Sexta, 27 de dezembro de 2013
"A nossa Luta é Todo Dia, Favela Não é Mercadoria.
Favela é Cidade, não à Remoção"
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Do Jornal do Brasil
Este foi um ano pra ficar no coração. Histórico. Nunca mais
falaremos de 2013 sem mencionar as manifestações de Junho, os movimentos Passe
Livre; Catraca Livre; Fora Cabral; Fora Feliciano; Saímos do Facebook; a turma
do midialivrismo nunca esteve tão em alta: Mídia Ninja; Coletivo Mariachi;
Rafucko e tantas outras iniciativas que deram uma cara nova ao registro e
veiculação das notícias e mexeram com a mídia oficial conservadora e
modorrenta, confortável em seus status de absoluta. Inesquecível a entrevista
dos midialivristas ao programa Roda Viva.
Por aqui, nas margens, pioneiros, Vírus Planetário e Nova
Democracia, além do fenomenal cartunista Latuff, fizeram e fazem a diferença em
retratar o lado B das notícias em favelas, e algumas, quase em tempo real no
caso do Nova Democracia.
Em abril, o assassinato por policiais da UPP do jovem
Alielson Nogueira, com apenas 21 anos e que acabava de comprar seu cachorro
quente e ansioso por chegar em casa e descansar para mais um dia seguinte de
luta pra manter sua jovem família, ainda é presente. Assim como também é
presente em tempos de democracia, a tortura e os desaparecimentos, como o de
Amarildo de Souza, da Rocinha. Aliás, o desaparecimento do pedreiro se tornou
um grito na boca do país que foi às ruas e fez o país se surpreender com a tão
perfeita paz carioca. A favela pautou as ruas do país em um grito
personalizado, mas que gritava na figura de Amarildo por todos os seus
desaparecidos.
Atos na Rocinha pelo saneamento básico e contra o Teleférico;
ato no Santa Marta por saneamento, mobilidade, tarifas justas pelo fornecimento
de energia. Na Vila Autódromo; Horto; Indiana; Pico do Santa Marta; Manguinhos
e Providência pelo direito de Morar, assim com maiúscula mesmo. Os/as jovens da
favela foram para as ruas, disseram que a favela – ao contrário do gigante –
nunca dormiu, até porque a polícia instigada pela sociedade e pelo dever de
estancar o mal nunca deixou a favela dormir. E nunca dormiu porque tem que
pegar água antes do amanhecer e ir trabalhar depois. Porque falta luz e não
consegue dormir e, porque na favela quando falta luz não se tem previsão de
conserto.
O calor é de matar, sem falar nos tiroteios e helicópteros
às 5 ou 6 da manhã, isso quando não são inseridos em jogos reais de combate que
dão inveja a qualquer outro das ficções reais, destelhando casas, ou sendo
acordados com um pé na porta. Você já foi acordado por um homem armado até os
dentes, de touca ninja e com pouca disposição para conversa? Eu já.
2013 vai nos deixando. Com a ressaca das últimas chuvas e
cenas familiares e nada agradáveis dos seus efeitos e ainda digerindo o
descaso, ou melhor, o pouco caso no episódio das 10 mortes na Maré, dez
histórias interrompidas. Não sabemos do Amarildo ainda, sem contar os outros
tantos desaparecidos, que já são mais do que os da vigência do Regime
ditatorial segundo a OAB.
Foi um ano para refletir o nível de desprezo e arrogância
que marcam a personalidade de nossos dirigentes. Mas lembramos para nos animar
e criar estratégias para evitar que mais ações desse tipo aconteçam. Nesta
retrospectiva lembramos os 5 anos da morte de Matheus Rodrigues Carvalho, de 8
anos na Baixa do Sapateiro, o da moeda de um real na mãozinha. São também 10
anos da Chacina do Borel e 20 anos das Chacina da Candelária e Vigário Geral.
Apesar de tudo, foi um ano de muita luta e muito vigor em
que a produção nas artes e no conhecimento foram fantásticas. Boreart, a
galeria de arte à céu aberto, fruto da Agência de Redes para a Juventude no
Borel, inaugurada em 25 de Maio de 2013 e criada pelo grafiteiro Fred Castilho,
28 anos, morador do Borel abriu a casa dos moradores e fez gente circular por
um Borel mais colorido e cheio de arte. No Alemão, o Vamos Desenrolar Produção
do Conhecimento e Memórias, no último dia 7 de Dezembro, o projeto Circulando,
Diálogo e Comunicação na Favela por Direitos em dia 9 de Novembro articulou
cultura e comunicação envolveu instituições e parceiros externos e internos na
luta pelos Direitos Humanos.
Mesmo com a escada icônica do abandono e do descaso e
desprezo pela arte que vem da margem sendo destruída pelo trator voraz, a arte
favelada vive e marca 2013. Pedagogia da Autonomia, a voz do Raper Fiell do
Santa Marta, também criador da cartilha do Santa Marta sobre abordagens policias
que completou 5 anos. As mulheres se organizando pelo direito de empreender e
continuar vivendo e empreendendo na favela, assim o Projeto Mulheres em Rede
Tecendo Solidariedade e Conhecimento vai deixando sua marca.
Favela não se Cala, Rocinha Sem Fronteiras, Ocupa Borel e
Ocupa Alemão, que completaram um ano. Manguinhos com seu jornal, Itamar Silva,
jornalista e diretor do IBASE, um dos grandes referenciais na luta comunitária,
e morador do Santa Marta recebeu prêmio por sua atuação na luta pelo direito
dos favelados.
Assim, o ano se vai, a favela se pauta, resiste e se
organiza. Produz cada vez mais intelectuais de fato e orgânicos, aguerridos na
luta pela consolidação de seu lugar como cidade.Que venha 2014 com todas as
suas contradições surpresas,
" A nossa Luta é Todo Dia Favela Não é Mercadoria.
Favela é Cidade, não à Remoção"
*Representante da Rede de Instituições do Borel,
Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.