quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Mensalão e foro privilegiado

Quarta, 3 de outubro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Condenado na segunda-feira pelo Supremo Tribunal Federal – no processo do Mensalão ou Ação Penal 470 – por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, o deputado Valdemar Costa Neto, ex-presidente nacional do PR e que ainda controla, de fato, o partido, anunciou ontem que pretende recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos (órgão da estrutura da Organização dos Estados Americanos) e outras mais às quais possa, caso precise. “Apelarei a todas as instâncias do planeta”, adverte.

            Afirma ele que não é inocente, pois cometeu, sim, crime eleitoral, pelo qual nem foi acusado – aquela história do Caixa Dois de campanha –, mas, pela natureza da Corte a que pretende recorrer e pelas declarações que deu ontem, o fundamento de seu futuro recurso não é a inocência alegada dos três crimes pelos quais foi condenado.

            Além de avisar que não vai renunciar ao mandato de deputado, ele deixou claro que pretende recorrer da decisão do STF, sob a alegação de que foi julgado em apenas um grau de jurisdição, exatamente o Supremo Tribunal Federal, quando deveria ter assegurado julgamento em pelo menos dois graus de jurisdição. Como isto não ocorreu, insurge-se, alegando que teve cerceado o seu direito de defesa.

            Lembro que recentemente, ao ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori Zavascki, indicado pela presidente Dilma Rousseff para preencher vaga no Supremo Tribunal Federal, foi questionado sobre eventuais recursos dos mensaleiros a tribunais internacionais. Ele disse que tais recursos seriam contra a Constituição e a jurisprudência do STF. Deixo, no entanto, aos juristas os aspectos jurídicos dessa discussão.

Limito-me a abordar, ainda que breve e superficialmente, dois aspectos políticos. Um deles é o de que talvez não seja apenas o presidente informal do PR, Valdemar Costa Neto, o único dos réus do Mensalão atualmente sob julgamento no STF com planos de recorrer a cortes internacionais, fundados nessa alegação do direito a duplo grau de jurisdição.

Nas especulações da mídia ou reportadas pela mídia, até já se citou o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, o petista José Dirceu (que deverá ser julgado nos próximos dias) como réu disposto a recorrer a cortes internacionais, caso seja condenado pelo STF. São especulações, claro, mas ante a reação de Valdemar Costa Neto à sentença que recebeu, não se pode afastá-las liminarmente. Pelo contrário, há espaço para estendê-las a réus já julgados, bem como aos ainda à espera de julgamento, José Genoíno, ex-presidente do PT e ao ex-tesoureiro deste partido, Delúbio Soares. Quem sabe, Costa Neto faz escola? Tratando-se de meras especulações, cumpre acrescentar o tradicional “a conferir”.

O outro aspecto político é o esperneio, com destaque para Valdemar Costa Neto, de não ter sido dado aos réus oportunidade de julgamento ao menos em duplo grau de jurisdição. O julgamento está ocorrendo no tribunal que representa, solitariamente, o mais alto grau de jurisdição do país e que tem a competência para reformar e conformar ao seu entendimento decisões tomadas em quaisquer outros graus de jurisdição.

Mas, até esse convulsionante julgamento do Mensalão, não se viam reclamações de réus encaminhados diretamente ao STF por terem foro privilegiado. Eles até que adoravam isso. Aliás, foi a Constituição de 1988 que criou o foro privilegiado, ao estabelecer quais as autoridades com direito a ele, nos casos de crimes de responsabilidade ou de natureza penal. Doutrinariamente, a questão é controversa. O Congresso, Valdemar Costa Neto incluído, se quisesse, poderia ter aprovado emenda à Constituição, extinguindo o foro privilegiado.

Não quis.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.