segunda-feira, 27 de abril de 2020

O isolamento social ainda é o melhor remédio para salvar vidas

Segunda, 27 de abril de 2020
Por

Professora Fátima Sousa*

Substituir o isolamento pelo uso massivo de máscaras não controla o Covid-19.
Decreto n° 40.648 do Governo do Distrito Federal (GDF), publicado em edição extraordinária no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) no dia 23/04/2020, obrigando o uso obrigatório massivo de máscaras como medida de prevenção da Covid-19, não pode ser substitutivo ao distanciamento social, por vários motivos, entre eles:
Primeiro, não há evidências científicas que o uso de máscara, numa pandemia de Covid-19 causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV2), possa diminuir a disseminação (transmissão) do vírus entre as pessoas. Ela deve ser sim, combinada com outras medidas,  a exemplo de lavagem das mãos, uso de luvas, álcool gel (ou álcool a 70%), não compartilhamento de utensílios domésticos, testagem, organização da rede de atenção à saúde em todos os pontos do SUS, uma vez que não há nenhuma comprovação de que o uso massivo de máscaras proteja da doença e de sua propagação. Flexibilizar o distanciamento social, com sanções e multa a partir de R$ 2 mil a quem desobedecer ao Decreto, não impedirá que pessoas infectadas espalhem o vírus pelas carreatas, aglomerados e abraços ao encontro de mortes evitáveis. Estará, por certo, atendendo às pressões de forças econômicas que pouco ou nada se importam com a população, mas sim com as regras do capital.
Segundo, máscaras não impedem que pessoas suscetíveis ao vírus, com baixa imunidade, agravos crônicos, como diabetes, doenças pulmonares, câncer, hipertensão arterial sistêmica ou obesidade mórbida, sigam sendo população de risco, muito menos aqueles indivíduos que estão no olho do furação, sejam contaminados, contraiam a doença e morram, tentando salvar vidas. Falo dos profissionais de saúde, aqueles técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, e outros que se encontram 24/7 nos hospitais, ausentes de suas famílias, submetidos a alta tensão psicossocial. Logo, máscaras, servem apenas como barreira a elevadas cargas virais de indivíduos com Covid-19 que não possuem sintomas (assintomáticos). Nunca para alterar as orientações oficiais da OMS/OPAS e do Ministério da Saúde.  Se não há dados científicos que comprovem sua eficácia, é preciso ter cautela e evitar o mergulho mortal em piscinas vazias. 
Terceiro, mergulho mortal significa afrouxar o distanciamento social, comungando com discursos messiânicos, com a ignorância atrevida, tumultuando as orientações dos infectologistas que, claramente, nos dizem que é preciso ter um protocolo à confecção dessas máscaras, o ensino de como manejá-las e a consciência sanitária de que é preciso ficar em casa.
Quarto, mortal é a população, desinformada pelas autoridades da saúde, não entender que o DF ainda não entrou no momento de crescimento da curva, do pico da pandemia. Se essa nos pegar, verdadeiramente, vai ter uma sobrecarga do serviço de saúde, pessoas se automedicando, gente morrendo em casa, sem assistência, e se chegarem ao hospital, não haverá leito de UTI, nem respirador disponível para todos. Pronto, está instalado o caos da insegurança, do medo, do stress e dos rumores da falsa ciência que ecoa a cada coletiva de imprensa.
Quinto, mortal é tentar mirar nas experiências dos EUA e de outros países Europeus, porque, efetivamente, a melhor estratégia, imediata, do combate ao coronavírus é o isolamento social. Medida comprovada em países que a adotaram com severidade, sem populismo, nem com “brincadeiras” desproporcionais diante da gravidade do problema de saúde pública. Cabe lembrar que aqueles pais onde seus chefes de Estado-Nação, ou Primeiros Ministros debocharam da situação, estes pegaram o vírus. Uns assumiram, e saíram aplaudindo o setor público de saúde e seu abnegado corpo de servidores, a Enfermagem em especial. Outros, negam até a morte, portam o Covid-19 e saltitam pelos palácios, sem o uso das máscaras que decretam.
Sexto, mortal será se o GDF não regularizar o estoque dos equipamentos necessários à prevenção e contenção da disseminação do vírus, obedecendo as recomendações das autoridades internacionais e nacionais de saúde, desde a adoção de EPIs, segundo utilidade nas unidades de saúde e/outros ambientes e tipos de atividades. Sem esses cuidados poderão passar por esgotamento da rede assistencial, elevarão as atuais taxas de contaminação, o número de casos (notificados ou subnotificados), e, por consequência, as mortes com ou sem diagnósticos.  
Sétimo, mortal é não informar à população que o acesso universal ao teste, ainda que um direito, não existe. E mais, que não servem para a confirmação ou não de casos, porque nos primeiros 5-7 dias depois do início dos sintomas, esses testes têm 75% de falso negativo. Logo, não serve para confirmar se a pessoa tem ou não o Covid-19, e assim, orientar o isolamento ou não do paciente. É preciso isolar os “oportunistas” que vendem testes rápidos em praças públicas. É preciso, dentro de um planejamento, expressar a finalidade da testagem. Se é para isolar os casos confirmados, não pode ter 75% de falso negativo. Se é para descobrir que é portador, precisa ser em massa. Na saúde pública, não cabe improvisos, “achismos” nem oba-oba.
Oitavo, mortal é não comunicar a situação do tamanho do risco a quem toda a população está exposta. Vacina? Não existe. Embora esteja em curso centenas de inciativas mundo a fora, incluindo os pesquisadores de instituições renomadas do nosso país, em fase de ensaio clínico acelerado, mas tem muito chão pela frente, desde provar eficácia a produzir em larga escala em todo o mundo. Isso leva anos. É perverso não falar com transparência para o povo, o porquê de usar máscaras e seus limites perante as incertezas dessa pandemia, e que o DF não está imune a nada, nem a ninguém, sequer a dormir com sol e acordar com chuva, retirando a água das entre salas dos palácios, com politicagem desmedida.
Nono, mortal é usar do estado de calamidade pública, abusando do poder de gastar o dinheiro público, do meu, do seu, dos nossos impostos, sem as devidas transparências e prestações de contas aos verdadeiros donos do poder. Aqueles que lhes elegeram para bem gerir e serem guardiões do patrimônio público e defenderem a saúde e vida das pessoas, ao invés de empurrá-las para covas coletivas.
Décimo, mortal é “fazer mais do mesmo”, fazendo transparecer à população que se está tomando as medidas certas, no tempo e espaço, ao invés de afirmar, com todas as letras, que vivemos o tempo da maior crise sanitária do último século e que este exigiria propostas estruturantes e consequentes, que passam, necessariamente, pela proteção econômico-social às comunidades vulneráveis, prevenindo que as pessoas não caiam no abismo da extrema pobreza. Do contrário, seguiremos, minuto a minuto, perdendo mais vidas, criando ambientes de descontrole da epidemia, e mascarando a aguda crise política e seu humor imprevisíveis.
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*Fátima Sousa
Paraibana, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.