Segunda, 22 de julho de 2013
O
 juiz Alcir Kenupp Cunha, da Vara do Trabalho de Gurupi (TO), condenou a
 Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ao pagamento de mais 
de R$ 20 milhões em indenizações por discriminar e demitir empregada com
 deficiência visual aprovada em concurso público de 2011, sob a alegação
 de que ela não teria condições de exercer as atribuições do cargo de 
agente de correios/atendente comercial. Na sentença, o magistrado 
determinou o pagamento de R$ 188.550,00 a título de danos morais para a 
autora da ação; R$ 10 milhões de dano social em favor do Fundo de Amparo
 ao Trabalhador; e mais R$ 10 milhões por dano moral coletivo destinado à
 entidade filantrópica Associação dos Portadores de Deficiência do 
Estado do Tocantins (APODECETINS).  
A
 decisão foi dada com base numa extensa transcrição de documentos, 
depoimentos de testemunhas, laudos técnicos, legislação, normas internas
 da ECT e manifestações de órgãos públicos. De acordo com os autos, a 
autora da reclamação trabalhista, que é deficiente visual, concorreu à 
vaga destinada a pessoas com deficiência e foi aprovada em todas as 
fases do concurso público, inclusive, foi considerada apta a ocupar o 
cargo – após exames e perícia médica para avaliar a qualificação e 
compatibilidade entre as atribuições da vaga e a deficiência da 
funcionária concursada. Depois da contratação, ela participou de 
treinamento na cidade de Palmas (TO), junto com outros aprovados não 
deficientes.
Durante a fase de 
treinamento, a funcionária com deficiência disse que não foram 
oferecidas condições de acessibilidade compatíveis com sua condição, 
porque os computadores não eram adaptados e não recebeu apostila em 
Braile. Segundo informações do processo, a empregada foi lotada na 
cidade de Marianópolis – distante 288 quilômetros de sua residência – e 
obrigada a tomar posse, sob pena de perder a vaga, mesmo depois de 
solicitar remanejamento devido sua condição física que a impedia de 
morar sozinha em outra localidade. Sem alternativa, a trabalhadora tomou
 posse e se instalou na localidade, levando uma pessoa da família para 
auxiliá-la. Ao começar a trabalhar na agência dos Correios, percebeu que
 não tinham sido realizadas adaptações necessárias e compatíveis com sua
 deficiência.
No dia 30 de 
dezembro de 2011, a funcionária recebeu a informação de que, após 
avaliação de uma equipe multiprofissional, a ECT havia decidido 
demiti-la por não conseguir desempenhar suas atividades com êxito. Em 
sua defesa, a empresa alegou que essa equipe multiprofissional era 
altamente especializada e preparada para atender às necessidades da 
empregada com deficiência visual, a qual nada requereu sobre impugnação à
 composição da equipe ou sobre a necessidade da presença de outros 
profissionais. Como argumento, a ECT disse ainda que todas as atividades
 desempenhadas pelos Correios necessitam de leitura de objetos e que não
 houve ato ilegal ou discriminatório.
Desrespeito
 - Para o juiz do trabalho Alcir Kenupp Cunha, a ECT jamais quis 
contratar a autora da ação ou qualquer outra pessoa com deficiência. “A 
previsão constante do edital do concurso da reclamada é mero atendimento
 de exigência constitucional e legal, que é desrespeitada logo após as 
fases iniciais do certame, para o fim de, por meio de arremedo de 
‘acompanhamento’ e ‘avaliações’, eliminar nas etapas seguintes as 
pessoas com deficiência que ‘ousaram’ ser aprovadas no concurso”, 
afirmou o magistrado na sentença. Segundo ele, a Empresa de Correios, 
por meio de norma interna, chegou a institucionalizar a discriminação. 
“As pessoas com deficiência são tratadas primeiramente como doentes, 
pois são denominadas ‘portadoras de deficiência’. E, pior, são tratadas 
pela sigla ‘PD’, tratamento completamente voltado à exclusão”, avaliou.
Além
 disso, o magistrado considerou que não houve cumprimento das normas do 
edital do concurso, o qual dispõe sobre a avaliação e acompanhamento do 
trabalho da pessoa com deficiência, desde o início do processo de 
formação e durante o período de experiência, por equipe multidisciplinar
 composta por especialistas e funcionários que exerçam o mesmo cargo. “O
 que ocorreu foi um procedimento sumário de ‘avaliação’ da autora em 
ambiente de trabalho não adaptado a sua deficiência, que durou apenas 
uma hora”, constatou o juiz do trabalho. Na opinião dele, a “avaliação” 
foi feita exigindo-se que a funcionária tivesse condições de realizar as
 atividades da mesma forma que uma pessoa sem deficiência.
“Note-se
 que o laudo pericial concluiu que os ambientes de trabalho não atendem 
às normas de acessibilidade para pessoas com deficiência, mas também, 
que não atendem às normas de proteção prevista para qualquer 
trabalhador, deficiente ou não”, observou o juiz Alcir Kenupp Cunha. 
Segundo ele, ficou evidente nos autos que a ECT não tomou qualquer 
providência para adaptar o local de trabalho com as condições 
necessárias para que a empregada pudesse trabalhar. “Em suma: a 
reclamada agiu de forma discriminatória, envidando todos os esforços 
para impedir que a autora fosse efetivada no cargo para o qual foi 
aprovada no concurso”, concluiu o magistrado.
Na
 decisão, o juiz determinou a nulidade da dispensa da empregada e o 
pagamento de todos os salários e demais direitos devidos no período de 
afastamento dela. “Independentemente do trânsito em julgado, a reclamada
 deverá providenciar a regularização das condições ambientais de 
acessibilidade, conforto térmico, mobiliário, equipamentos, software 
etc. no prazo improrrogável de 30 dias após a intimação da decisão”, 
decidiu. Caso a ECT não cumpra a obrigação nesse prazo, será aplicada 
multa de R$ 500 mil e, a partir do vencimento, multa diária de R$ 10 
mil. 
Dano moral - Para
 aplicação da indenização por dano moral, o juiz da Vara de Gurupi levou
 em conta as ações e as omissões da ECT que implicaram em afronta à 
dignidade da autora, além do comportamento discriminatório, e o fato de 
se tratar de uma empresa pública com 350 anos de existência, com plena 
consciência da necessidade de atendimento das necessidades de pessoas 
com deficiência. “As ações e omissões da reclamada violaram a dignidade 
humana da autora. Há provas consistentes e explícitas do tratamento 
degradante dado à autora no local de trabalho, além do menosprezo da 
reclamada à observância das normas básicas de higiene e segurança do 
trabalho, além da inobservância das normas específicas de acessibilidade
 para pessoas com deficiência. Claro o dano moral”, conclui.
Coletivo - O
 Ministério Público do Trabalho requereu a condenação da ECT por dano 
moral coletivo tendo em vista o interesse da sociedade e da ordem 
jurídica trabalhista. “Os fatos apurados na presente ação demonstraram 
que há um comportamento institucional da reclamada que tem por 
finalidade impedir o exercício do direito fundamental ao trabalho para 
pessoas com deficiência. Tal atitude se caracteriza como agressão aos 
direitos trabalhistas, não só da reclamante, mas de toda a sociedade”, 
ressaltou o juiz do trabalho Alcir Kenupp Cunha. A prática 
discriminatória, na opinião dele, deve ser reprimida, em especial quando
 institucionalizada, exigindo necessária reação do Judiciário 
trabalhista para corrigi-la.
Processo 647-36-2012-5-10-0821
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