Sábado, 22 de julho de 2017
Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Dalton Rosado
dalton rosado
SOBRE O TEMPO DE TRABALHO E O CARÁTER ONÍVORO NEGATIVO DO DINHEIRO
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Nesses
últimos dias, como acontece com todos os trabalhadores (sou um deles, é
a advocacia que me garante o sustento), fiquei assoberbado de trabalho
alienado (arre!), que tanto critico e que me impossibilitou de escrever
para o blogue com a assiduidade a que me proponho.
É que meus escritos de crítica da economia política –e
outros temas mais amenos que o Celso Lungaretti tem a paciência e a
abertura de publicar no seu (nosso) blogue, como adepto da dialética do
conhecimento que é–,
servem para mim como um bálsamo contra aquilo que todos nós, para
subsistirmos, somos obrigados a buscar com a nossa força de trabalho: o
famigerado (mas de modo inadvertidamente adorado) dinheiro.
Diante
de escassez de tempo refleti como nas sociedades mercantis,
capitalistas, nós somos dele escravos; a frase cunhada pelo vulgo, de
que tempo é dinheiro, reflete tal constatação.
Aliás,
é o tempo de trabalho excedente, não remunerado, do qual o capital
extrai a mais-valia, que garante a acumulação do dito capital e faz
funcionar de modo segregacionista toda a vida social na sociedade
capitalista.
O
tempo cronologicamente medido serve ao capital na questão da definição
do valor do trabalho por ele medido quantitativamente. O tempo linear
sendo o instrumento da injustiça social patrocinada pelo capital.
Diz-se que o dinheiro não apenas fala mais alto, como tem a maior audiência.
Complemento o adágio popular acrescentando que o dinheiro, para nosso
infortúnio social, nos dá ordens e nos rouba o tempo de viver, pois só
podemos consumir bens e serviços se o obtivermos em quantidade
suficiente para bancar nossas compras, condição que consome quase todo o
nosso tempo. Quem não ganha dinheiro é marginalizado.
O
paradoxo consiste no fato de que gastamos grande parte do nosso tempo
para obtermos dinheiro e, assim, podermos viver o pouco tempo que nos
resta a partir de sua obtenção. Na sociedade futura, não mediada pelo
dinheiro, haverá tempo substancialmente maior para a vida prazerosa e o
ócio produtivo.
Mas
não é apenas o tempo que o dinheiro nos rouba. Ele nos priva,
principalmente, da discricionariedade das nossas escolhas e
comportamentos; da nossa capacidade de solidariedade humana; e, como
dissemos, ele nos dá ordens.
Não
fazemos o que queremos de modo absoluto ou não fazemos o que seria
socialmente útil, mas sim o que a lógica da reprodução do valor nos
determina que façamos.
Acreditamos
ter o poder de escolha sobre o que fazer com o nosso tempo, só que isto
é um engano. Podemos até escolher o que fazer dentro de uma perspectiva
de escolha de tarefas possíveis, mas mesmo tal escolha está
circunscrita um espectro de funções voltadas para a reprodução do
dinheiro como objeto teleológico inafastável.
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A FORMA-VALOR E SEU FETICHE AVASSALADOR
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Qualquer
atividade social de produção de bens e serviços a serem comercializados
(e quase tudo é comercializado) tem de passar pelo crivo da viabilidade
econômica, que mais não é do que a capacidade de produzir lucro.
Assim,
toda a atividade de trabalho está condicionada aos humores do mercado,
bem como a própria sobrevivência do Estado e da política. Se não
vejamos:
– o político somente se elege se tiver dinheiro para gastar na campanha. E, como o custo em dinheiro dessa atividade é proibitivamente alto, todo cidadão que se aventura na política como profissão é obrigado a prestar vassalagem ao capital, isto valendo tanto para os capitalistas urbanos e rurais como para os socialistas de todos os matizes;
– os artistas e desportistas condicionam a continuidade de suas atividades à capacidade do mercado absorver suas artes e atividades esportivas. Assim, ao invés de condicionar para melhor o gosto popular, são pelo mesmo condicionado. E o gosto popular, por sua vez, é condicionado pelo mercado, numa simbiose de incenso à má qualidade;
– a força de trabalho é a única mercadoria que o trabalhador tem para vender, mas, nestes tempos de desemprego estrutural, obviamente a sua mercadoria está substancialmente desvalorizada. Então, ele se vê obrigado a mendigar emprego e a vendê-la por salários e condições aviltantes à dignidade humana;
– o Estado, diante da depressão econômica causada pelo limite interno da capacidade reprodutiva do valor (dinheiro e mercadorias), aumenta os tributos, como acaba de ocorrer com o imposto sobre combustíveis, para suprir as suas deficiências do caixa (leia-se déficit das contas públicas), aumentando o buraco no já combalido bolso da maior parte população, economicamente exaurida;
– a preservação ecológica é duramente golpeada pela insanidade do sistema produtor de mercadorias, pois o imperativo de se produzir e vender para que seja mantida em velocidade sempre crescente a roda da economia acaba passando como um trator sobre os cuidados com o aumento da poluição ambiental terrestre e com a emissão na atmosfera de gases que provocam o aquecimento global. Afinal, para os Donalds Trumps da vida o essencial é a perpetuação dos seus poderios econômicos, ficando em segundo plano a própria sobrevivência da espécie humana.
Seriam
intermináveis os exemplos do negativo caráter onívoro da forma-valor
(dinheiro e mercadorias) sem que a compreendamos a sua essência
constitutiva e a ela nos submetamos de modo inconsciente; e tudo por
sermos escravos do seu fetiche avassalador.
Entretanto,
apesar de estarmos impositivamente a ele submetidos, podemos ter uma
visão crítica sobre o seu objeto negativo e conspirarmos para seu fim,
dentro das nossas possibilidades de servos voluntários ou involuntários
que somos.