Terça, 2 de fevereiro de 2016
Da Ponte
Por Luiza Sansão
Segundo laudo pericial, Paulo
Roberto Pinho de Menezes faleceu por conta das agressões sofridas em
outubro de 2013, durante enquadro de policiais da UPP da favela de
Manguinhos
Fátima,
mãe de Paulo Roberto Pinho (quarta, da esquerda para a direita),
cercada por outras mães vítimas da violência policial, no dia da
audiência (Foto: Rafael Daguerre)
Foram ouvidas na quarta-feira, 27/01, no Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro, testemunhas de acusação do caso de Paulo Roberto Pinho de
Menezes, espancado até a morte por policiais militares da Unidade de
Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, favela localizada na Zona
Norte do Rio de Janeiro, em 2013. Três testemunhas, que não serão
identificadas por questão de segurança, depuseram separadamente.
Paulo Roberto, conhecido como Nego, tinha 18 anos. Segundo relatos,
por volta das duas horas da madrugada de 17 de outubro de 2013 ele
estava com três amigos próximo à casa de sua família, quando foi
abordado violentamente pelos policiais da UPP, entre os quais os PMs
Jorge Cardoso de Araújo Junior, João Paulo da Silva Rocha, Jefferson
Albuquerque Pinto, Rodrigo da Costa Tavares e José Luciano da Costa
Neto.
Aquela não era a primeira vez que isso acontecia: os jovens chegavam a
ser abordados por PMs lotados na comunidade de cinco a sete vezes por
dia, de acordo com testemunhas. Mas Paulo Roberto era cotidianamente
perseguido, intimidado e ameaçado. Naquela noite, segundo os
depoimentos, os rapazes foram abordados por quatro agentes perto de um
beco, onde foram encurralados. Logo depois, chegaram mais policiais, que
teriam sido chamados pelo rádio. Uma das testemunhas ouviu gritos. Ao
se aproximar, foi detida por um dos PMs que vigiavam a entrada do beco.
“Ele [Paulo Roberto] gritava ‘socorro, socorro’, e aí eu fui ver e vi os
garotos que estavam com ele, mas os policiais estavam rodeados nele, e
um me empurrou e não deixou eu entrar no beco, falando ‘volta, volta,
ninguém vai passar aqui não’”, conta.
Queriam apenas lesionar? Por que fizeram isso em grupo, com superioridade de forças? Por que a sessão de espancamento durou tanto tempo e teve tanta crueldade? Lesão corporal ou tortura? Por que negaram e impediram o socorro? Por que modificaram a cena do crime? Por que mentiram na delegacia?
De acordo com as testemunhas, Nego foi brutalmente espancado. “Foi
uma sucessão de pancadas no estômago, enforcamento, chutes e, em um dado
momento, bateram com a cabeça dele na parede, e ele, tentando se
desvencilhar daquilo, acabou tomando uma coronhada na cabeça e caiu no
chão”, conta o advogado Luiz Peixoto, da Comissão de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB/RJ), que atua no
caso como um dos assistentes da acusação. “A questão agora é estabelecer
o vínculo entre a intenção dos policiais e a morte da vítima. Mas ainda
há muitas outras questões que as provas vão esclarecer. Queriam apenas
lesionar? Por que fizeram isso em grupo, com superioridade de forças?
Por que a sessão de espancamento durou tanto tempo e teve tanta
crueldade? Lesão corporal ou tortura? Por que negaram e impediram o
socorro? Por que modificaram a cena do crime? Por que mentiram na
delegacia?”, questiona Peixoto.
A mãe de Paulo Roberto, Fátima Pinho de Menezes, chegou ao beco logo
após a sequência de agressões a que o filho havia sido submetido. “Uma
vizinha veio me chamar de madrugada, falou ‘corre lá no beco que os
polícia tá batendo muito no Nego, vai matar o Nego!’. Aí eu corri até
lá, estavam os policiais cercando o beco, não deixando entrar, eu falei
‘eu vou entrar, que eu sou mãe dele, meu filho tá aí dentro!’. Aí eu
entrei, cheguei lá, meu filho estava caído no chão. Eu levantei a cabeça
dele, ele deu dois suspiros e não teve mais reação nenhuma. Morreu no
meu colo”, recorda Fátima Pinho de Menezes, em entrevista à Ponte.
Paulo Roberto Pinho, o Nego (Foto: arquivo familiar)
De acordo com o laudo pericial, o jovem apresentava lesões que
caracterizaram espancamento e pode ter morrido por “asfixia mecânica”.
Segundo Peixoto, embora ainda haja “muitas questões a serem esclarecidas
a partir dos novos depoimentos, é certo que houve um intervalo de tempo
em que Paulo foi visto vivo e respirando, mesmo caído no chão; em
seguida, viram-no isolado com os policiais e, depois, já foi visto
morto, quando a mãe veio a seu encontro, rompendo o bloqueio que era
feito pelo reforço dos PMs”.
