sábado, 20 de junho de 2015

"Todo mundo quer meter a mão em Brasília", diz filha de Lucio Costa

Sábado, 20 de junho de 2015
A arquiteta Maria Elisa Costa, filha do inventor de Brasília, sugere uma comissão deliberativa para cuidar do Plano Piloto

Ana Dubeux , Dad Squarisi /Correio Braziliense, Cristine Gentil, Conceição Freitas


Ativista número 1 das boas causas de Brasília (um bem da humanidade), a arquiteta Maria Elisa Costa entrou na rede faz algum tempo. Posta protestos, denúncias, espantos e raridades que segue descobrindo nas preciosidades que o pai deixou espalhadas pelo apartamento onde morou por 50 anos e que a filha segue catalogando e transferindo para a Casa de Lucio Costa. Mas Maria Elisa bem podia estar numa situação desconfortável: o governador da cidade que tanto defende é seu sobrinho. Ela foi casada com o irmão da mãe de Rollemberg. O casamento acabou, o ex-marido morreu, mas a relação afetiva se fortaleceu ao longo das últimas três décadas.
Nesta entrevista ao Correio, Maria Elisa sugere ao governador que crie uma comissão de alto nível, autônoma e deliberativa, para fazer frente à pressão dos que querem lotear o Plano Piloto. “Todo mundo é guloso, todo mundo quer meter a mão em Brasília.” Critica o sobrinho: “O fato de Rodrigo querer agradar a Deus e o mundo é fruto da geração pós-ditadura”. Lamenta que a autonomia política de Brasília tenha acabado com os prefeitos indicados. E diz que “o crachá de Lucio Costa” lhe dá o direito de falar o que bem entende.
Antes da entrevista, a filha do inventor havia almoçado com o representante das construtoras, o presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal), Luiz Carlos Botelho Ferreira, numa grande mesa que incluiu três aguerridos defensores da cidade, os arquitetos Carlos Magalhães e Fernando Andrade, e o jornalista Silvestre Gorgulho. Depois do bate-papo no Correio, Maria Elisa foi à Câmara Legislativa participar da sessão que entregou o título de cidadão honorário post-mortem ao fotógrafo Mário Fontenelle.
 (Além das jornalistas do Correio, participou da entrevista o jornalista convidado Silvestre Gorgulho)
 
O direito de falar o que bem entende

“Vou contar uma tragédia… Foi a maior lição que tive quando passei pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Eu, filha do Lucio, na presidência do Iphan. O Park Hotel, um hotelzinho lindo que meu pai projetou em Nova Friburgo, que é síntese dele, estava cheio de goteiras. Tinha de arranjar um jeito de bancar o conserto. Havia uma verba de R$ 80 mil. Levei um mês convencendo meus súditos (risos) para dar esse dinheiro para o conserto do ParkHotel porque estava chovendo dentro. Não podia, porque era propriedade particular. É particular, mas a chuva está caindo… Tanto insisti que concordaram. Fiquei na maior felicidade. Achei que estava resolvido o problema. Mas fui burra. Quem trabalha em serviço público tem que ter know-how. Serviço público não é pra amador, é pra profissional. Passaram-se seis meses para o dinheiro chegar ao destino. Nesses seis meses, a chuva foi de tal ordem que o hotel teve de ser fechado e nunca mais abriu. Isso com a filha do doutor Lucio na presidência do Iphan! O que é terrível é que a solução era a mais simples do mundo. Eu tinha de ter chegado pra minha chefe de gabinete e dito: Dia sim, dia não, telefona pra ver se o dinheiro chegou. Sem isso, as coisas não andam. Tem que ter alguém que cobre o tempo inteiro. Por isso que tomei horror de reunião. A reunião acaba em si mesma, o produto final da reunião é ela mesma. Nunca mais quero saber de cargo coisíssima nenhuma. Continuarei autônoma a vida inteira. E falando o que bem entendo. O que me permite estar aqui falando essas coisas é que sou uma aposentada autônoma. É um direito e uma mania. Essa liberdade de falar o que penso não seria igual se eu estivesse presa a um emprego público. E esse crachá de Lucio Costa também me dá o direito de falar o que bem entendo."


DAD SQUARISI — O governo fez bem em retirar o PPCuB da discussão na Câmara Legislativa?


MARIA ELISA COSTA
— Aquele velho, feito em Cingapura, aquele catatau? Aquilo tinha que jogar fora. Não analisei tim-tim por tim-tim porque me recusei a levar a sério um plano daquele tamanho. Foi feito para ser burlado. É muito mais fácil burlar um plano prolixo do que um plano enxuto. Foi uma perda de tempo, um erro. Tinha de ser deletado para se fazer uma coisa mais sensata, mais saudável. O governo mudou. Pela primeira vez Brasília tem um governo de pessoas de Brasília. Começar uma coisa decente, benfeita.


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