Quarta, 25 de junho
de 2014
Do MPF
Contínuo repasse de recursos públicos à Oscip
Brasil, sem que fossem aplicados em finalidades públicas, instalou gravíssima
crise na rede hospitalar do Tocantins.
O Ministério Público Federal no Tocantins (MPF/TO)
propôs à Justiça Federal ação penal contra o ex-governador do estado do
Tocantins Marcelo Miranda pela contratação direta fora das hipóteses previstas
em lei da Oscip Brasil para gerir os hospitais estaduais e pelo desvio de
recursos públicos em proveitos próprio ou alheio, nos anos de 2003 e 2004.
Também são citados na ação o ex-secretário de Saúde Henrique Barsanulfo Furtado
e o empresário Eduardo Henrique Saraiva Farias. O valor histórico estimado de
verbas federais desviadas é de cerca de R$ 23 milhões, sendo a maior parte do
Fundo Nacional de Saúde (FNS).
A ação ministerial aponta que Marcelo Miranda, então
governador do estado, determinou que Henrique e Petrônio Bezerra Lola,
sucessivos secretários de Saúde em seu governo, contratassem e mantivessem de
forma irregular a contratação da Oscip Brasil, gerida por Eduardo, para que a
entidade privada recebesse grandes quantias dinheiro público, sob o argumento
de gerir todas as unidades hospitalares estaduais. Petrônio, que hoje já conta
com mais de 70 anos, deve receber no momento da sentença a aplicação do
benefício do artigo 115 do Código Penal, razão pela qual não é citado na ação.
Embora sem verificar realmente o regular
funcionamento da Oscip Brasil e atendendo provocação da Procuradoria-Geral do
Estado, Henrique e Petrônio declararam falsamente que a organização detinha
estrutura operacional, experiência na gestão de processos e equipe de
consultores e técnicos capacitados em saúde pública. A escolha da entidade
restringiu-se a uma apresentação de seu gestor, Eduardo Farias, acerca dos
serviços que poderiam ser prestados. Para assumir o compromisso de administrar
14 hospitais públicos em 12 municípios do estado, Eduardo instituiu um
escritório rudimentar em Palmas com somente duas pessoas, não havendo prepostos
da entidade nas unidades hospitalares supostamente administradas.
Os desvios aconteceram por intermédio de cinco
contratos administrativos firmados de forma irregular entre o estado do
Tocantins e a Oscip Brasil. Além desses contratos, em janeiro de 2004 a Oscip
Brasil foi habilitada como entidade filantrópica junto ao Sistema Único de
Saúde, o que lhe permitiu o recebimento direto de verbas federais sem
necessidade de expedientes fraudulentos. A organização recebeu R$ 23.130.328,13
em valores históricos, em pouco mais de sete meses de vigência dos acordos.
Termo de parceria, aditivo e convênios fraudulentos
- Em agosto de 2003, com um suposto termo de parceria, o Estado do Tocantins
contratou diretamente a organização fora das hipóteses legais para a gestão dos
hospitais públicos estaduais, ao custo de R$ 300.000,00 mensais. Em outubro de
2003, Marcelo Miranda e o então secretário da Saúde Petrônio Bezerra Lola
novamente contrataram diretamente a Oscip Brasil por intermédio de um aditivo
ao termo de parceria. Desta vez, o estado do Tocantins repassou a
responsabilidade pela contratação de pessoal e aquisição de insumos para os
hospitais públicos estaduais.
Ainda em 2003, a Oscip Brasil foi novamente
contratada fora das hipóteses legais por três vezes, por intermédio de três
supostos convênios para custear despesas com manutenção e aquisição de
equipamentos, mobiliários e materiais médicos e hospitalares necessários ao
fortalecimento e melhoria dos serviços oferecidos nos hospitais de referência
do estado. Eduardo Henrique, gestor da Oscip Brasil, foi beneficiado em todas
as contratações irregulares, feitas com o objetivo de desviar os recursos
públicos. Apesar dos vultosos valores recebidos do erário, Eduardo não quitou
as dívidas com os fornecedores de medicamentos e insumos hospitalares. Ele
também não prestou contas dos valores recebidos a título de prestação de
serviços de gestão hospitalar, apesar de formalmente notificado para este fim
pelo Tribunal de Contas da União.
A ação ministerial aponta a ilicitude do expediente
utilizado para as contratações irregulares e desvios, já que as oscip's devem
atuar na atuar na promoção gratuita da saúde de forma complementar, e não em
substituição às competências do Poder Público. O termo de parceria era na
verdade um simples contrato de prestação de serviços, caracterizado pelo
pagamento mensal de contrapartida à Oscip Brasil. A contratação deveria ter
sido feita mediante processo licitatório, assim como a assinatura do aditivo ao
termo de parceria, que ampliou o objeto da contratação anterior, e os supostos
convênios.
Os ajustes dolosamente camuflados de termo de
parceria, aditivo ao termo de parceria e convênios não passavam de formas
fraudulentas para terceirizar a gestão da saúde pública no Estado do Tocantins,
de maneira a causar prejuízo ao erário. Em um terceiro momento, a Oscip Brasil
foi habilitada como entidade filantrópica junto ao Ministério da Saúde, a fim
de que recebesse recursos diretamente do Fundo Nacional de Saúde.
Para não funcionar - Cerca de cinco meses após o
início da empreitada e temeroso acerca das consequências que começavam a se
tornar visíveis, Petrônio alertou Marcelo Miranda de forma contundente a
respeito das irregularidades levadas a cabo pela Oscip Brasil e solicitou
autorização para encerrar o funcionamento da Oscip no estado, o que foi negado.
A rescisão da parceria fraudulenta só aconteceria em março de 2004. Petrônio
tornou-se um empecilho ao esquema, a ponto de Eduardo sustentar que não mais se
reportaria à Secretaria Estadual de Saúde, mas apenas ao governador,
demonstrando também a inequívoca ciência deste a respeito do que se passava,
inclusive dos desvios.
Em depoimento à Justiça Federal prestado no
interesse da ação de improbidade administrativa que já tramita em relação ao
mesmo caso, Petrônio asseverou que a entidade privada não tinha qualquer
estrutura para administrar, havendo uma intenção de não funcionar.
Pelas contratações diretas fora das hipóteses
admitidas em lei, Marcelo Miranda incorreu na previsão do artigo 89 da Lei n.
8.666/93 (cinco vezes), na forma dos artigos 29 e 71do Código Penal. Eduardo
Henrique incorreu na previsão do artigo 89, p. único, da Lei n. 8.666/93 (cinco
vezes), na forma do artigo 71 do Código Penal. Henrique Barsanulfo incorreu na
previsão do artigo 89 da Lei n. 8.666/93, na forma do artigo 29 do Código
Penal.
Pelo desvio de recursos públicos, Marcelo Miranda e
Eduardo Henrique incorreram na previsão do artigo 312 do Código Penal (seis
vezes), na forma dos artigos 29 e 71, caput, do Código Penal; e Henrique
Barsanulfo incorreu na previsão do artigo 312, combinado com o artigo 327, §
2º, ambos do Código Penal, na forma do artigo 29 também do Código Penal.