Do Diário Liberdade
Venezuela - Diário Liberdade
- O Diário Oficial da Venezuela publicou no dia 27 de janeiro uma
resolução sobre a atuação das Forças Armadas em manifestações e reuniões
públicas, em que se autoriza o uso da força proporcional quando houver
atos violentos por parte das pessoas (como acontece em todo o mundo),
como "ameaça certa e efetiva" à vida de qualquer pessoa envolvida na
situação, buscando preservá-la.
A
grande imprensa, porém, está distorcendo em suas notícias os
verdadeiros procedimentos que serão utilizados pelas forças de segurança
venezuelanas. "Militares poderão usar arma de fogo em manifestações na
Venezuela" é a machete do portal G1 [1], da Rede Globo,
em matéria reproduzida da agência AFP. Como apenas reproduz a matéria,
os pseudo-jornalistas do site nem sequer tentaram investigar o caso ou
ler a resolução (que disponibilizamos ao final da matéria).
Mas o Diário Liberdade fez o que a grande imprensa se
recusou a fazer. Lemos todos os artigos da resolução 8610 publicada na
"Gaceta Oficial" nº 40.589, de 27 de janeiro de 2015 [2] e desmascaramos as mentiras da grande mídia, uma a uma.
Começamos com a própria manchete do G1. Com clara intenção de
manipular a informação, a machete generaliza os casos de manifestações,
dando a entender que o Exército venezuelano poderá usar armas de fogo em
todas as manifestações. O mesmo vale para as machetes dos outros
grandes veículos de comunicação brasileiros, como a revista Veja [3] e Estadão [4], e internacionais, como o El País em português [5]. Atenção especial à manchete da Folha de SP [6]:
"Venezuela autoriza Forças Armadas a atirar contra manifestações
violentas". Ela pelo menos cita que a ação vale contra as manifestações
violentas, mas dá a entender que se poderá atirar contra o conjunto dos
manifestantes, sendo que na verdade "o uso da força potencialmente
mortal só está autorizado em uma situação que constitua uma ameaça certa
e efetiva à vida de qualquer pessoa envolvida na situação, com a
finalidade de preservá-la", como diz o artigo 23.2 da resolução.
A resolução não faz distinção entre protestos pacíficos e violentos?
O El País destacou que "a resolução não distingue manifestações
violentas de pacíficas". Mas o artigo 15.9 da resolução deixa bem claro
que os funcionários e as funcionárias de segurança "não portarão nem
usarão armas de fogo no controle de reuniões públicas e manifestações
pacíficas".
Atentado contra a Constituição e o Direito Internacional?
Na mesma matéria da AFP, utilizada pelo G1 e pelo site da Veja, há o
depoimento de um advogado constitucionalista e catedrático, Tulio
Álvarez, que diz que autorizar o uso de armas de fogo em manifestações
"abre a porta para atentar contra o direito à vida e contra a
Constituição e pactos regionais e internacionais assinados pela
Venezuela".
Como dito acima, a resolução, em seu artigo 15.9, afirma que as
forças de segurança "não portarão nem usarão armas de fogo no controle
de reuniões públicas e manifestações pacíficas", o que está plenamente
de acordo com a Constituição venezuelana, que, em seu artigo 68 [7],
"proíbe o uso de armas de fogo e substâncias tóxicas no controle de
manifestações pacíficas". A Declaração Universal dos Direitos Humanos [8] e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [9],
dos quais a Venezuela é signatária, também reconhecem o direito a
reuniões pacíficas. O que não é reconhecido em nenhum desses documentos é
o direito de reuniões e manifestações violentas, e são estas a que se
refere a resolução aprovada pelo presidente Nicolás Maduro, em que "o
uso progressivo e diferenciado da força será aplicado para prevenir,
conter, neutralizar e depois fazer com que se reduza o nível de
confronto e resistência da pessoa sujeita ao procedimento", conforme o
artigo 21. A reportagem da Folha foi feita "in loco", por seu
correspondente na Venezuela, que também não se deu ao trabalho de ler o
documento e baseou o seu artigo em "achismos", ao escrever que a
resolução "aparenta contrariar a Constituição".
Objetivo de reprimir a oposição?
O ultraconservador Estadão também enviou correspondentes especiais à
Caracas. Em sua reportagem, descreve o decreto como um instrumento que
"dá a militares poder para utilizar armas de fogo na repressão a
manifestantes da oposição", deixando a impressão aos leitores que esse é
exatamente o objetivo do governo popular de Nicolás Maduro: reprimir a
oposição. Mas é justamente o contrário, como o leitor atento que
acompanha este texto já pode perceber.
