Quinta, 31 de outubro de 2019
Coordenação Regional
de Ensino do Gama se antecipa e adere ao assassinato da Lei de Gestão
Democrática
Por Juan Ricthelly
Na noite de ontem (31/10) às 19 horas, ocorreu uma Assembleia
Geral Escolar (AGE), com o propósito de se decidir sobre a militarização do
Centro de Ensino Fundamental 05 do Gama.
O fato foi expressamente comunicado à comunidade apenas na
manhã do dia anterior, em um claro descumprimento dos prazos e ritos exigidos
na Lei de Gestão Democrática, a saber, a exigência de que um edital convocando
uma AGE extraordinária, seja publicado com antecedência mínima de 3 dias úteis.
Infelizmente não foi o que ocorreu, e daí em diante, não
melhorou, e como diz um notório ditado popular: O que começa errado, termina errado!
Diante da convocação realizada de última hora e em total
desrespeito à lei, não houve tempo para uma discussão aprofundada da ideia,
sendo a AGE na prática, apenas uma triste peça teatral com o único propósito de
conceder ares formais e democráticos, à uma decisão que já havia sido tomada
pela Direção da escola e pela Coordenação Regional de Ensino (CRE), desse modo,
se faz importante levantar a seguinte questão, se não há respeito à lei, não há
formalidade.
Procuramos o Edital de convocação da AGE no mural de entrada
da escola, em vão...
Ao chegarmos na escola para conversar com a comunidade e
distribuir materiais informativos sobre a questão, notamos o incômodo da
Direção, que imediatamente nos proibiu de panfletar nas dependências da escola,
mesmo havendo relatos que no dia anterior haviam pessoas panfletando do portão
para dentro, ou seja, o problema não residia em panfletar e debater ideias,
desde que estivesse de acordo com a “decisão democrática” já tomada pela
Direção e CRE, que seria apenas chancelada por uma plateia previamente
convertida.
Num surto autoritário, compatível com a postura que tem sido
a adotada pelo Governador Ibaneis Rocha, a Coordenadora Regional de Ensino do
Gama, que em outros momentos havia se demonstrado alguém com valores
democráticos e progressistas, sem nenhum pudor, proibiu inicialmente a entrada
de pessoas que queriam acompanhar o debate na escola.
É fato que só a Comunidade Escolar teria direito à voto, é o
que diz a lei! Mas se impediu de início a entrada de lideranças comunitárias
e membros da comunidade que embora não pudessem votar, gostariam de assistir,
para talvez assim formarem uma opinião sobre o assunto, não puderam!
Ao ser questionada sobre o Edital de convocação da AGE, a
Coordenadora Regional de Ensino, disse que respeitou a lei convocando a reunião
com 48 horas de antecedência, mas não apresentou o edital e tampouco parece ter
lido a lei que mencionou, o prazo expressamente estabelecido, é de no mínimo
três dias úteis para casos extraordinários e quinze para reuniões ordinárias.
Num momento de delírio, uma professora começou a chamar
outras pessoas de vagabundos, dizendo que elas não eram bem-vindas naquele
local, dentre eles, o Maestro Roberto Farias, líder comunitário respeitado na
cidade, membro do Quarteto de Cordas do Gama, que nos deu um belíssimo
espetáculo no último fim de semana aqui na cidade, que é conhecido pelo
trabalho voluntário que realiza com jovens, onde ensina música clássica de
forma gratuita, sendo certa vez pauta do G1 nacional, que demonstrou ao Brasil
inteiro a beleza de seu projeto numa escola do Gama.
Precisamos de mais vagabundos como o Roberto nessa cidade!
Como pode uma pessoa, deixar de ganhar dinheiro com suas habilidades, ficar
longe de sua família por horas seguidas, enquanto ensina música para crianças,
jovens e adultos de forma voluntária? Tem que ser muito vagabundo mesmo para cometer
um absurdo desses, só um vagabundo agiria dessa forma.
Ironias a parte, seguimos questionando a escola sobre o
Edital de Convocação da AGE e o respeito à Lei de Gestão Democrática, não
responderam nem sobre um, nem sobre o outro, porque não há o que responder,
eles atropelaram a lei e o bom sendo, e sabem disso!
Após muita negociação e quase na metade da AGE conseguimos
entrar na escola, minha entrada teve que ser mediada diretamente pelo Professor
Jairo Mendonça, membro do SINPRO, que precisou invocar a minha condição de
liderança comunitária, membro da Mesa Mediadora do Fórum Comunitário e de
Entidades do Gama e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Gama e
Santa Maria, em outros momentos de nossa vida democrática, talvez apenas
precisasse dizer que eu era um cidadão com interesse de acompanhar um debate
público... Já os assessores de um certo deputado distrital, que se acha dono de
nossa cidade, não tiveram as mesmas dificuldades.
Dentro da escola, o ambiente não era dos melhores, com um
quórum baixo em relação à totalidade da Comunidade Escolar, o “debate” se deu
num ambiente controlado, feito sob medida para não haver contratempos, houve falas do SINPRO, Secretaria de Educação, Secretaria de Segurança e da PMDF...
Agora me pergunte se algum professor pode falar contra ou a
favor?
Se a palavra foi dada a algum estudante?
Se a algum pai ou mãe foi permitido dizer o que achava?
E as repostas são simples e unívocas, embora ao final, o SIM
tenha vencido, o NÃO foi o instrumento utilizado pela Direção e CRE para
conseguir tal vitória, já que NÃO houve respeito ao prazo estabelecido na Lei
de Gestão Democrática, como também NÃO houve edital de convocação prévio, assim
como, NÃO houve falas dos membros e seguimentos da Comunidade Escolar.
Era tudo um teatro, era tudo um curral muito bem construído,
onde os maiores interessados não estavam lá para dizer o que pensavam, debater,
discutir e conhecer a fundo os pontos e contrapontos do modelo apresentado,
apenas ouvir e se possível votar em conformidade com uma decisão previamente
tomada.
Ouvi com atenção boa parte das falas que foram feitas quando
a minha entrada foi permitida, e um aspecto da fala de alguém da Polícia
Militar que não lembro o nome, falando em defesa da proposta, me chamou a
atenção, onde ele comparava de forma horrorosa, a hierarquia militar com a
hierarquia familiar, como se fossem a mesma coisa, indicando que em razão disso
os estudantes não sentiriam a diferença, falácia, falácia pura e em estado
bruto, até mesmo alguns dos militaristas mais apaixonados são intelectualmente
honestos o bastante para admitir, que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
E nesse cenário, digno de uma tragédia, se deu a votação,
passando a proposta com 118 votos favoráveis e 37 contrários à Intervenção
Militar no CEF 05 do Gama.
Por fim gostaria de parabenizar a Direção do CEF 05 e a
Coordenadora Regional de Ensino do Gama, pela “vitória” conseguida, por meio da
condução duvidosa e ilegal dos processos e ritos que tornaram isso possível, “ao vencedor as batatas!”, degustem bem
essa vitória com sabor de 1964, fortemente temperada com cinismo, hipocrisia e
desrespeito ao pluralismo de ideias, só não se esqueçam de tomar água enquanto
fazem, para não engasgar.
Que esse texto sirva de registro de tais acontecimentos, e
que no futuro, a história cobre o lugar que cada um tomou nessa farsa.
Gama-DF, 31 de Outubro
de 2019
A seguir, algumas fotos de ontem no CEF 5