sábado, 28 de março de 2020

O DNA da Pedagogia da Esperança.

Sábado, 28 de março de 2020
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Ariano Suassuna viveu nos ensinando que um otimista, realista, como se reivindicava, não deveria deitar em berço esplêndido, ainda que, BELO, fosse ver a banda passar.  

Do auto da sua compadecida, esse paraibano/pernambucano, certamente, pediu socorro ao seu conterrâneo e irmão de sonhos, Paulo Freire, para, juntos, esclarecerem os sentidos das palavras otimista–realista no contexto educacional.

Paulo, quando mencionei o termo otimista, não pedi auxilio à ‘ciência’ do dicionário da língua portuguesa. Afinal, lá já estava bem escrito e referendado pelos doutos. Falava, inspirado em suas ideias emancipadoras do ato de aprender ensinando. E nesse particular, da real necessidade de nos tornarmos otimistas, uma espécie de realistas inquietantes, teimosos, inconformados.

Realistas somos, quando abrimos as laterais dos nossos olhos para enxergarmos que a revolução tecnológica e informacional não deve ocupar o lugar de um professor educador. Quando compreendemos que reformar currículos, por força da lei, perdemos todos, as oportunidades de pensarmos, com nossos estudantes, as reais ‘situações’ do pais e suas potencialidades à superação das misérias sociais, éticas e políticas que ainda assolam a nação brasileira.

Quando os microscópios abrirem suas lentes alargando o campo de visão na urgente necessidade de integrar os diversos campos do conhecimento oriundos das chamadas Ciências ‘duras’ e ‘leves’, sem que a vidraria, lamínula, tubos de ensaio, proveta, pipeta, ainda, que a de Pasteur, se abale. Feyerabend há décadas exercitou o otimismo ao afirmar: “a sociedade deveria quebrar o feitiço dessa ciência totalitária”. Acrescento, a ‘ciência’ só toma sentido, condição e posição se estiver a serviço da paz, da saúde e da vida. E estas tem feições de raça, sexo, orientação sexual, idade, religião, cor de pele ou classe social.

Paulo, você também foi demasiadamente otimista, quando tentou explicar, no mundo real, que a educação popular era virtuosamente pesquisa-ação, logo, ciência da vida. Esse lugar lhe foi negado, até quando o mundo descobriu o método de alfabetização do adulto. A ciência exata, no atrevimento de ser humano, diria Ariano em “A Inconveniência de Ter Coragem”. Nessa travessia, ser realista é não ter as respostas certas para todas as perguntas. Ou todas as perguntas para as respostas provisórias. Se juntamos as dúvidas, abrirmos as mentes, agregamos outros saberes e práticas, balizados pelos valores ao respeito mútuo, a edificação da ética, da solidariedade e da cooperação, seremos otimistas na construção de corredores comum de aprendizagens.

Realistas seremos, se despertarmos para a urgente e necessária mudança nas rotas, petrificadas e enraizadas nas formas de ensinar. Deslocar-se das zonas ‘deliciosas’ de conforto, estabilidade, da alegria de saber ler, anos-após-anos, os mesmos power point, recriando novas intinerâncias formativas, educativas, pedagógicas, são fatos que a realidade nos convoca a agir.

Colocar a mesa, a questão da violência física, ética e moral, do feminicídio, da insegurança alimentar, ambiental, das diferentes condições sociais, econômicas, políticas dos nossos estudantes, não se trata apenas de temas transversos, mas de entendermos a complexidade de formarmos sujeitos pensantes, profissionais, comprometidos com outras forma de conduzir a vida no mundo civilizado.

Realistas seremos se ensinamos, aprendendo, que responsabilidades dessa natureza, felizmente, não cabem em disciplinas, em salas fechadas, muito menos em telas finas de computadores modernos, estes, ainda que úteis, não são capazes de ‘entregar’ ao mercado profissionais competentes e compromissados com a edificação de um pais economicamente próspero, socialmente justo, politicamente democrático, ambientalmente sustentável e culturalmente diverso.  

Paulo Freire, pensativo, olhou para Ariano e disse,: -“Você acertou ao afirmar: ‘O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso’”. Por isso, estão aqui inquietos, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, reivindicando que acrescente: professores, educadores, ativem o DNA da Pedagogia da Esperança. O tempo, é hoje, antes que a sociedade não nos reconheça, nem tolos, nem chatos.
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Fátima Sousa
Paraibana, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.