Terça, 2 de fevereiro de 2016
O Instituto Justiça Fiscal (IJF), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), a Rede Brasileira de Integração dos Povos (REBRIP), a Internacional de Servidores Públicos (ISP) e a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), com o apoio da Red Latinoamericana sobre Deuda, Desarrollo y Derechos (LATINDADD), da Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe (RJFALC), da Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), das Delegacias Sindicais do Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (SINDIFISCO NACIONAL) de Salvador, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, do Ceará e do Espírito Santo, realizaram, nos dias 21 e 22 de janeiro, no Fórum Social Mundial Temático – 2016, oficinas para tratar do tema JUSTIÇA FISCAL PARA UM MUNDO MELHOR, e elaboraram, a partir dos debates realizados, o presente MANIFESTO.
REFORMA TRIBUTÁRIA – TEM QUE SER COM JUSTIÇA FISCAL
O tributo não é um fim em si mesmo, mas um meio para atender as
demandas sociais. As grandes transformações sociais em andamento tanto
demográficas e culturais quanto de estrutura produtiva têm produzido
novas demandas que requerem uma reconfiguração e ampliação do fundo
público especialmente aquele destinado à seguridade social, com garantia
de suas fontes de financiamento.
Soma-se a isso o caráter injusto da atual carga tributária, não por
seu tamanho, mas por sua distribuição, o que impõe a necessidade urgente
de uma reforma tributária. O alto peso da tributação sobre o consumo
quando comparado com a tributação sobre a renda e o patrimônio faz com
que os mais pobres acabem pagando mais tributos do que os mais ricos,
proporcionalmente às suas rendas, aumentando a desigualdade social.
Segundo o IPEA (2008), quem ganhava até 2 salários mínimos comprometia
mais de 50% de sua renda em tributos enquanto os que ganhavam mais de
30 salários mínimos, comprometia menos de 30%.
Em 2013, mais de 50% da arrecadação total veio do consumo, e somente
cerca 20% foi proveniente da renda. A tributação sobre o patrimônio
representou menos de 4% da arrecadação total. Nos países da OCDE esta
relação é invertida, sendo que a maior parte da tributação decorre da
renda. Nos EUA, por exemplo, mais de 50% da arrecadação provêm da renda e
somente 16% têm origem no consumo.
Portanto, uma reforma tributária com justiça fiscal, que respeite a
capacidade contributiva, deve ser capaz de deslocar parte da carga
tributária que incide sobre o consumo (tributos indiretos) para o
patrimônio e a renda (tributos diretos). Para isso, uma importante
medida é promover tratamento isonômico na tributação das rendas
independente de sua origem, se do trabalho ou do capital e elevar a
tributação sobre as altas rendas. O Imposto de Renda das pessoas físicas
no Brasil, que representa apenas 2,7% do PIB enquanto a média dos
países da OCDE é de 8,5%, é extremamente benéfico aos rendimentos do
capital e oneroso aos rendimentos do trabalho. Isso porque, de forma
isolada em relação aos demais países, as rendas decorrentes da
distribuição de lucros e dividendos no Brasil são isentas deste tributo,
desde 1995.
Além disso, diante da urgente necessidade de reduzir as desigualdades
sociais torna-se imprescindível aumentar a tributação sobre o
patrimônio, elevando-se as alíquotas incidentes sobre as grandes
propriedades rurais e sobre heranças, e instituir taxação sobre grandes
fortunas e IPVA de embarcações e aeronaves, e reduzir seletivamente a
tributação sobre o consumo.
No entanto, uma reforma tributária justa só será possível a partir da
constituição de hegemonia popular, o que impõe a necessidade de
aperfeiçoar a comunicação e a articulação social, com vistas a promover
uma nova consciência de cidadania. Neste aspecto, programas de educação
fiscal, governamentais ou não, precisam ser estimulados e protegidos
contra tentativas de distorções de seu conteúdo, patrocinadas por
determinados setores, que vêm descaracterizado sua característica de
interesses coletivos e não individuais.
TRIBUTAÇÃO DO SETOR EXTRATIVO – CHEGA DE LEVAR NOSSAS RIQUEZAS E NOS DEIXAR COM A LAMA
O setor extrativo mineral tem características diferenciadas quando
comparado com outros setores econômicos, o que exige, por questão de
equidade, tratamentos fiscais específicos. Primeiro por se tratar de um
bem não renovável. Segundo, porque o minério é um bem público, cuja
exploração ocorre por concessão. Terceiro, que esta atividade se
desenvolve obrigatoriamente no local onde se encontra a jazida, muitas
vezes desalojando comunidades, destruindo seus meios e modos de vida,
contaminando mananciais, destruindo florestas. Quarto, o fato de ser uma
atividade preponderantemente comandada por gigantes transnacionais que
exploram o recurso mineral quase que exclusivamente para a exportação.
