Segunda, 25 de setembro de 2017
Paulo Victor Chagas - Repórter da Agência Brasil
No
Brasil, os seis maiores bilionários têm a mesma riqueza e patrimônio
que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Caso o ritmo de inclusão
no mercado de trabalho prossiga da forma como foi nos últimos 20 anos,
as mulheres só terão os mesmos salários dos homens no ano de 2047, e
apenas em 2086 haverá equiparação entre a renda média de negros e
brancos. De acordo com projeções do Banco Mundial, o país terá, até o
fim de 2017, 3,6 milhões a mais de pobres.
Essas são as constatações do relatório A Distância Que Nos Une, Um Retrato das Desigualdades Brasileiras, divulgado nesta segunda-feira (25) pela Oxfam Brasil.
A organização, que trabalha no combate à pobreza e à desigualdade,
resolveu publicar pela primeira vez um estudo em que investiga, com base
em vários dados, as raízes e soluções para um país onde se distribui de
forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços essenciais.
De
acordo com Katia Maia, diretora-executiva da entidade, o objetivo é
divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e mostrar os diferentes
problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação brasileira. “Nós
pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é excessiva,
na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos países da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [em
termos de carga tributária]. Mas é uma tributação onde quem paga o pato é
a classe média e as pessoas mais pobres”, disse.
Tributação indireta
O
documento identifica falhas na forma como o imposto é arrecadado no
Brasil, em contraste com outros países. Além da alta tributação
indireta, há questionamentos à isenção de impostos sobre lucros e
dividendos de empresas e à baixa tributação de patrimônio, que, com
isso, acabam contribuindo para aumentar a concentração de renda dos mais
ricos.
A coordenadora do relatório defende que é possível que as
autoridades brasileiras combatam fatores que impedem a tributação
proporcionalmente igualitária, mesmo antes de uma necessária reforma
tributária. Um deles é a evasão tributária, em que somente em 2016,
segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz),
deixaram de ser arrecadados R$ 275 bilhões.
Como pontos positivos
dos últimos anos, A Distância Que Nos Une credita ao mercado de
trabalho o “principal fator” da recente redução da desigualdade de renda
no Brasil. Com a estabilização da economia e da inflação nos últimos 20
anos, foi possível ao país investir na queda do desemprego, na
valorização real do salário mínimo e no aumento do mercado formal. Há
diferenças, porém, que ainda precisam ser enfrentadas, de acordo com o
relatório. Ele também enumera dados sobre as já recorrentes
diferenciações salariais entre mulheres/homens e negros/brancos que
possuem a mesma escolaridade.
“A média brasileira de anos de
estudo é de 7,8 anos, abaixo das médias latino-americanas, como as do
Chile e Argentina (9,9 anos), Costa Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos).
É ainda mais distante da média de países desenvolvidos”, indica o
estudo, complementando que apenas 34,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão
matriculados em universidades, dos quais apenas 18% concluem o curso.
Juventude negra e pobre é a mais afetada por barreiras educacionais
“Em
geral, a juventude negra e pobre é a mais afetada pelas barreiras
educacionais. Baixo número de anos de estudo, evasão escolar e
dificuldade de acesso à universidade são problemas maiores para esses
grupos, que, não por acaso, estão na base da pirâmide de renda
brasileira”, afirma.
Para Katia Maia, a construção da sociedade
brasileira é baseada em uma divisão entre cidadãos de “primeira e de
segunda categoria. “Os números são muito fortes: 80% das pessoas negras
ganham até dois salários mínimos, e estamos falando de 50% da população
brasileira. A gente olha no nosso entorno e vê as bolhas de pessoas
brancas, enquanto as negras são colocadas na periferia da cidade. É
importante a gente debater e conversar sobre o racismo, mostrando que
somos iguais. Esse déficit a gente tem de assumir, que somos país
racista e enfrentar, buscar solucionar isso. É grave porque do jeito que
estão colocados, os números falam por si, a gente quase não resolve
isso nesse século”, alerta.
Embora aponte uma “notável
universalização do acesso à educação básica”, o relatório pede cuidados
para lidar com a evasão escolar, especialmente em séries mais
adiantadas. No que diz respeito a outros serviços essenciais, apesar de
elogiar uma “importante expansão” nos últimos anos, o documento coloca
como desafio a ampliação do acesso de mulheres e negros ao sistema
público de saúde.
O documento lembra - como exemplos de
desigualdade - a situação de dois dos 96 distritos de São Paulo, a maior
cidade brasileira: “Dados mais recentes dão conta de que, em Cidade
Tiradentes, bairro de periferia de São Paulo, a idade média ao morrer é
de 54 anos, 25 a menos do que no distrito de Pinheiros, onde ela é de 79
anos. Trata-se de um dado que resume como as desigualdades se
manifestam de diversas formas, sempre a um preço muito alto para a base
da pirâmide social no Brasil”.
Com elogios à redução geral da
desigualdade de renda e pobreza após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, o relatório considera ainda a retirada, nos últimos 15
anos, de 28 milhões de pessoas da pobreza e a saída do Brasil do Mapa da
Fome, em 2015. A parcela da população abaixo da linha da pobreza caiu,
entre 1988 e 2015, de 37% para 10%, conforme o estudo. Devido à crise
econômica dos últimos anos, porém, os governos têm feito “mudanças
radicais” que, segundo o levantamento, evidenciam uma “acelerada redução
do papel do Estado” que “aponta para um novo ciclo de aumento de
desigualdades”, segundo a organização.
Garantia de Direitos
A
Emenda do Teto dos Gastos, que limita os gastos públicos por 20 anos, é
considerada no documento como um “largo passo atrás na garantia de
direitos”. De acordo com as constatações da Oxfam Brasil, há a
necessidade de se revisar a reforma trabalhista aprovada recentemente
pelo Congresso Nacional, “onde ela significou a perda de direitos”.
Outros entraves ao fim das “desigualdades extremas” do Brasil, segundo a
pesquisa, são a melhoria dos mecanismos de prestação de contas, mais
transparência, combate à corrupção e uma “efetiva regulação da atividade
de lobby”.
De acordo com Katia, a meta do relatório não é
defender que todas as pessoas tenham a mesma coisa e sim mostrar os
extremos que não devem ser aceitos pela sociedade. No dia em que se
completam dois anos da assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) pelos 193 Estados Membros da Organização das Nações
Unidas (ONU), com metas para os países até 2030, a coordenadora do relatório acredita, corroborando o documento, que as desigualdades “não são inevitáveis”.
“Elas
são fruto de decisões políticas, de interesses, e nos níveis que nós
temos hoje no Brasil, são eticamente inaceitáveis. Estamos construindo
uma sociedade onde uma parte da população vale mais que outra. Não pode
ser assim, somos todos parte da mesma sociedade. Essa distância entre
nós está tão grande que a única forma de reduzir é atuando juntos, nos
unindo”, finaliza.