O artigo 2ª da resolução enumera quais são as finalidades desta,
como "proteger os direitos humanos e garantias das pessoas que
participam nas reuniões públicas e manifestações, assim como das demais
pessoas e da sociedade em geral" e o artigo 5.4 exprime o dever da Força
Armada Nacional Bolivariana de "assegurar o respeito aos valores e
princípios do Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça,
contemplado na Constituição, assim como o respeito aos direitos
humanos". Tudo isso não é respeitado exatamente pela oposição que sempre
é descrita como vítima nas matérias dos grandes jornais brasileiros e
internacionais.
As forças reacionárias dessa mesma oposição foram as responsáveis
pelos violentos protestos do ano passado contra o governo popular e
democrático de Nicolás Maduro, provocando o caos em diferentes regiões
do país, mais precisamente em localidades em que vive a elite
venezuelana e onde a oposição tem o poder político [10].
Utilizando-se de armas de fogo, facas, e todos os tipos de armas, a
direita usou as táticas de barricadas com arames farpados atravessando
as vias de tráfego em que muitos motociclistas morreram degolados por
causa dos arames, além de incendiarem prédios públicos, entre muitas e
outras ações. O saldo dessa violência terrorista foi de 43 mortes, a
maioria causadas por essas "guarimbas" da direita golpista, e os agentes
da segurança que cometeram supostos delitos não demoraram a ser
penalizados. O artigo 5.6 da resolução em questão inclusive determina
que o incumprimento dos princípios, regulações e procedimentos das
normas por parte dos funcionários e funcionárias da FANB terá suas
consequências conforme o previsto na Justiça venezuelana.
Os aspectos positivos da resolução se tornam turvos diante do uso mortal da força?
A reportagem do El País utilizou a declaração de um representante
de uma ONG venezuelana que diz que "os aspectos positivos que [a
resolução] inclui se tornam turvos diante do uso mortal da força". A
Folha fez coisa parecida. Mas quais são os procedimentos a serem
utilizados até que não reste mais saída senão usar a "força mortal"?
O artigo 5.5 resume esse processo: "(...) A dose de força a ser
aplicada deverá levar em consideração uma progressão no comportamento
das pessoas e da proporcionalidade com cada um dos graus de intensidade,
de modo que entre a dissuasão e a reação se regule a força". Isso é
completado pelos artigos 23.3 e 23.4, que dizem que "as funcionárias e
funcionários (...) buscarão a todo o momento utilizar as técnicas menos
lesivas possíveis, de acordo com o nível de resistência, procurando
sempre diminuir a situação de confrontação" e com o exclusivo propósito
de "vencer a resistência, controlar a situação e reduzir o risco de
morte ou dano implicado em cada situação de intervenção",
respectivamente. Isso significa que o uso da arma de fogo só será feito
em última instância, mas antes todos os métodos pacíficos serão usados,
desde a dissuasão para que o manifestante desista de promover qualquer
ato criminoso até o uso da força não letal, como imobilizações, por
exemplo, "reduzindo a probabilidade de produzir lesões ou danos físicos
ou morais, baseados nos princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade, garantindo o respeito aos direitos humanos", como
explicita o artigo 20 da resolução.
Mais um artigo reforça um dos princípios da resolução de não
utilizar a força nem armas contra manifestantes pacíficos: "Não
empregarão a força contra as pessoas que se retiram ou caem enquanto
correm e que não participam em atos violentos, salvo a estritamente
necessária para efetuar uma apreensão em caso de flagrância no
cometimento de um crime", descreve o artigo 15.2.
"A escala do uso progressivo e diferenciado da força diminuirá à
medida que a resistência diminua até acabar ou quando se produza a
finalização de atos violentos, adotando as correspondentes medidas de
segurança", explica com clareza o artigo 15.4 sobre o nível do
procedimento de contenção de manifestações violentas.
Por fim, os artigos 22.7 e 23.2 falam das situações em que se
poderá usar a força letal, de acordo com as normas estabelecidas na
resolução e após terem se esgotado todos os outros métodos. A violência
mortal só poderá ser utilizada na "criação de uma situação de risco
mortal, diante da qual a funcionária ou funcionário militar aplicará o
método do uso da força potencialmente mortal, com arma de fogo ou com
outra arma potencialmente mortal", diz o artigo 22.7, corroborado pelo
23.2, que fala que "o uso da força potencialmente mortal só está
autorizado em uma situação que constitua uma ameaça certa e efetiva à
vida de qualquer pessoa envolvida na situação, com a finalidade de
preservá-la".
