quarta-feira, 4 de julho de 2012

Holmes, Assange e a antecipação

Quarta, 4 de julho de 2012
Por Ivan de Carvalho
Devido ao infausto acontecimento da morte de Sherlock Holmes, que não conseguiu descobrir como reprogramar seu DNA para chegar a este confuso ano de 2012, os mais curiosos poderiam convidar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, a investigar o que foi mesmo que aconteceu para que as comemorações do 2 de Julho fossem antecipadas em uma hora, tanto de manhã quanto à tarde.

            O enigma é simples de descrever. O difícil é decifrá-lo. Precisa-se de ajuda.

            A descrição. A Fundação Gregório de Matos, vinculada à prefeitura de Salvador, elaborou a programação, segundo o costume, marcando a saída do desfile, pela manhã, para as 9:30 horas. Mas às 8:30 horas o desfile começou a deslocar-se da Lapinha. À tarde, o início das comemorações também foi antecipado em uma hora, segundo registrou ontem a imprensa.

            A Fundação Gregório de Matos disse, por sua assessoria de comunicação, que a antecipação de horários atendeu a “ordens superiores”. Segundo um jornal, uma “alta fonte” da prefeitura informou que a antecipação fora solicitada pelo cerimonial do governo do Estado. O secretário estadual de Comunicação, Robinson Almeida, disse ao mesmo jornal que não foi nada disso: o cerimonial apenas informara à fundação os horários em que o governador chegaria para os eventos. E o governador, em entrevista a uma emissora, disse que não teve influência na antecipação.

            Com seu método dedutivo, imagino que Sherlock Holmes começaria por perguntar-se qual teria sido o móvel do “crime” e a quem o “crime” de surpreender o público dos eventos com a antecipação interessaria, embora o caso, evidentemente, não seja criminal. Aliás, para não deixar passar batido, cumpre registrar – até porque é fato relevante, agressão física à autoridade máxima do Estado – que o único crime evidente e, pois, inegavelmente praticado durante o desfile da manhã foi do manifestante que conseguiu furar o isolamento de segurança e atingiu o governador Jaques Wagner com uma haste de madeira.

            Mas, voltando ao caso dos horários, Holmes está fora de combate e o método de Julian Assange não é dedutivo e sim o de obtenção de documentos reservados guardados em arquivos idem. Poderia dar uma ajuda enorme à Comissão da Verdade. Infelizmente, ele pediu asilo na embaixada do Equador, não sei se porque não simpatiza com o governo brasileiro ou se tem especial simpatia pelo presidente Rafael Correa, que já havia entrevistado antes de fugir de casa (estava em prisão domiciliar) e entrar na embaixada do Equador em Londres.

            Julian Assange, se for chamado e aceitar o convite, certamente se lançará à busca das comunicações entre o cerimonial do governo do Estado e a Fundação Gregório de Matos. Se, além de possíveis ofícios e e-mails, pudesse ter acesso a gravações de ligações telefônicas (não é especialista nesta arte das polícias brasileiras, a federal à frente), aumentariam suas chances de decifrar o enigma, que seriam absolutas se conseguisse escutar conversas entre pessoas das duas esferas de poder, a estadual e a municipal.

            Talvez Assange descobrisse que foram os caboclos que exigiram a antecipação. Capricho deles.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.