Terça, 2 de
setembro de 2012
Por Ivan de
Carvalho

Como já registrado pela mídia à
saciedade, ante a denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson, que fez
explodir o escândalo do Mensalão bem como a consequente e profunda crise
política, o PT e o governo Lula aceitaram o conselho do então ministro da
Justiça, advogado Márcio Thomas Bastos, no sentido de declarar que todo o
dinheiro envolvido no caso outra coisa não era senão “recursos não
contabilizados” e privados, referentes a campanha eleitoral, ou, em outras
palavras, Caixa Dois de campanha. Apesar disto ser crime.
Noticiou-se até o cansaço, sem
desmentido, que o ex-presidente Lula, ao deixar o governo, prometera, no âmbito
do comando do seu partido, dedicar-se dali em diante a desmontar “a farsa do
Mensalão”. Havia fortes motivos para este seu suposto – como é cheia de
sutilezas a última flor do Lácio – propósito. Não vamos aqui discutir se fez ou
não esforços neste sentido, mas apenas assinalar que, se os fez, eles
fracassaram. Este foi o resultado consumado na sessão de ontem do Supremo
Tribunal Federal, depois de delineado claramente em sessões anteriores, nas
quais vem sendo julgada a Ação Penal 470 – o Mensalão.
Do muito que foi dito para demérito
da tese levantada pelo citado ex-ministro da Justiça e celebrado advogado
criminal, vale destacar a ênfase dada pelo ministro Luiz Fux – o primeiro dos
membros do STF nomeado pela presidente Dilma Rousseff (em fevereiro de 2011) –,
ao fato de que os pagamentos do Mensalão não têm nexo temporal com a campanha
eleitoral, não havendo sentido em se falar (e tanto que se falou...) em Caixa
Dois de campanha.
Mas quem, em poucas palavras, no seu
voto, explodiu a tese do Caixa Dois e despiu o Mensalão, sem deixar cueca sobre
dólares, foi o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres
Britto (nomeado por Lula, com ligação anterior ao PT, o que aqui se assinala
para que dele não se fale mal por aí).
O ministro-presidente definiu o
esquema como uma “arrecadação criminosa de recursos públicos e privados para
aliciar partidos e corromper parlamentares”, ao que acrescentou: “Projeto de
continuísmo político idealizado por um núcleo político. E na sequência: (...)
do que resultou na progressiva perpetuação de delitos em quantidades
enlouquecidas.”
Que coisa feia. Não, é claro, as
palavras do ministro Britto, mas o que elas descreviam, esmigalhando a tese do
Caixa Dois de campanha, reafirmando ainda o que já estava assente no STF, de
utilização de dinheiro público, mas principalmente dizendo com uma clareza
solar qual o verdadeiro e sinistro objetivo do Mensalão.
Qual? Permita o leitor que repita.
Projeto de continuísmo político idealizado por um núcleo político (esse “núcleo
político” aí denuncia quadrilha, obviamente) para, com recursos privados e
públicos criminosamente arrecadados, “aliciar partidos e corromper
parlamentares”.
Ora, que o tolerante leitor permita
repetir mais uma vez o que disse o ministro, não mais na linguagem de clareza
solar que usou – já que, como ministro e, de resto, na presidência do STF, não
poderia dar ao conceito emitido a luminosidade ofuscante de uma supernova: o
Mensalão foi uma tentativa de golpe de estado, na qual os tanques, os fuzis e
os cassetetes foram substituídos pelos reais e pelos dólares.
Mas
no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho. E tinha
um nome: Roberto Jefferson.
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Este artigo foi
publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho
é jornalista baiano.