A normativa vale para toda a Força Armada?
Apenas a Guarda Nacional Bolivariana tem competência para manter a
ordem pública. Mas a resolução abrange toda a Força Armada Nacional
Bolivariana (Exército, Aviação, Armada, Guarda Nacional e Milícias
Bolivarianas), segundo as reportagens do El País e da Veja. Será?
Em nenhum momento a resolução diz que todos esses organismos da
FANB poderão atuar em reuniões e manifestações. O artigo 10 da resolução
explica claramente que a Guarda Nacional Bolivariana da Venezuela é
"quem tem a responsabilidade básica para conduzir as operações exigidas
para a manutenção da ordem interna do país", enquanto que o conjunto dos
integrantes da FANB, inclusive a Guarda Nacional, tem a
responsabilidade de "exercer atividades de polícia administrativas e de investigação penal que lhe atribuam as leis que regem a matéria".
Exigir autorização para protestar e proibir manifestações é perseguição aos opositores?
Em suas reportagens, Veja e El País afirmam que Maduro passou a
exigir autorização prévia para organizar qualquer marcha e declarar como
"ilegais" manifestações em alguns municípios sobre o pressuposto de que
elas poderiam resultar em atos violentos. Para esses meios de
desinformação, isso é "calar os descontentes" com o governo. Mas, como
explicado acima, motivos não faltam para acreditar que os protestos da
oposição serão violentos, vide os atos de barbárie que ocorreram em 2014
por parte da direita venezuelana.
Ainda que não houvesse riscos de violência, esse tipo de proibição é
algo normal em todo o mundo. Em um artigo recente, o professor e
jornalista francês Salim Lamrani escreve [11] que
"conseguir a autorização das autoridades para se manifestar é um
requisito indispensável" em qualquer democracia ocidental, e explica
utilizando a França como exemplo:
[...] Na França, por exemplo, onde se rejeitam centenas de petições de manifestação todas as semanas, está terminantemente proibido organizar uma agrupação sem o acordo escrito do departamento de polícia. A petição tem de ser feita "pelo menos um mês antes da data da manifestação" e "este prazo será de três meses como mínimo, se o evento projetado for agrupar muita gente". [12]
Por outro lado, "cada petição deve conter toda a informação útil sobre o organizador (pessoa física ou jurídica) e sobre a manifestação (natureza, data, lugar, horário, número de participantes...)". Na França, os organizadores de manifestações são penalmente responsáveis por todos os danos que o evento possa causar. O departamento de polícia insiste nesse ponto: "o organizador deve assumir a tarefa da segurança geral no local dedicado à manifestação. No caso de danos por imprudência ou negligência, a responsabilidade civil, inclusive penal, do organizador pode ser invocada tendo por base o artigo 1382 e os seguintes do Código Civil e os artigos 121-1, 121-2, 223-1 e 223-2 do Código Penal". [13]
Assim, durante o verão de 2014, a França foi o único país do mundo que proibiu as manifestações de solidariedade à Palestina depois da mortífera agressão de Israel contra Gaza. A polícia dispersou violentamente os manifestantes e realizou dezenas de detenções. A justiça sancionou severamente várias pessoas por violar a proibição. [14] [...]
Imparcialidade da imprensa?
Em nenhuma reportagem desses veículos de comunicação (G1, El País, Veja, Folha e Estadão) uma autoridade ou simpatizante do governo venezuelano foi consultado para esclarecer a "polêmica". Nenhum depoimento a favor da resolução. Por outro lado, dois deputados da oposição foram consultados, assim como o principal partido opositor. Também representantes de ONG's contrários ao governo e até mesmo "venezuelanos" nas redes sociais serviram para reforçar a aparente credibilidade das notícias desses veículos, que se autointitulam "imparciais".
Em nenhuma reportagem desses veículos de comunicação (G1, El País, Veja, Folha e Estadão) uma autoridade ou simpatizante do governo venezuelano foi consultado para esclarecer a "polêmica". Nenhum depoimento a favor da resolução. Por outro lado, dois deputados da oposição foram consultados, assim como o principal partido opositor. Também representantes de ONG's contrários ao governo e até mesmo "venezuelanos" nas redes sociais serviram para reforçar a aparente credibilidade das notícias desses veículos, que se autointitulam "imparciais".
