Segunda, 5 de março de 2018
Da Ponte
Direitos Humanos, Justiça, Segurança Pública
‘O referido elemento era de cor negra e estava com touca’, disse um dos guardas, na época, para explicar por que Leandro Machado ‘mostrava-se suspeito’

Na noite em que Leandro foi morto, São Paulo vivia a semana da primeira série de ataques lançados fora das prisões pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). A família acredita que os guardas estivessem em pânico por conta dos ataques e por isso atiraram quando Leandro passou diante da base da Guarda Civil Municipal, na rua São Caetano do Sul. Nos bolsos, o jovem levava, segundo a família, um ofício em que pedia o apoio da GCM para um evento esportivo que pretendia realizar dali a duas semanas na quadra do bairro e a mamadeira da filha.
‘A imagem do inimigo’
Em seu depoimento à polícia, o guarda Orlando contou por que a aparência de Leandro lhe pareceu suspeita. “O referido elemento era de cor negra e estava com uma touca que chegava até a altura das sobrancelhas, mostrando-se suspeito, vez que ficava olhando o tempo todo para os lados”, disse. Na versão dos GCMs, Leandro teria pulado o muro da base, de dois metros de altura, e colocado a mão na cintura, como se fosse sacar uma arma. “Num gesto natural de defesa”, os guardas atiraram, acertando Leandro no lado esquerdo do peito e na parte de trás da cabeça. No 101º DP (Jardim das Imbuias), apresentaram a arma que teriam apreendido com o jovem: uma garrucha, arma de cano curto que costuma ser vendida como antiguidade.
A investigação da Polícia Civil corroborou a versão dos guardas. O laudo assinado pelo perito Lucivaldo Napoli concluiu que, sim, era possível que Leandro houvesse trocado tiros de frente com os GCMs e mesmo assim ser baleado por trás, graças à “flexibilidade e mobilidade do corpo humano”.

Para o rapper Eduardo Righetti, o Mano Duda, que fez um rap sobre a morte do amigo, Tributo LDK , só o racismo explica terem atirado em Leandro. “O cara, por ser negro e humilde, é a imagem do inimigo para eles”, diz.
Os três réus continuam a trabalhar na corporação, afastados das ruas, atuando em funções administrativas. A assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo afirma que a Corregedoria da GCM espera a conclusão do processo criminal para decidir o que fazer com eles.

Na área civil, a família de Leandro conseguiu uma vitória no final de 2014, quando uma decisão em segunda instância do TJ-SP condenou a prefeitura de São Paulo a pagar R$ 200 mil para a família. Até hoje, porém, o caso segue enroscado na Justiça e a família ainda não viu um centavo.
Na manhã desta segunda-feira, a reportagem da Ponte perguntou a Oséias Machado, 49 anos, irmão de Leandro, o que espera do julgamento. Ele respondeu com uma única palavra, repetida três vezes:
“Justiça, justiça, justiça.”