Domingo, 3 de junho de 2012
  
  A alternativa escolhida pelo governo de estimular o 
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por meio do consumo pode 
trazer consequências preocupantes, alertam especialistas.
Para a socióloga Cláudia Sciré, autora do livro Consumo Popular, 
Fluxos Globais, o que está ocorrendo é uma “financeirização da pobreza” e
 não a efetiva ascensão de uma nova classe média ou nova classe C, como 
apontam série de estudos lançados nos últimos anos pelos economistas 
Marcelo Néri (Fundação Getulio Vargas) e Ricardo Paes e Barros 
(Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).
“É preciso prestar mais atenção nesse processo de financeirização da 
pobreza”, recomenda Cláudia, destacando que é necessário “olhar para 
mais itens”. “Eles deixaram de ser pobres? O acesso a bens culturais e à
 educação [de qualidade] continua muito difícil. O consumo sozinho não 
pode ser parâmetro”, critica, questionando a sustentabilidade da 
ascensão e o endividamento das camadas da população que tiveram aumento 
de renda e consumo na última década. “A gente não sabe o que vai 
acontecer de fato.”
  A incerteza sobre a capacidade de endividamento e da eficácia do 
estímulo ao consumo também preocupa o economista Fábio Giambiagi, um dos
 autores do livro Além da Euforia - Riscos no Plano Econômico. “Apesar 
de os juros estarem caindo, esse endividamento nos outros países se dá 
com juros muito inferiores aos brasileiros. De tal forma que o mesmo 
endividamento tende a gerar, aqui no Brasil, um comprometimento da renda
 com o pagamento maior que nos outros países.”
Giambiagi pondera sobre a decisão do Ministério da Fazenda de 
estimular o consumo (por meio de isenção de impostos, como no caso do 
carro popular) para melhorar o Produto Interno Bruto (PIB) do país. 
“Esse pacote recente do governo aponta no sentido de estimular o consumo
 no sentido de melhorar o PIB este ano. A gente entende pela lógica do 
curto prazo. Mas, para o médio e longo prazo, o conselho seria aumentar 
os canais de investimento público e privado”.
A mesma receita foi utilizada de forma eficaz pelo governo, em 2009, 
para minimizar o impacto da crise financeira internacional que tevê o 
ápice em setembro de 2008. Além do resultado macroeconômico, o aumento 
do consumo entre as camadas mais populares “reconfigurou as hierarquias 
dentro da família”, disse Cláudia Sciré se referindo à diminuição e até 
inversão da submissão nas relações entre marido e mulher e também entre 
pais e filhos. “Esses [os filhos] começam a trabalhar e passam a ter 
maior autonomia perante as decisões de consumo. A mesma coisa ocorre 
entre mulher e marido, quando ocorre de ele estar com o nome sujo”, 
exemplificou.
Apesar dos efeitos econômicos e sociais positivos, a socióloga lembra 
que o acesso ao crédito pode ter consequências indesejadas na vida dos 
emergentes. “De uma hora para a outra as pessoas passam a lidar com uma 
série de mecanismos financeirizados que são muito complicados até para 
quem já está acostumado”, avalia.
“As pessoas às vezes se confundem, até porque o crédito oferecido é 
duas ou três vezes maior do que a renda. As pessoas acabam se 
endividando e a vida delas passa a ser gerida e pautada por esses prazos
 do mercado por essas dívidas que elas vão assumindo. Isso tem 
consequências graves como não conseguir visualizar um horizonte de 
possibilidades para além do mês seguinte”, alerta a socióloga.
Na opinião de Fábio Giambiagi, a “combinação zodiacal” que favorecia a
 manutenção do crescimento por meio mercado interno – que agora tende a 
crescer menos – mudou. O economista associa as dificuldades de perda do 
ritmo com a composição do endividamento das famílias brasileiras. “A 
grande diferença de endividamento do Brasil e dos outros países está 
associado ao componente habitação. A minha impressão é que seria 
desaconselhável estimular novos processos de endividamento que fossem 
além do ponto que a gente está”.
Fonte: Agência Brasil — Gilberto Costa, repórter