segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Medo agita Rússia

Segunda, 3 de dezembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
De uns tempos para cá, uma das referências mais comuns entre pessoas conhecidas que se encontram é sobre o “fim do mundo” ou da atual civilização, fato que ocorreria no dia 21 de dezembro de 2012, ou, melhor dizendo, no dia 22 de dezembro de 2012. Isto porque, segundo muitos afirmam, o último dia do calendário maia é 21 deste mês, portanto, o mundo ainda existiria aí, mas o dia 22 não estaria no calendário, o que leva muitos a garantir e outros tantos a desconfiar que, se o dia não existe é porque o mundo também não. Ou porque começam fenômenos que levam a uma transformação radical.

            Algumas notícias a respeito dessa história mal chegaram a aparecer, envergonhadas, na mídia, mas foi um grande sucesso de bilheteria o filme 2012, baseado exatamente nessa história. Se o leitor for internauta e buscar no Google e no Youtube, por exemplo, encontrará centenas, milhares de itens relacionados ao “fim dos tempos” e adjacências, que no imaginário de alguns poderia ser uma coisa abrupta acontecendo, talvez, à zero hora do dia 22 deste mês, ou, na avaliação de outros – entre estes, muitos cristãos – um processo crítico que se desencadearia em tempos próximos e duraria alguns anos, com imensas calamidades naturais na terra, várias delas sob influência de forças celestes abaladas, e outras, como guerras (a terceira guerra mundial, nuclear, e a quarta guerra mundial, com a última batalha da História, a de Armagedon), produzidas diretamente pela insanidade humana.

            A razão principal pela qual estou tratando aqui deste assunto é que ele está sendo continuamente abordado, sem nenhuma profundidade, sempre “en passant”, três, quatro, cinco segundos, talvez pelo receio de parecerem ridículos os que o abordam em centenas de milhares de conversar sobre assuntos variados. Mas a mídia (televisão, jornais, revistas, rádio, blogs e sites de várias temáticas) mostra-se absolutamente alheia, talvez ignorante desse amplíssimo interesse difuso das pessoas. Somente em publicações impressas (raras) ou eletrônicas especializadas o tema obtém tratamento sem preconceito e é tratado com alguma amplitude.

            No entanto, apesar disso, o interesse difuso pelo assunto é atestado numa reportagem de Ellen Barry, publicada ontem no New York Times e reproduzida no Brasil pela Folha de S. Paulo. Dá conta de que há relatos diversos de comportamentos incomuns em toda a Rússia. Detentas de uma prisão perto da fronteira com a China teriam sofrido uma “psicose coletiva” e foi preciso chamar um padre para acalmá-las. (Mas o que sabia o padre sobre o assunto?). Em uma fábrica próxima a Moscou, cidadãos em pânico levaram todos os fósforos, querosene, açúcar e velas. Um portal de estilo maia está sendo construído em gelo na rua Karl Marx, em Chelyabinsk.

            Na semana passada, o governo russo decidiu acabar essa história de fim do mundo. Seu ministério de situações emergenciais (o correspondente à estranhíssima e até apavorante FEMA – Agência Federal de Emergências –, dos Estados Unidos) afirmou na sexta-feira que teve acesso a “métodos de monitoramento do que está acontecendo no planeta Terra” e que podia afirmar, com certeza, que o mundo não vai acabar em dezembro (!!!!). Aviso bonitinho, mas ordinário.

            Na semana passada, vereadores de Moscou enviaram uma carta aos três principais canais de televisão da Rússia, pedindo que eles parem de levar ao ar informações da suposta profecia sobre o calendário maia e o dia 21 de dezembro de 2012.

            O chefe de medicina sanitária da Rússia, um alto oficial da Igreja Ortodoxa Russa, congressistas e um ex-DJ que ganhou recentemente um concurso, “Batalha dos Videntes”, em um programa de TV, garantiram que o mundo não acaba este mês. Uma autoridade propôs que quem espalhar o “boato” seja processado – imagino que por perturbação da ordem pública. E acho bom. Porque, assim, o mundo aguardaria primeiro o desfecho do processo para resolver se acaba ou não.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.