Sexta, 26 de maio de 2017
Da Ponte
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Lucas Ferraz | 25 de maio de 2017
O jornalista Lucas Ferraz, que revelou o caso do aeroporto de Cláudio,
descreve a campanha mentirosa contra a reportagem; grampos do processo
contra Aécio Neves no STF mostram que a pista continua sob o controle do
político
Os lances da derrocada de Aécio Neves trouxeram lateralmente
informação que confirma, mais uma vez, uma das acusações mais danosas à
imagem do político até que o furacão da Lava Jato começasse a abraçá-lo,
no ano passado. Trata-se da construção do aeródromo de Cláudio, no
interior mineiro, dentro das terras de um tio e que era controlado pela
família do tucano. Como se viu nos autos do processo que o afastou do
Senado, Aécio continuou a desfrutar privadamente da pista de pouso.
Por muito tempo, contudo, essas acusações foram utilizadas por seu
grupo político e simpatizantes para atacar o jornalismo que o revelou.
Mesmo entre jornalistas, a versão do tucano – de que não houve
ilegalidade na obra, uso privado ou que ela tenha beneficiado sua
família – ganhou muito mais do que voz. Uma pena, pois foram muitos os
que desprezaram os princípios do ofício para se dedicar à propaganda
política.
Sou o autor da reportagem publicada na Folha de S. Paulo em julho de 2014,
no início da disputa eleitoral, que revelou o uso particular da pista,
as chaves sob o controle da família de Aécio, além de outras
irregularidades que seriam igualmente documentadas: a pista nunca fora
inaugurada e funcionava havia quatro anos sem a homologação da ANAC
(Agência Nacional de Aviação Civil), o que é ilegal. A obra beneficiava
financeiramente o tio, dono do terreno desapropriado, além de equipar as
fazendas da família Neves-Tolentino ao redor da pista de invejável
estrutura que custou R$ 14 milhões aos cofres do estado.
As provas foram coletadas por mim, numa viagem inesquecível a
Cláudio, além de todo o emaranhado disponível em documentos públicos da
Justiça e do governo. O uso privado do aeroporto fora confirmado pelo
chefe de gabinete da prefeitura e pelo próprio primo de Aécio que tinha a
chave (outro primo, não o que se encontra preso atualmente): “Para
todos os efeitos, o aeroporto ainda é nosso”.
Seguiu-se à publicação da reportagem uma intensa – e em alguns
momentos perversa – campanha contra os fatos relatados e documentados
que não se restringiu à política. O trabalho jornalístico nunca sofreu
reparos judiciais ou editoriais, mas isso não bastou para que eu fosse
caluniado até por colegas de profissão. Durante a fratricida campanha
eleitoral e até depois, foram muitos os ditos jornalistas que endossaram
a fantástica estratégia de blindagem de Aécio Neves.
(Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Quanto aos fatos apresentados nas reportagens, o político utilizava o
mesmo cinismo agora empregado para tentar responder às condutas e ações
nas quais foi flagrado.
Sobre o benefício à família com a construção do aeródromo, ele dizia:
“Pelo contrário, meu tio foi prejudicado!”. Quanto à necessidade da
obra, já que a menos de 50 km de Cláudio está a cidade de Divinópolis,
que conta com aeroporto de estrutura superior, ele justificava a
construção alegando que a pista beneficiou centenas de empresários
locais. Cascata, como se viu.
Adepto antigo do pós-verdade, Aécio Neves passou a campanha eleitoral
se referindo ao episódio como um “equívoco” cometido por um “jornal
paulista”. Até o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto entrou no jogo:
contratado por R$ 56 mil pela campanha do tucano, ele elaborou um
parecer – sem nunca ter pisado em Cláudio – atestando a total legalidade
da obra.
O PT, que pediu investigação por improbidade administrativa, também
cometeria as suas barbaridades em nome do jogo político. Numa propaganda
de Dilma Rousseff, o partido escalou uma ex-presidente do Sindicato dos
Jornalistas de Minas Gerais para acusar Aécio Neves de censura. Ela
disse que o episódio do aeroporto era conhecido há tempos pelos
jornalistas mineiros. Era outra mentira: sabia-se, sim, que o governo
mineiro havia construído um aeródromo em Cláudio, mas as informações de
que ele fora feito nas terras de um parente de Aécio e que seu uso era
privado e irregular só seriam conhecidas nas reportagens que publiquei.
