Segunda, 12 de agosto de 2019
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Na condição de Patrimônio Cultural da Humanidade e bem tombado como Patrimônio Histórico Nacional, a responsabilidade pela preservação de Brasília cabe a todos e, em especial, ao poder público, tanto na esfera Federal, quanto local. Tanto é assim, que a Constituição Federal, em seu artigo 216, parágrafo 1º; a Portaria n.º 314, de março de 1990, do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN; e o Decreto n.º 10.829/87 do Governo do Distrito Federal legislam e regulamentam a matéria.
No entanto, Brasília vem sendo constantemente vítima de ataques na sua concepção original, por especuladores e inescrupulosos que tentam apagar o sonho de Juscelino Kubitschek e o traço de Lúcio Costa, consagrado internacionalmente. Fatos dessa natureza não deveriam nos surpreender, mas ao contrário, ainda nos surpreendem e, cada vez mais, nos assustam com o que ainda pode vir por aí, afinal, o atual governo só está começando.
Os últimos exemplos disso estão estampados na imprensa local, com a proposta do Executivo de um Projeto de Lei Complementar – PLC “Lei do SIG”, com a previsão de aumento do gabarito do Setor de Indústrias Gráficas de Brasília. Fica clara a burla ao projeto original de Lúcio Costa, pois ali nunca foi prevista a construção de prédios com mais de 12 metros de altura, nem com percentual de ocupação além de 40% da área, conforme NGB 52/88 do GDF, que regulamenta a ocupação naquele local. O que se quer agora são edificações com ocupação de 100% da área, e altura de 15 metros, além do desvirtuamento da função assentada no Plano de Lúcio Costa que são indústrias gráficas ou pequenos comércios, inclusive agências bancárias para apoio local. Aliás, esta é uma concepção de todo o projeto original do Plano Piloto, onde existem os comércios locais (CLS e CLN).
Deve ficar claro que a área tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade é aquela compreendida - a leste, pela margem oriental do Lago Paranoá; a oeste, pela margem ocidental da Estrada Parque Indústria e Abastecimento – EPIA; a sul, pela margem setentrional do ribeirão Riacho Fundo; e ao norte, pela margem meridional do Lago Paranoá e córrego Bananal. Portanto, qualquer alteração que afete a área tombada deverá ter autorização em Lei Federal, com prévia análise do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, de acordo com a Lei Federal n.º 3.751, de 13 de abril de 1960 (Lei Santiago Dantas), ainda em vigor, que dispõe sobre a organização administrativa do Distrito Federal, e estabelece no seu artigo 38: “qualquer alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende de autorização em lei federal”. Isto demonstra a preocupação com a preservação das características urbanísticas e com o conjunto de edificações significativas de Brasília desde o início de sua construção. Assim, qualquer alteração no Setor de Indústrias Gráficas – SIG tem que atender à legislação.
Essa questão da preservação é tão cara ao criador do Plano de Brasília, que já em 1995 ele nos brinda com um texto deveras oportuno para este momento, em que empreendedores, na busca de lucro fácil, tentam agredir o Plano Urbanístico de Brasília. Cito em sua íntegra:
“Pelo que me foi possível perceber, os anseios de reformulação antecipada da proposição urbanística de Brasília, partem principalmente de dois setores que, visando embora a objetivos opostos, paradoxalmente se encontram. Refiro-me aos empreendedores imobiliários interessados em adensar a cidade com o recurso habitual do aumento de gabaritos; e aos arquitetos e urbanistas que, reputando ‘ultrapassados’ os princípios que informaram a concepção da nova capital e a sua intrínseca disciplina arquitetônica, gostariam também de romper o princípio dos gabaritos preestabelecidos, gostariam de jogar com alturas diferentes nas superquadras, aspirando fazer de Brasília uma cidade de feição mais caprichosa, concentrada e dinâmica, ao gosto das experiências agora em voga pelo mundo; - gostariam, em suma, que a cidade não fosse o que é, e sim outra coisa” (COSTA, 1995).
Países civilizados cuidam do seu patrimônio histórico e urbanístico, como se cuidando estivessem de uma pedra preciosa para toda a humanidade. Governos democráticos e futuristas, vislumbram o porvir fundados em estratégias de ações integradas de mobilidade, aproveitamento do solo e bem estar da população. Não se fundam em sinais invertidos, na contramão de um patrimônio, a exemplo do que temos em Brasília. Caso a “Lei do SIG” seja aprovada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), assistiremos, mais uma vez, assim como na Saúde, a abertura de uma grande avenida à privatização dos bens públicos. Espero que as(os) deputados(as), verdadeiros(as) representantes do povo, saibam cuidar deste patrimônio do Distrito Federal.
No segundo texto da trilogia, convido você à leitura: Por que defender Brasília?
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