Quarta, 3 de
setembro de 2014
Guillermo Almeyra
- Tradução de Marcello Barra
Napoleão invadiu a Rússia arrasando tudo por onde passava e Moscou ardeu.
Todos os combates militares lhe foram favoráveis, mas teve que se retirar derrotado
pela tenacidade da resistência popular, e o duro inverno russo completou o
fracasso que precipitou sua decadência. Os Napoleões da ultradireita israelense
acabam de repetir em Gaza a campanha “russa” de Sharon no Líbano em 1982, com o
mesmo resultado politicamente desastroso que, espero, levará a Benjamin
Netanyahu a compartilhar com Sharon um posto imundo no rincão dos genocidas
fracassados da lixeira da história.
Em 1982, com efeito, os israelenses ocuparam o Líbano e o destruíram,
praticaram o assassinato massivo em Sabra e Chatila e a OLP foi forçada a ir
para a Tunísia. Mas os israelenses foram forçados a se retirarem com o rabo
entre as pernas devido ao crescente repúdio, mesmo no país, entre pacifistas e
progressistas e das famílias dos numerosos soldados mortos, sob a onda
internacional de indignação, sobretudo depois do genocídio nos acampamentos de
refugiados palestinos e, em particular, pela forte e tenaz resistência popular
que fez o alto comando israelense compreender que uma coisa é bombardear desde
o ar e à distância e outra ocupar zonas densamente povoadas e encarar uma
sangrenta guerra de rua. Lição essa que já haviam aprendido os colonizadores
franceses na Argélia donde, apesar de matarem um milhão de argelinos (10% da
população), tiveram que se retirar derrotados por um povo sem exército, mas
disposto a combater o tempo que fosse necessário. Com sua invasão de 1982, a
única coisa que Israel conseguiu foi converter o Hezbollah em um movimento
armado de massas com forte raiz popular e aliar-lo à Síria e Irã.
Netanyahu se lançou contra Gaza para impedir a união nacional palestina e
um possível governo Hamas-Organização de Libertação da Palestina (OLP) e seu
principal partido, Al Fattah. Acreditava que os palestinos jogariam a culpa de
tudo isso no Hamas, por isso buscava destruir a débil estrutura militar deles
e, ao arrasar durante quase dois meses com seus bombardeios sistemáticos e
planejados escolas, hospitais, casas, mercados, porto e aeroporto, serviços
elétricos e de água, instalações humanitárias das Nações Unidas, causaram
dezenas de milhares de feridos e mais de 2.000 mortos e enormes destroços
materiais.
O resultado, como era previsível, foi o oposto. O Hamas se fortaleceu ao
aparecer como líder da resistência e agora está em melhores condições para
firmar um pacto de unidade com a ala de direita da OLP, cuja política de
conciliação com Israel repousa sob os escombros de Gaza. O regime militar do
Egito, contrário ao Hamas, porque persegue sangrentamente os Irmãos Muçulmanos
(convertendo de pronto esse grupo direitista em mártir e líder da oposição),
agora se vê obrigado a reabrir as passagens desde Gaza e a se distanciar de
Israel. O mesmo se sucedeu com as relações com o governo da Turquia, que até há
pouco era aliado de Tel Aviv, mas que não pode tolerar o genocídio dos
palestinos e, sobretudo, o assassinato por Israel de oito cidadãos turcos em
missão humanitária à Gaza.
A derrota de Benjamin Netanyahu e da ultradireita israelense fortaleceu os
pacifistas em Israel e a esquerda israelense, atrasou os planos de “limpeza
étnica” que preveem a expulsão dos cidadãos de origem árabe de Israel,
fortaleceu também a aliança Rússia e China com Síria, Irã e os palestinos e
constitui uma nova derrota da política dos Estados Unidos na região.
O povo de Gaza, com toda justiça, considera que a derrota de seu inimigo é
uma vitória estratégica sua, alcançada pela sua enorme capacidade de
resistência e heróica tenacidade, não em vão comparada com a dos combatentes do
gueto de Varsóvia, que tanto impacto tem na memória histórica dos melhores
cidadãos de Israel.
Para os palestinos e para os anti-imperialistas, antirracistas e
anticolonialistas de todo o mundo, a reabertura das passagens fronteiriças, a
aceitação por Israel do princípio de reconstrução do porto e aeroporto de Gaza,
a extensão da área de pesca para o reabastecimento local e o fim do bloqueio
israelense são uma grande vitória porque foi conseguida contra um dos exércitos
mais poderosos do mundo, dirigido por uma equipe feroz de fascistas.
Por suposto, presenciamos uma trégua não à pacificação na região. A direita
israelense mantém seus planos agressivos e, uma vez diminuída a pressão
internacional, seus laços com Washington, momenteamente afroxados, se
estreitarão novamente. Sobretudo porque Obama, com o pretexto do avanço do
Califado no Iraque e em uma parte da Síria, tratará de golpear militarmente o
governo de Damasco, que estava vencendo, e de inventar um Curdistão (sem os
curdos da Turquia, nem os do Irã) totalmente subordinado.
Não se pode esquecer que as guerras no Oriente Próximo têm como fundo a
posse do petróleo e das vias de chegada do mesmo às grandes potências e se
inscrevem no contexto da grande disputa potencialmente bélica entre Estados
Unidos e serviçais da OTAM deles e a aliança russo-chinesa. Ou seja, em dois
processo que podem durar bastantes anos e que dependem a sua vez do desempenho
das economias norte-americana e europeia e da capacidade de resistência russa.
Não se pode baixar a guarda. A onda internacional de indignação contra
Israel foi um escudo para os palestinos de Gaza, um estímulo para a esquerda
israelense e uma pressão sobre a Casa Branca. A pressão internacional poderia
também tirar força da tendência de Obama em intervir na região e ajudar a
manter a paz enquanto a crise econômica e política em Israel cava a cova de
Netanyahu.
Nota
Massacre de Sabra e Chatila: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Massacre_de_Sabra_e_Chatila>