segunda-feira, 10 de junho de 2019

A construção de uma pedagogia da transição desenvolvimentista

Segunda, 10 de junho de 2019
Por
Salin Siddartha*

É uma falácia considerar que países em desenvolvimento, como o Brasil, têm de decidir entre crescimento econômico e qualidade ambiental; inclusive devido ao fato de a questão do desenvolvimento não se limitar ao aspecto econômico, mas dizer respeito a tudo o que se encontra na junção entre política, sociedade, ambiente natural e economia, na dinâmica histórica, na perspectiva que propicie a sustentabilidade para todos os seres humanos. Por esse ângulo, o Produto Interno Bruto não pode mais ser encarado como um indicador do verdadeiro progresso, embora não deva ser descartado como ferramenta de análise (mas somente como uma das diversas ferramentas que tem a humanidade para medir o grau de avanço histórico das localidades, Estados e países).

Temos uma oportunidade para iniciar um novo padrão de desenvolvimento com base na capacidade endógena de geração e incorporação de progresso técnico, sendo socialmente inclusivo e ambientalmente responsável. A ótica que um governo tem do desenvolvimento precisa se situar para além do crescimento da produção e da renda. Significa dizer que o objetivo fundamental do desenvolvimento não é meramente o crescimento econômico, mas o desenvolvimento sustentável, nos mais amplos setores.

Uma concepção mais ampla de desenvolvimento é a que aproxima o governo e os cidadãos numa gestão que seja fruto de planejamentos compartilhados. A diminuição das diferenças sociais para melhor distribuição de benefícios deve partir da associação das instituições públicas com as comunidades locais. Assim, é importante o governo aproximar-se dos habitantes respondendo às suas inquietações e dando-lhes voz ativa nas políticas públicas.

O processo do desenvolvimento é inseparável do enfrentamento da pobreza, da busca da equidade e justiça social, de democracia direta, da garantia de organização social e dos direitos trabalhistas aliados a um ambiente saudável e ao bem-estar como requisitos para o fortalecimento da cidadania.

Um governo que não atende às necessidades básicas de alimentação, moradia, saúde, educação e transporte de uma forma sustentável e se apega à desculpa de que herdou problemas deixados pelas administrações anteriores não cumpre seu papel político. Mais do que isso, um governo tem de ousar estabelecer políticas de Estado, todavia com um Estado mais barato e eficiente, valendo-se de um maior controle dos gastos e uma maior transparência na aplicação dos recursos.

O Governo precisa ter como base uma democracia social, política e econômica que induza o desenvolvimento, mas com as rédeas nas mãos das comunidades locais, empoderadas por intermédio de seus autênticos representantes do movimento social, da sociedade civil, dos movimentos populares de reivindicação urbana e rural, do empresariado e do Terceiro Setor. A democracia participativa constitui um meio por intermédio do qual se pode atingir melhor forma de convivência política; porém, ainda mais do que isso, a democracia participativa deve ser enxergada como um valor universal.

A principal questão colocada hoje é a do bem estar do conjunto da sociedade, e a população não pode sentir amor pela vida democrática, se não se beneficiar dela. O planejamento e a realização do desenvolvimento devem ser incrementados em associação com as comunidades locais, a fim de diminuir as diferenças sociais e melhor distribuir benefícios. Os benefícios gerados pelo desenvolvimento atenderão diretamente as pessoas das localidades, considerando o estilo de vida das comunidades.

As reivindicações não se esgotam como programa mínimo após serem conquistadas, mas constroem uma pedagogia de transição para a organização da sociedade. O uso do poder como forma de perpetuação de grupos é incompatível com a aplicação de um verdadeiro compromisso histórico de governo.

A transição de um programa mínimo – aqui considerado como o estágio do atendimento aos anseios específicos da população – para a consolidação do desenvolvimento econômico e social é a transição da insustentabilidade para a sustentabilidade, a qual traz, como marca, o desenvolvimento visto como totalidade, inclusive a passagem da democratização ao aparelho do Estado, desde o ponto democrático-representativo até o ponto democrático-participativo.

Uma nova ordem local significará um deslocamento dos processos de valorização das atividades produtivas, desarticulando hegemonias tradicionais da sociedade. Isso será construído agregando as três linhas democráticas:
participativa+direta+representativa. É uma dinâmica de transição da sociedade altamente hierarquizada para uma sociedade em rede, conectando o municipal e o estadual ao nacional e ao global, contudo não em forma de subordinação, sintagmática, mas sim de coordenação de relações paradigmáticas entre as comunidades locais e as outras localidades federativas com o contexto nacional e mundial.

Essa será a finalidade da transição: a passagem de uma sociedade local para um estágio informacional, interativo. É uma questão de transição cultural.

Há múltiplas teias de legítima subversão da ordem degradada a que ainda temos de nos submeter sendo criadas espontaneamente no mundo, na Nação, nos Estados e nas cidades do Brasil pela vontade dos próprios indivíduos e de pequenos coletivos que podem ganhar corpo de rede para uma nova institucionalização da realidade social e política. É urgente e emergencial posicionar um novo modelo de sociedade inclusiva possibilitada pelo empoderamento das comunidades a fim de um desenvolvimento fora das ortodoxias vigentes – único capaz de distribuir o bem-estar almejado pelo cidadão e capaz de instaurar uma nova cidadania.

Cruzeiro-DF, 9 de junho de 2019

SALIN SIDDARTHA

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