A sociedade brasileira, não apenas as comunidades afetadas pelas
atividades extrativas, precisas debater sobre o futuro de suas reservas,
inclusive quanto à conveniência ou não de continuar explorando suas
riquezas, levando em conta, dentre outros: 1. alternativas de atividades
econômicas para a área possivelmente afetada, 2. questão estratégica de
manutenção de reservas tendo em vista a crescente escassez de
determinados minérios; 3. o retorno à sociedade deve ser suficiente para
garantir alternativas econômicas que independam da existência daqueles
recursos e que promovam condições econômicas, sociais e ambientais, após
o esgotamento dos recursos, superior às condições existentes antes da
exploração; e 4. a necessidade de internalização dos custos
sócioambientais nos próprios projetos de exploração.
Para promoção da justiça fiscal no setor extrativo é preciso também
estabelecer novos marcos legais e normativos para disciplinar as
concessões de exploração dos recursos rompendo a lógica feudal vigente
que permite que empresas detenham reservas baseada exclusivamente na
lógica temporal (ordem de pedidos). Deve-se revogar a Lei Kandir que
isenta de ICMS a exportação de minérios; rever a legislação que regula
os royalties minerais por serem os mais baixos do mundo; implementar
participação especial para projetos de grandes volumes ou grande
rentabilidade, a exemplo do setor de petróleo e gás; eliminar as
isenções fiscais concedidas no âmbito da SUDAM para a exploração desses
recursos; e rever as legislações subnacionais que conferem tratamento
diferenciado na cobrança do ICMS para a Mineração.
Não é razoável que pautemos o desenvolvimento nacional na premissa de
assumir impactos sociais e ambientais como parte do jogo, facilitando e
desonerando a exportação de insumos sob o único ou principal argumento
da geração de superávits comerciais, sem considerar todos os elementos
que deveriam ser avaliados para permitir a exploração da riqueza de uma
nação.
Por se tratar de exploração de recursos públicos, é ainda necessário
estabelecer mecanismos que garantam absoluta transparência sob aspectos
tributários, sociais, ambientais e econômicos das empresas incluindo
transparência em relação aos registros contábeis e às transações
internacionais de todas as suas subsidiárias país por país.
ARQUITETURA ECONÔMICA E FINANCEIRA GLOBAL – O CERCO AOS MECANISMOS DE EVASÃO FISCAL TEM QUE SER FECHADO
A reconfiguração da economia mundial promovida pela globalização
trouxe inúmeros mecanismos de fragilização da capacidade de tributação
das nações. O incremento do comércio internacional, tanto de bens como
de serviços, se deu basicamente por operações intrafirma; cujos preços,
portanto, são determinados não por meras questões de oferta e demanda,
mas sim, para atender os agressivos interesses do planejamento
tributário das multinacionais.
Assim, o comércio internacional que decorre da globalização não é
mais comércio em sua essência, mas simples transferências de mercadorias
ou de insumos entre unidades de uma mesma corporação; de tal forma que
tanto o faturamento das empresas pulverizadas ao redor do mundo, quanto
os custos dedutíveis são manipulados com vista a deslocar os lucros para
paraísos fiscais ou para países que ofereçam benefícios tributários
especiais. É exatamente este mecanismo que tem sido responsável por uma
parcela significativa da evasão fiscal, pressionando a carga tributária
em direção às parcelas mais vulneráveis da população, dificultando o
poder regulador do Estado e impossibilitando o financiamento de serviços
públicos universais de qualidade.
CAMPANHA GLOBAL POR JUSTIÇA FISCAL – QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO
A falta de recursos para as políticas públicas, para a promoção de
direitos e para atender as demandas mais urgentes das sociedades, como
saúde, educação, segurança, saneamento e outras, ocorre em grande medida
devido à enorme evasão/elisão fiscal promovida pelas grandes
corporações multinacionais, através de planejamentos tributários
agressivos, utilizando-se de manobras contábeis ou brechas legais para
reduzir consideravelmente seus tributos devidos.
Esta realidade impõe a necessidade de mobilização cidadã com o
objetivo de pôr fim a este verdadeiro saque aos recursos públicos. Para
tanto, várias organizações da região, impulsionadas pela Rede de Justiça
Fiscal da América Latina e Caribe vêm desenvolvendo uma campanha que
busca canalizar, a nível continental, ações de pesquisa, denúncia,
mobilização e divulgação a favor da justiça fiscal.
A campanha QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO visa a gerar
capacidade crítica e cidadã na sociedade para a implementação de uma
série de reformas sobre a tributação das grandes multinacionais. Almeja
também a cooperação tributária na região que elimine a competição entre
os países para ver quem concede mais incentivos às transnacionais. Além
disso, pleiteia uma série de medidas coordenadas para evitar a evasão de
tributos, tais como: transparência fiscal; fim dos paraísos fiscais;
multinacionais serem tratadas como únicas e não como diversas filiais
independentes, realizando reporte país a país; combate aos fluxos
ilícitos; fim das renúncias tributárias.
A presente campanha visa sensibilizar a sociedade para os riscos que o
aprofundamento deste modelo de internacionalização da economia, sem
controles nacionais ou supranacionais, pode produzir na capacidade das
Nações de atenderem às demandas das sociedades, de construir um sistema
tributário mais justo, de preservar suas soberanias e meio ambiente e de
fortalecer as democracias. QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO,
de acordo com a atividade econômica que produza em cada país, é
condição essencial para a construção de uma sociedade mais justa, livre e
solidária.
Porto Alegre, 22 de janeiro de 2016.