Sábado, 25 de julho de 2015
Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Entrevistado pelo Estadão, o titular da Advocacia Geral da União, Luís Inácio Adams, voltou a admitir que existiram mesmo as chamadas pedaladas fiscais (atrasos nos repasses do Tesouro para maquilar as contas federais). Eis duas respostas significativas que ele deu:
"Se o TCU entender que é correto, vamos continuar (sic!) fazendo. Mas somente se o TCU aprovar as contas e não fizer qualquer ressalva à prática. Se houver ressalva, nós vamos nos adaptar, como já nos adaptamos".
"Se for para revisar o passado, temos de condenar (sic!) todo mundo. Não dá para escolher a condenação. O Direito não admite isso. Segurança jurídica é isso: as pessoas assumem comportamentos de acordo com premissas que orientam seu presente [no caso de governos, não deveria ser de acordo com a letra da Lei?]. Qualquer mudança de premissa vale para o futuro".
Ou seja, confirmou a avaliação que o combativo site Congresso em Foco fizera da defesa que o governo entregou ao TCU. Foi a fonte de meu post O governo justifica (?) as pedaladas fiscais: "todos faziam", "foi por períodos curtos"...,
simplesmente por tratar-se da primeira notícia que entrou no ar sobre o
arrazoado da AGU. Confiante na integridade jornalística do Sylvio Costa
e sua equipe, aceitei a conclusão a que chegara e me dei bem: estava
corretíssima.
No site Brasil247, um jovem, dizendo analista do Ministério da Fazenda de Portugal, comentou tratar-se de "um texto pobre, feito a partir de catados
do que foi publicado na grande mídia", "uma vergonha". Segundo ele, "o
assunto é extremamente complexo, exige um amplo conhecimento de
Administração Financeira e Orçamentária".
Evidentemente, não cabia a mim nem interessava à grande maioria dos meus
leitores o destrinchamento de tais complexidades. O chocante foi os
governos do PT estarem mais uma vez batendo na tecla de que apenas
fizeram o que outros faziam sem problemas.
Tirando a habitual enrolação dos burocratas, que justificam sua própria
existência ao fazerem coisas simples parecerem complexas e requererem
grande especialização por parte de quem lida com elas, o que temos é o
seguinte: o governo era obrigado a transferir recursos para seus
destinatários em tais e quais datas, mas atrasava os repasses para,
digamos, não ficar alguns dias no vermelho. Em suma, por "períodos
curtos", fajutou sua contabilidade, apresentando despesas menores do que
elas deveriam ser, induzindo a erros o mercado financeiro e iludindo os
especialistas em contas públicas.
É correto um governo agir assim? Não. É lícito? Não.
Se era incorreto e ilícito, mas antes o TCU deixava barato, um governo
do PT deveria aproveitar para fazer o mesmo? Não, mil vezes não!
O sonho que tantos acalentamos em 1989... |
Como canso de dizer, o PT chegou aonde chegou exatamente por prometer que não incidiria em práticas viciosas como esta.
Quando gastávamos tanto tempo em atividades voluntárias para o partido, nem de longe passava por nossas cabeças que ele adiante adotaria o velho chavão da fisiologia brasileira, ou se restaura a moralidade ou locupletemo-nos todos. Ou, numa versão atualizada, se não der cadeia, tudo é permitido.
Adams parece pretender que, antes de pautar-se pelo estrito cumprimento da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal,
vigente desde o ano de 2000, o TCU deveria mandar um comunicado ao
governo: "até agora consentimos na retenção indevida de recursos por
períodos curtos, mas a partir de hoje nos guiaremos pela lei, como
deveríamos estar fazendo há 15 anos".
Meio ridículo, não? Tenho a impressão de que, numa vara comum da
Justiça, uma defesa dessas poderia até levar o magistrado a encerrar
abruptamente o processo, por considerá-la uma admissão de culpa.
De resto, alguns leitores talvez estranhem meu súbito interesse por algo
que jamais abordara, as tais pedaladas. Na verdade, há muito tenho a
certeza de que, com a popularidade da presidenta Dilma Rousseff no fundo
do poço por causa da recessão do Levy, o impeachment acabará mesmo
acontecendo, com uma ou outra justificativa. Esta é uma possibilidade,
há muitas mais a serem tentadas, até que alguma cole.
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...tornou-se um pesadelo nos dias atuais. |
É mais um erro crasso dos trapalhões do Palácio do Planalto, este de
darem tanta importância às filigranas jurídicas e tão pouca ao
principal: a reconquista do apoio popular, o que implicaria uma mudança
imediata na política econômica. Dilma não cairá ou deixará de cair por
causa dos textículos legais, mas sim por ter ou não o respaldo das ruas. É simples assim.
Mas, sempre me irritou profundamente o amoralismo para o qual o PT
descambou ao assumir governos. O espírito de Justiça passou a valer um
zero à esquerda, o que conta é a Lei e as brechas existentes para
contorná-la, inclusive o fato de uma prática ilegal estar ou não sendo
coibida (enquanto for tolerada, por que não surfar também na mesma
onda?).
É contra isto que me bato. Estarei sempre defendendo a prevalência dos princípios sobre todo o mais: a realpolitik, as conveniências de cada momento, as imposições dos mais fortes, etc.
Pois, para mim, são os princípios, a determinação de guiar-se por eles e
defendê-los em quaisquer circunstâncias que definem um revolucionário.