terça-feira, 2 de outubro de 2012

A luz de uma supernova


Terça, 2 de setembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Acabou ontem a farsa. E da sessão do pleno do Supremo Tribunal Federal o crime contra a nação emergiu em toda a sua vergonhosa e monstruosa nudez.

            Como já registrado pela mídia à saciedade, ante a denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson, que fez explodir o escândalo do Mensalão bem como a consequente e profunda crise política, o PT e o governo Lula aceitaram o conselho do então ministro da Justiça, advogado Márcio Thomas Bastos, no sentido de declarar que todo o dinheiro envolvido no caso outra coisa não era senão “recursos não contabilizados” e privados, referentes a campanha eleitoral, ou, em outras palavras, Caixa Dois de campanha. Apesar disto ser crime.

            Noticiou-se até o cansaço, sem desmentido, que o ex-presidente Lula, ao deixar o governo, prometera, no âmbito do comando do seu partido, dedicar-se dali em diante a desmontar “a farsa do Mensalão”. Havia fortes motivos para este seu suposto – como é cheia de sutilezas a última flor do Lácio – propósito. Não vamos aqui discutir se fez ou não esforços neste sentido, mas apenas assinalar que, se os fez, eles fracassaram. Este foi o resultado consumado na sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal, depois de delineado claramente em sessões anteriores, nas quais vem sendo julgada a Ação Penal 470 – o Mensalão.

            Do muito que foi dito para demérito da tese levantada pelo citado ex-ministro da Justiça e celebrado advogado criminal, vale destacar a ênfase dada pelo ministro Luiz Fux – o primeiro dos membros do STF nomeado pela presidente Dilma Rousseff (em fevereiro de 2011) –, ao fato de que os pagamentos do Mensalão não têm nexo temporal com a campanha eleitoral, não havendo sentido em se falar (e tanto que se falou...) em Caixa Dois de campanha.

            Mas quem, em poucas palavras, no seu voto, explodiu a tese do Caixa Dois e despiu o Mensalão, sem deixar cueca sobre dólares, foi o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto (nomeado por Lula, com ligação anterior ao PT, o que aqui se assinala para que dele não se fale mal por aí).

            O ministro-presidente definiu o esquema como uma “arrecadação criminosa de recursos públicos e privados para aliciar partidos e corromper parlamentares”, ao que acrescentou: “Projeto de continuísmo político idealizado por um núcleo político. E na sequência: (...) do que resultou na progressiva perpetuação de delitos em quantidades enlouquecidas.”

            Que coisa feia. Não, é claro, as palavras do ministro Britto, mas o que elas descreviam, esmigalhando a tese do Caixa Dois de campanha, reafirmando ainda o que já estava assente no STF, de utilização de dinheiro público, mas principalmente dizendo com uma clareza solar qual o verdadeiro e sinistro objetivo do Mensalão.

            Qual? Permita o leitor que repita. Projeto de continuísmo político idealizado por um núcleo político (esse “núcleo político” aí denuncia quadrilha, obviamente) para, com recursos privados e públicos criminosamente arrecadados, “aliciar partidos e corromper parlamentares”.

            Ora, que o tolerante leitor permita repetir mais uma vez o que disse o ministro, não mais na linguagem de clareza solar que usou – já que, como ministro e, de resto, na presidência do STF, não poderia dar ao conceito emitido a luminosidade ofuscante de uma supernova: o Mensalão foi uma tentativa de golpe de estado, na qual os tanques, os fuzis e os cassetetes foram substituídos pelos reais e pelos dólares.

Mas no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho. E tinha um nome: Roberto Jefferson.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.