Sábado, 23 de outubro de 2021
Aldemario Araujo Castro
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Coordenador-Geral do Observatório da Transparência e Combate à Corrupção no DF
Candidato à Vice-Presidente da OAB/DF pela chapa “Nossa ORDEM é DEMOCRÁTICA”
Brasília, 23 de outubro de 2021
Divulguei, no dia 16 de outubro próximo passado, no grupo "OAB Jovem DF" no Facebook, o texto "RECUSA DE COMBATE À POBREZA MENSTRUAL MOSTRA A FACE MAIS PERVERSA DO GOVERNO BOLSONARO". [veja o texto]
Entre os vários comentários registrados destaco os seguintes:
"essa palhaçada de pobreza menstrual"
"Pobreza menstrual? Putz! Kkkkk"
"E a pobreza caganal?"
"preferiu perder tempo escrevendo esse lixo"
"Pobreza menstrual? Faltei a esta aula"
Essa questão tem sido objeto de preocupações crescentes. Ressalto a seguinte menção feita pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância):
"Discutir a saúde e os direitos menstruais publicamente é um dos compromissos do UNFPA e do UNICEF na resposta à pobreza menstrual, que afeta negativamente parte importante das pessoas que menstruam no país – como retrata este relatório. O tema explicita as vinculações entre a dignidade menstrual e o exercício dos direitos à água e ao saneamento adequados na escola e em casa. Os dados apresentados demonstram como, no Brasil, crianças e adolescentes que menstruam têm seus direitos à escola de qualidade, moradia digna, saúde, incluindo sexual e reprodutiva violados, quando seus direitos à água, ao saneamento e à higiene não são garantidos nos espaços em que convivem e passam boa parte de sua vida" (https://www.unicef.org/ brazil/relatorios/pobreza- menstrual-no-brasil- desigualdade-e-violacoes-de- direitos)
Trata-se, portanto, de um "assunto sério". A dor, os danos à saúde e a violação da dignidade de milhões de jovens e mulheres, no Brasil e no mundo, não admitem a formulação das “piadas” mais vis e desumanas.
As reações retratadas ganham colorido especial quando partem de jovens advogados e advogadas. Afinal, o Estatuto aponta as seguintes finalidades para a instituição OAB e para a Advocacia:
"defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas" (art. 44, inciso I).
Essa disposição está em linha com os seguintes comandos constitucionais (arts. 1o. e 3o.):
"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Obviamente, como não sou dono da verdade, posso estar redondamente enganado em relação aos aspectos técnico-orçamentários apresentados no texto referido. Não me parece, sobretudo com a edição, a título de exemplo, da Lei n. 14.223, de 18 de outubro de 2021, pelo Presidente da República. Ali foram anuladas (de várias despesas) e realocadas (para outras despesas) dotações orçamentárias num montante de quase um bilhão de reais.
Mas a contraposição exige um respeitoso debate de ideias. Não é possível ou razoável construir uma sociedade com base na violência física ou simbólica, xingamentos e desqualificações rasteiras. Imagina-se o exercício da advocacia nessas bases. Onde chegará o advogado ou advogada, e os direitos de seus clientes, com esses comportamentos?
Uma coisa é certa, a título de fecho dessas linhas, a profissão da liberdade, também é a profissão da solidariedade social e da empatia (na fórmula da "justiça social" expressamente posta no Estatuto da OAB). Não pode, e não deve, o advogado e a advogada, permanecer insensível diante da marcha, como infelizmente se observa na atual quadra da sociedade brasileira, dos preconceitos, dos arbítrios e das desigualdades.
"Se você sente dor, você está vivo. Se você sente a dor das outras pessoas, você é um ser humano" (pensamento normalmente atribuído a Leon Tolstói).
"Ame o seu próximo como a si mesmo" (frase atribuída a Jesus Cristo em Mateus 22:39).