Moradores se aproximaram e pediram ajuda, mas os PMs se recusaram a
prestar socorro. Segundo testemunhas, os policiais não verificaram
sequer se Paulo Roberto estava respirando ou se tinha sofrido uma parada
cardíaca, não realizaram procedimentos de ressuscitação e, mesmo diante
da insistência das pessoas, nada fizeram para evitar a morte do jovem.
Enquanto isso, em outra região da favela, o irmão de Nego o procurava
e dirigiu-se à UPP para perguntar por ele. Lá, ouviu a primeira ameaça.
“Olha, você para de criar caso, porque senão você vai pro saco preto,
igual ao seu irmão”, teria lhe dito um PM, antes mesmo de a família
saber que o jovem havia morrido. Depois, no sepultamento, sua irmã
também sofreu uma ameaça, que foi denunciada.
Fátima e os três amigos do jovem pararam uma viatura e o levaram para
a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Manguinhos, onde Paulo Roberto
já chegou morto. Impedidos de entrar no quarto onde ele estava,
enquanto policiais circulavam livremente pela unidade hospitalar, a mãe e
outros familiares de Nego permaneceram por mais de uma hora, na
angústia da incerteza, sem saber se ele havia realmente morrido. Quando
finalmente o puderam ver, seu corpo encontrava-se despido, em uma maca
sem nenhum aparelho – motivo pelo qual a sensação dos familiares foi de
que nenhum esforço foi feito no intuito de salvar sua vida. Da UPA, a
família seguiu para a 21ª Delegacia de Polícia, localizada em
Bonsucesso, próxima a Manguinhos, onde já havia PMs registrando a
ocorrência.
Embora testemunhas afirmem categoricamente que havia uma médica de
plantão na madrugada em que Paulo Roberto foi levado à UPA, quem assinou
o atestado foi um homem. A mulher foi vista na delegacia na manhã do
dia da morte de Paulo Roberto. O médico será ouvido na próxima
audiência.
Histórico de perseguição e ameaças
Na mesma noite em que morreu, Paulo Roberto interveio numa abordagem
sofrida por seu irmão no campinho de futebol da comunidade. “Opa, que é
isso, tá esculachando o meu irmão?!”, disse Nego aos PMs. O espancamento
do jovem, horas depois, foi uma represália, segundo testemunhas.
Fátima critica a violência policial em Manguinhos (Foto: Katja Schilirò)
“Como ele [Paulo Roberto] sabia que a abordagem dos policiais era
violenta, ele questionou a abordagem ao irmão dele. Por meu filho não
aceitar tapa na cara, chute no saco, eles preferiram eliminar meu filho.
Tanto é que ele estava com mais três amigos e os policiais foram só em
cima dele. Então a intenção deles era o meu filho, ele estava visado,
era perseguido em Manguinhos”, diz Fátima.
Há, ainda, outras situações que caracterizam a perseguição sofrida
por Paulo Roberto. Além dos enquadros cotidianos, um policial apelidado
de Martelo já o teria “jurado”, afirmando que o “pegaria porque ele era
um ladrãozinho da Lapa”, segundo o advogado.
Fátima critica a violência com que policiais abordam os jovens em
Manguinhos. Para ela, os PMs da UPP somente “esculacham os moradores” da
comunidade. “Meu filho não estava fazendo nada de errado. Eles
simplesmente pegaram ele e mataram porque ele questionava a abordagem
que eles faziam. Se meu filho ia dez vezes no Jacaré [bairro que faz
limite com Manguinhos], dez vezes ele era parado e esculachado. Então
ele não aceitava mais isso”, conta a mãe, em tom de indignação. “Se
estivesse fazendo alguma coisa errada no momento, o dever deles era
prender meu filho, levá-lo para a delegacia e lá eles iam tomar a
atitude deles, né?”, questiona.
Outro lado
A versão sustentada pelos PMs, de acordo com os termos de declaração
do Boletim de Ocorrência (B.O.), é de que eles abordaram os jovens
porque estes estariam usando drogas – embora o exame toxicológico não
tenha identificado a presença de nenhuma substância no organismo de
Paulo Roberto. Segundo eles, “não houve contato físico” com a vítima,
Paulo Roberto teria caído porque foi acometido por um “mal súbito” e as
lesões identificadas no laudo pericial teriam sido provocadas pela
queda, e não por espancamento.
Apesar das evidências de que a asfixia decorreu das agressões, o
Tribunal do Júri considerou que os policiais não tiveram a intenção de
matar Paulo Roberto. Assim, os PMs foram denunciados por lesão corporal
seguida de morte. Na primeira audiência sobre o caso, ocorrida em
outubro de 2015 e acompanhada pela Ponte, os réus apenas negaram as acusações e permaneceram calados.
A família agora aguarda a próxima audiência, quando serão apresentadas as provas de acusação, ainda sem data definida.