Sexta, 3 de dezembro
de 2014
Por Ivan de Carvalho

Edward Snowden vem sendo considerado um
traidor pelo governo dos Estados Unidos, que o acusa de haver prejudicado a
segurança do país, do que até agora nenhuma prova foi apresentada. Houve, até
onde se sabe, apenas aborrecimentos para o governo Obama, irritando, por exemplo,
a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a chanceler alemã, Angela Merkel, o
governo do importante aliado Israel, alguns dos alvos revelados do
monitoramento.
Snowden,
claro, não é um traidor, mas um denunciante de práticas ocultadas aos cidadãos
americanos, em primeiro lugar, e aos cidadãos e governos de muitos outros
países, quase certamente de quase todo o mundo. É um dos principais heróis deste
século – renunciando ao conforto, relações familiares, tudo o que tinha,
arriscando inclusive a liberdade e a vida, para fazer a grande denúncia.
Denúncia
que abriu um debate ainda inacabado sobre o enorme esforço para a extinção da
privacidade e para o monitoramento completo que levaria e pode levar e tende a
levar, no seu último grau, ao controle de toda a sociedade humana – desde
entidades como Estados, empresas, organizações religiosas até as pessoas
naturais.
Nesse
grau extremo, que é o objetivo e para o qual as maiores potências mundiais
insistirão em continuar a marchar (Putin, na Rússia, que deu asilo provisório
de um ano a Snowden, justificou o monitoramento e disse ter inveja de Obama,
pelo que este fez), quem não aceitar o controle passará automaticamente, se
sobreviver, a ser um marginal da civilização. Terá de se colocar fora dela e
tornar-se praticamente um fugitivo para evitar a detecção, o consequente
monitoramento e o controle.
O
The New York Times afirmou em seu
editorial, ontem, que a maior contribuição de Snowden foi a de que, graças a
ele, agora os americanos sabem como são monitorados seus dados confidenciais.
Por isto, Edward Snowden mereceria uma pena “substancialmente reduzida”.
“Considerado o enorme valor da informação que revelou e os abusos expostos, ele
merece mais que uma vida de exílio, medo e fugas. Ele pode ter cometido um
crime ao fazer isso, mas ele prestou um grande serviço ao seu país”, diz o
jornal, mas sem assinalar que o governo Obama não mudou de rumo e vai manter, com
ligeiras maquiagens para enganar os tolos e dar supostas satisfações a
presidentes como Dilma Rousseff. Nota, pelo menos, o jornal, que a espionagem
da NSA foi declarada inconstitucional por dois juízes federais.
Certamente
é complexa essa situação de haver cometido um crime por denunciar e provar que
uma agência do governo se dedica a prática considerada – pelo menos por
enquanto – inconstitucional pela Justiça.
Edward
Snowden considera-se pessoalmente realizado, vitorioso, porque, segundo
explicou, seu objetivo ao fazer a denúncia de enorme e não esgotada repercussão
mundial não era o de acabar com o monitoramento que pode extinguir a
privacidade e, com ela, a liberdade, mas provocar um debate pelo qual a
sociedade (e seus componentes) decida ela mesma se quer submeter-se ao
monitoramento ou se prefere a privacidade e a liberdade.
Em
outras palavras, eu diria: se as pessoas querem ser escravas ou livres. Parece
uma decisão muito fácil, mas há fatores, na conjuntura global, que a tornam bem
difícil. A preferência pela escravidão não é descartável, ao contrário, tem
grande chance de prevalecer.
Em
tempo, para os mais curiosos ou mais prudentes, sobre monitoramento e controle:
Apocalypse, capítulo 13, versículos 16 e 17.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.