Passado o furor eleitoral, o Ministério Público de Minas Gerais
concluiu pela segunda vez a investigação sobre a construção da pista.
Como era esperado, os promotores mineiros não viram nenhuma
irregularidade. Era mais uma investigação conveniente ao grupo político
de Aécio: a Promotoria não levou em consideração nenhuma das provas
apresentadas na reportagem.
O arquivamento do caso serviu para alimentar ainda mais a campanha caluniosa. Em agosto de 2015, a Veja
publicou texto intitulado “Pista livre de problemas”, no qual isentava
Aécio de qualquer responsabilidade: “Ou seja, nenhuma das acusações
parou de pé”. A IstoÉ foi na mesma linha, titulando sua matéria
de “Caso encerrado” e ressaltando que os promotores não viram
favorecimento à família do político.
Até a Folha, que publicou a reportagem, abriu nobre espaço para artigo do presidente do PSDB de Minas,
escrito a pedido de Aécio, e sequer mencionou que a reportagem
publicada por ela meses antes estava correta. O aliado do tucano chamava
a história de “ficção” e cobrava reparação ao político pelas
“inverdades”. A meu pedido, publiquei resposta na Folha rebatendo os absurdos. Foi a última vez que tratei do caso.
Mas eis que nos autos do processo em trâmite no Supremo Tribunal
Federal que levou ao afastamento de Aécio do Senado e à prisão de sua
irmã e estrategista política, Andrea Neves, e de um primo, consta uma
conversa que confirma quase três anos depois um dos pontos centrais da
reportagem: o político, cuja fazenda está a cinco minutos de carro do
aeródromo, ainda hoje tem o controle do local.
Num diálogo interceptado pela Polícia Federal em abril deste ano,
Frederico Pacheco de Medeiros, o primo de Aécio preso por receber parte
do dinheiro combinado pelo político com a JBS, diz a uma pessoa não
identificada que a chave do aeródromo estaria com um segurança de Aécio.
“Se o Duda tá descendo no avião alguém vai abrir o portão pra ele ou
não?”, pergunta o interlocutor não identificado. “Sim, já deve ter
aberto… ele já deve ter saído e já deve ter fechado”, responde Fred. “E
quem que é essa bênção de pessoa?, continua o interlocutor. “Deve ser o
segurança do Aécio”, diz Fred. “Ah, ele tem a chave?”, insiste o
interlocutor. “Deve ter… tô imaginando na condição de alguém for lá
abri-lo… Eu não sei nem se vai, mas deve… Passa lá na porta”, conclui
Fred.
O Ministério Público de Minas informou que, diante das novas
evidências, vai analisar se abre uma nova investigação. Seria a
terceira.
Outra irregularidade relatada na reportagem, o benefício financeiro
da construção à família de Aécio Neves ficará evidente daqui a alguns
meses. Arrasta-se há quase dez anos na Justiça o processo de
desapropriação da área. O processo deixa claro como o negócio beneficia a
família Neves-Tolentino.
Em 1983, quando Tancredo Neves era o governador de Minas, o Estado
construiu uma pista de pouso no mesmo terreno de Múcio Tolentino (irmão
da mulher de Tancredo, Risoleta, e tio-avô de Aécio), que à época era
também prefeito de Cláudio. Feita com dinheiro público, a pista nunca
seria transferida para o município: tornou-se propriedade da família.
Uma ação civil pública dos anos 2000 bloqueou a área até que Múcio
devolvesse aos cofres do município o valor corrigido da antiga pista (R$
250 mil). Mas em 2008, 25 anos depois da pista ser construída, o
governo do sobrinho novamente desapropriou o terreno e fez um depósito
na Justiça no valor de R$ 1 milhão, referente à indenização que o tio
receberia pelo terreno transferido ao Estado. Seria um ganho de pelo
menos R$ 750 mil se o valor de R$ 1 milhão fosse mantido, mas Múcio o
questiona na Justiça. Pede pelo menos R$ 6 milhões. Ainda não se sabe
quando e como o processo será concluído, mas ele se encontra na fase das
alegações finais.
Depois de muita lorota e tantas tintas gastas para tentar sustentar uma fraude política, o jornalismo, por fim, venceu.