado o Código Florestal, uma votação que o governo não
quer que aconteça antes de uma reunião internacional sobre o meio ambiente, a
realizar-se no Rio de Janeiro.
O governo e sua base não chegaram a acordo nenhum
e o líder do PT na Câmara, deputado Gilmar Tatto, com a habilidade destrutiva
de um macaco em loja de louças, chamou da tribuna os integrantes da bancada
ruralista – que é grande – de “predadores”. Por pouco não foi linchado, pelo
menos politicamente. Prometeu depois “mudar o tom”, mas a arrogância já
produziu seus resultados negativos – mais irritação na base, que em sua maioria
está exasperada e extremamente inquieta com o avanço petista rumo à hegemonia
política no país e no governo federal, além de indignada pela perda de espaços
na administração federal.
O que ocorre na ANTT é outro exemplo de coisa mal
conduzida que provoca dissensões na base parlamentar do governo. O Senado
Federal, ao qual compete, pela Constituição, aprovar as indicações do (ou da)
presidente da República para a direção das agências reguladoras, como a Agência
Nacional de Transportes Terrestres, rejeitou o nome de Bernardo Figueiredo,
indicado por Dilma Rousseff para repetir o mandato de diretor geral dessa
agência. O que Dilma Rousseff fez? Ao invés de fazer logo outra indicação,
editou um decreto que autoriza o ministro dos Transportes a nomear diretores
interinos para a ANTT.
Em outras palavras: a presidente praticou um
desaforo, fez uma malcriação: tirou o Senado Federal do jogo por uns tempos
(duração indeterminada) nesta questão. Com o que estabeleceu duas quedas de
braço. Uma, com os senadores que, por voto secreto, rejeitaram a indicação
feita por ela. Outra, institucional, entre a Presidência da República e o
Senado. A questão quase certamente irá à apreciação do Supremo Tribunal
Federal. O PSDB anunciou que já prepara arguição de inconstitucionalidade do
decreto.
Enquanto isso, a bancada do PR no Senado rompe
com o governo, sob as bênçãos da direção nacional do partido, enquanto na
Câmara a bancada desse partido vacila entre continuar “independente” e passar à
oposição. Outro partido médio, o PTB, também ameaça desembestar. A presidente
Dilma Rousseff está popular e por isto vai aguentando os trancos. Mas os sinais
e demonstrações explícitas de que o governo não é eficiente, na política, onde
há mil e uma trapalhadas, como na gestão, se avolumam. E isso pode acarretar,
havendo continuidade, desgaste popular.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.