Quinta, 23
de abril de 2015
Por Maria
Lucia Fattorelli [1]
Coordenadora
Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

Não existe justificativa técnica, econômica, política ou
moral para a cobrança de taxas tão elevadas, que prejudicam toda a sociedade e
o próprio país. Os juros extorsivos esterilizam grande quantidade de recursos
que deveriam estar circulando na economia produtiva, pagando melhores salários
e viabilizando serviços sociais que garantiriam vida digna para as pessoas.
O único beneficiário dessa generosa aberração é o setor
financeiro privado nacional e internacional. E o maior responsável: o Banco
Central do Brasil.
É simples.
No caso da dívida pública, é o Banco Central que convoca e
realiza as reuniões com investidores que irão influenciar a decisão sobre a
taxa Selic – taxa básica de juros – pelo COPOM [2]. Para essas reuniões
convida, quase que exclusivamente, representantes do próprio mercado financeiro
que detém a imensa maioria dos títulos da dívida. O que acham que os
interessados em continuar recebendo as elevadas remunerações dos juros irão
recomendar? É evidente o conflito de interesses. A recomendação desses
especialistas é adotada pelo COPOM, sem qualquer crivo ou sequer debate por
parte do Congresso Nacional. A taxa passa a vigorar como “lei” e ponto final.
Das eleições realizadas em outubro do ano passado até agora, a Selic já subiu
16% e está em 12,75% a.a. Já está convocada nova reunião do COPOM para o dia
29/04/2015, que poderá aumentar ainda mais essa taxa, como já vem sendo
anunciado pela grande mídia.
Também é o Banco Central que realiza os leilões para a
venda dos títulos da dívida interna emitidos pelo Tesouro Nacional. Na prática,
os títulos têm sido vendidos a taxas bem superiores à Selic, pois as poucas
instituições financeiras que detêm o privilégio de participar desses leilões –
os chamados dealers – só compram os títulos quando as taxas alcançam o patamar
que desejam. Generosamente, o Banco Central atende a desejo dos bancos e lhes
oferece elevadas taxas de juros.
No caso dos juros cobrados da sociedade em geral pelas
instituições financeiras, o Banco Central impede que os bancos privados abaixem
as taxas de juros cobradas da população e empresas. Como assim? O Banco Central
absorve todo o excesso de moeda que os bancos têm em caixa, entregando-lhes, em
troca, títulos da dívida interna que rendem os maiores juros do mundo. Essa
operação recebe o nome de “operação compromissada” [3] ou “operação de mercado
aberto”, e pode durar de um ou alguns dias a meses. Atualmente, cerca de R$ 1
trilhão em títulos da dívida estão sendo utilizados nessas operações. O que
significa isso? Significa que R$ 1 trilhão poderiam estar no caixa dos bancos
e, certamente, esses não iriam querer deixar esse dinheiro parado, sem render.
O destino óbvio seria destinar esses recursos para empréstimos à sociedade,
aumentando a oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte queda nas
taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para oferecer taxas menores
às pessoas e empresas, o que levaria a uma redução ainda maior nas escorchantes
taxas cobradas pelo setor financeiro no Brasil. Pois bem; a atuação do Banco
Central impede que isso aconteça e garante aos bancos a generosa remuneração
dos títulos da dívida, sem risco algum. A justificativa que tem sido dada para
essa atuação é o “combate à inflação”, o que não se aplica, pois o tipo de
inflação que temos no Brasil decorre do abusivo aumento do preço de tarifas [4]
e de alguns alimentos [5],
Vivemos uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Um
dos países mais ricos do mundo, onde faltam recursos para áreas essenciais como
educação, saúde, saneamento básico e para infraestrutura, não faltam recursos
para os abundantes juros que tornam o país como o local mais lucrativo do mundo
para os bancos.
Nada de discussão se existem recursos orçamentários para
pagar os elevados juros incidentes sobre os títulos da dívida pública; ou
sequer preocupação de onde virão os recursos. As limitações da Lei de
Responsabilidade Fiscal não se aplicam à “política monetária”. Ou seja, se os
recursos orçamentários existentes no orçamento federal não são suficientes para
pagar juros, são emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados para
pagar juros. Isso mesmo. Estamos emitindo títulos para pagar grande parte dos
juros nominais incidentes sobre a dívida pública, o que fere a Constituição
Federal, art. 167, que proíbe a contratação de dívida para pagar despesas
correntes. E juros são despesas correntes, como salários, despesas de
manutenção e demais despesas de custeio que se consomem durante o ano e não se
caracterizam como investimentos. É por isso que denunciamos o Sistema da Dívida
e exigimos a realização da auditoria. Esse poderoso esquema está provocando
enorme lesão aos cofres públicos e à sociedade, além de aumentar de forma
exponencial a própria dívida, comprometendo o nosso futuro.
Por isso são tão importantes os protestos que estão sendo
organizados em todo o país, contra o aumento das taxas de juros e pela
auditoria da dívida. Estamos pagando caro por uma conta que não é nossa. Vamos
participar!
[1] Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br e https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina.
Membro da Comissão de Auditoria Oficial da dívida Equatoriana, nomeada pelo
Presidente Rafael Correa (2007/2008). Assessora da CPI da Dívida Pública na
Câmara dos Deputados (2009/2010). Convidada pela Presidente do parlamento
Helênico, deputada Zoe Konstantopoulos para integrar a Comissão de Auditoria da
Dívida da Grécia a partir de abril/2015.
[3] Compromissada por que o Banco Central tem o
compromisso de receber os títulos de volta e devolver o dinheiro de volta para
os bancos quando estes desejarem, pagando, evidentemente, os juros
correspondentes ao período de duração da operação.
[4] Tarifas de preços administrados: energia, telefonia,
combustível, transporte público etc.
[5] Devido à sazonalidade e aos históricos equívocos da
política agrícola no país que privilegia investimento no agronegócio voltado à
exportação de commodities e não na produção de alimentos.
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Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida