Sexta, 30 de maio de 2014
Do MPF em São Paulo
Réus,
entre eles o ex-número 2 da AGU, tiveram atuação decisiva para que Ilha das
Cabras continuasse nas mãos de Gilberto Miranda
O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou nesta
quinta-feira, 29 de maio, a segunda ação de improbidade administrativa contra
os investigados na Operação Porto Seguro. A ação diz respeito a atos praticados
por um grupo de servidores públicos federais para favorecer o ex-senador
Gilberto Miranda Batista e sua empresa Bourgainville. Ele teve garantido, de
forma indevida, o direito de utilizar para fins particulares a Ilha das Cabras
– imóvel público federal no município de Ilhabela, litoral norte de São Paulo.
Em 2009, o valor da ilha era de R$ 1,2 milhão.
São apontados como “atores centrais” dos atos de
improbidade que visavam o favorecimento particular de Gilberto Miranda e sua
empresa o então adjunto do advogado-geral da União José Weber Holanda Alves; os
servidores da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) Evangelina de Almeida
Pinho e Mauro Henrique Costa Souza; e os irmãos Paulo Rodrigues Vieira e Rubens
Carlos Vieira, ocupantes de cargos de direção respectivamente na Agência
Nacional de Águas (ANA) e na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Também são réus Marcelo Rodrigues Vieira, irmão de Paulo e
Rubens; os advogados Marco Antônio Negrão Martorelli e Patrícia Santos Maciel
de Oliveira; além da empresa Bourgainville Participações e Representações
Ltda., de propriedade de Gilberto Miranda e formalmente a beneficiária da
ocupação da Ilha das Cabras.
DUAS FRENTES. O grupo atuou em duas frentes
para defender os interesses particulares do ex-senador: na SPU e na AGU, para
tentar garantir a Gilberto Miranda o aforamento gratuito da Ilha das Cabras; e
na AGU, para garantir o ingresso da União em um processo movido contra Gilberto
Miranda e suas empresas, em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Desde 2009,
a Bourgainville, já instalada na Ilha das Cabras, buscava a modificação de seu
título de outorga de ocupação para aforamento, o que certamente lhe traria
benefícios em termos de exploração imobiliária, já que o objetivo final era o
lançamento de um condomínio de luxo no local.
Para o atendimento dos interesses privados envolvidos, era
necessário fazer contato com servidores públicos com poder de decisão. Os
acusados atuaram para tentar viabilizar e obter o aforamento gratuito da ilha
junto à Superintendência Regional do Patrimônio da União em São Paulo, mas
enfrentaram obstáculos levantados pela Consultoria Jurídica da AGU em São Paulo
e em Brasília. Os acusados uniram-se para assegurar o aforamento gratuito, o
que desencadeou a prática de oferta e recebimento de vantagens indevidas e
outros atos de improbidade administrativa.
O então número 2 da AGU, José Weber, mesmo com pareceres
técnicos contrários emitidos pela Consultoria Jurídica da União em São Paulo e
pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, tentou modificar os
entendimentos que apontavam para a impossibilidade de concessão de aforamento
gratuito da Ilha das Cabras. A deflagração da Operação Porto Seguro atrapalhou
os planos dos acusados.
POLÊMICA. A Ilha das Cabras já havia sido
alvo de disputa na Justiça Estadual: em ação movida pelo Ministério Público
Estadual de São Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia confirmado a
decisão de primeira instância e declarado que a ilha era parte do Parque
Estadual de Ilhabela e, portanto, área de proteção ambiental. Gilberto Miranda,
a Bourgainville e uma segunda empresa do ex-senador chegaram a ser condenados
pela Justiça Estadual ao pagamento de indenização correspondente ao valor total
da recomposição da ilha.
Os réus, entretanto, recorreram ao Supremo Tribunal
Federal (STF). Foi a partir deste momento que os acusados uniram esforços para
defender interesses privados de Gilberto Miranda Batista e sua empresa
Bourgainville: eles provocaram a AGU a ingressar na ação – mas apenas com a
intenção de obter a anulação das decisões da Justiça Estadual que haviam sido
desfavoráveis a Gilberto Miranda e sua empresa. Na ação, o procurador José
Roberto Pimenta sustenta que o ingresso da AGU na ação “só atenderia ao
interesse privado dos réus do processo judicial, porque houve pedido expresso
de anulação dos atos decisórios da Justiça Estadual”.
A própria empresa Bourgainville chegou a reforçar, junto à
AGU, o pedido de intervenção da União no processo. Os argumentos: sem a
intervenção da AGU, a empresa teria que recuperar a Ilha das Cabras e demolir
as benfeitorias existentes no local, o que causaria “efeitos irrecuperáveis” ao
patrimônio de Gilberto Miranda. José Weber, então, não só mantém mas também
reforça o pedido de ingresso da União no processo – desvirtuando, assim, a
atuação da AGU.
INTERESSES PESSOAIS. Agentes públicos e terceiros,
portanto, atuaram, de forma coordenada, para legitimar a concessão de
aforamento gratuito da Ilha das Cabras em favor de Gilberto Miranda e da
Bourgainville. Não mediram esforços: atuaram junto a autarquias federais e
utilizaram seus cargos públicos para a promoção de interesses pessoais. Com
isso, buscaram a “imoral intervenção” da União no processo em tramitação no
Supremo com o objetivo único de obter a nulidade das decisões da Justiça
Estadual de São Paulo que contrariavam os interesses privados de Gilberto
Miranda. “Paulo, Rubens, José Weber, Evangelina e Mauro colocaram seus cargos
públicos como instrumento de prática de improbidade administrativa para
satisfação de interesses privados, próprios e de terceiros beneficiados”. Por
sua vez, os acusados Marco Antônio Martorelli e Patrícia Maciel prestavam apoio
jurídico a Paulo e Rubens. Do mesmo modo. Marcelo Vieira atuou junto com os
irmãos, oferecendo-lhe todo e amplo apoio “logístico”.
Por ora, há provas de que houve recebimento por agente
público da quantia de R$ 10 mil em conta corrente, e indícios sérios de oferta
e recebimento de R$ 150 mil. Mas a situação de enriquecimento ilícito de todos
os réus ainda está sendo apurada, em diversos processos administrativos e
judiciais.
O MPF pede que todos sejam condenados à perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ao ressarcimento integral do
dano, acrescido de juros e correção monetária; à perda da função pública; à
suspensão dos direitos políticos por até dez anos; ao pagamento de multa civil
de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; à proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
O valor atribuído à causa é de R$ 16.808.834,00 (dezesseis milhões, oitocentos
e oito mil, oitocentos e trinta e quatro reais).
A ação tramita na 21ª Vara Cível da Justiça Federal de São
Paulo, e seu número para acompanhamento processual é 0009827-58.2014.4.03.6100.