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Como vítimas da ditadura e coordenadora do único museu voltado à memória da repressão veem os protestos que pedem ‘intervenção militar’
Militantes pró-ditadura fazem protesto na Paulista, em São Paulo, em 31/3/18 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte
Não é de hoje que pedidos de intervenção militar aparecem nas ruas do país. Mas esse discurso ganhou força no fim de maio, quando caminhoneiros entraram em greve e, entre protestos contra preços de combustíveis e pedindo o fim da corrupção, voltaram a defender, em uníssono, que o caminho para tirar o Brasil da crise seria a volta do regime militar.Um levantamento do Terra, com em termos procurados no Google, mostrou que o número de buscas pela expressão “intervenção militar” quadruplicou em maio de 2018 (3,17 milhões de buscas) em relação ao mesmo período de 2017 (669 mil).
A explicação não é a ignorância, mas a indiferença, na visão da historiadora Marília Bonas, coordenadora do Memorial da Resistência de São Paulo. “Como alguém exposta a opiniões de todos os tipos de pessoas todos os dias em função do lugar em que trabalho, queria dizer que é muito fácil acusar quem pede intervenção militar de ignorante do que foi a ditadura. Lamento dizer que o buraco é mais embaixo. Vivemos num mundo brutal e violento, onde se tortura e se mata pelas mais diversas razões”, conta a coordenadora do museu, Marília Bonas. “Muita gente sabe, sim, o que foram as torturas e ignomínias desse período e não se sensibiliza por isso”, afirma a historiadora.
Segundo Marília, parte da população entende que, “no atual momento político, é melhor a violência de um regime autoritário a um ideal democrático que implique em perda de privilégios”. Para ela, “a fantasia de meritocracia de uma boa parte da sociedade faz acreditar que mesmo aquele que não tem privilégio algum vai perder o pouco que tem com a manutenção da democracia em tempos de crise”.
O Memorial da Resistência nasceu da pressão da sociedade civil para transformar o edifício que sediou o Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), um dos principais centros de tortura de São Paulo, em um lugar de memória que abordasse as violências cometidas nos períodos ditatoriais brasileiros.
O Memorial é hoje o único museu que trata o tema no Brasil junto aos mais diversos públicos e conta com intensa programação de exposições, atividades educativas e acervo digital de depoimentos e lugares de memória da repressão e resistência no país.
Para a diretora do Memorial, “a saída democrática implica em se responsabilizar pelo país, em eleger novas lideranças, fazer uma nova política, olhar a corrupção estruturante e estrutural. No entanto, dá trabalho e depressão discutir isso em meio a um mar de fake news e palpiteiros de portal de notícia. Está todo mundo cansado, desiludido, pedindo ajuda”.
Militantes pró-ditadura fazem protesto na Paulista, em São Paulo, em 31/3/18 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte