Sexta, 24 de outubro de 2025
Seminário reuniu órgãos e representantes de instituições que atuam na rede de acolhimento para debater sobre os avanços e melhorias
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) realizou, nos dias 21 e 22 de outubro, o seminário “Interface das políticas públicas no atendimento às crianças, aos adolescentes e aos jovens em serviço de acolhimento no Distrito Federal”, na sede da instituição. A iniciativa buscou fortalecer a articulação entre os órgãos e profissionais que atuam na rede de atendimento, incluindo áreas de assistência social, saúde, educação, justiça e cidadania, além de promover a reflexão sobre os desafios, avanços e perspectivas na garantia dos direitos desse público.
Durante o encontro, foi construído um relatório com estratégias para que os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos possam trabalhar para construir novos caminhos para a proteção social de crianças e adolescentes. Entre as medidas citadas estão garantir que os Conselhos Tutelares registrem todas as ações e atendimentos prévios à decisão de acolhimento; promover planos territoriais de apoio familiar; criar estratégias de apoio a jovens egressos; promover campanhas de sensibilização sobre o papel do acolhimento; realizar a formação continuada de gestores e equipes escolares sobre medidas protetivas e especificidades dos alunos acolhidos e desenvolver protocolo conjunto de atuação preventiva entre Conselhos Tutelares, proteção social e saúde mental.
O evento foi promovido pela Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude (PJIJ) com o Conselho de Assistência Social do DF (CAS-DF) e a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF). Na mesa de abertura, a promotora de justiça Luisa de Marillac, da Promotoria de Justiça Cível da Infância e da Juventude, destacou a importância do diálogo entre os atuantes na rede de acolhimento para que ocorram avanços nas ações e políticas públicas. “É muito importante que a gente possa sempre construir esses espaços coletivos de trabalho e de responsabilidades. Precisamos entender o acolhimento como uma prioridade no DF, não somente para o sistema de Justiça e de serviço social”, disse.
A conselheira de direitos da criança e do adolescente, Luíza Martins Costa, ressaltou que os acolhimentos da rede são 90% realizados por Organizações da Sociedade Civil, que fazem uma parceria com o governo local, e detalhou a necessidade de haver um plano de divulgação continuada sobre o trabalho feito por essas unidades. “Olhar para o acolhimento é olhar para a promoção e potencialidade de crianças e adolescentes, para a prevenção e redução de violências e violações de direitos, para o fortalecimento da identidade, do bem-estar, da educação, da saúde, da arte, do esporte, do lazer e da cultura. Espero que crianças, adolescentes e famílias sejam alvos de afetos”, enfatizou.

Para o presidente do CAS-DF e Subsecretário de Assistência Social, Coracy Chavante, o trabalho realizado pelos Conselhos é muito importante para que a política pública de acolhimento avance e se consolide. “Temos avanços significativos no DF, mas é sempre relevante ter esse cenário com vários atores como o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), Conselhos Tutelares, Vara da Infância e MPDFT para pensar melhor no serviço de acolhimento no DF”, comentou. Coracy avaliou ainda que “o cenário orçamentário do DF é um grande desafio e é preciso consolidar esse orçamento para avançar nas políticas públicas”.
Representando as crianças, adolescentes e jovens em acolhimento no DF, o estudante João Pedro Tavares Lima, de 10 anos, também esteve presente na mesa de abertura do evento. “É muito bom estar aqui representando os acolhidos. Quando eu cheguei no acolhimento, foi muito bom para mim”, disse o menino que sonha em ser empresário. João fez questão de agradecer as mães sociais e a equipe técnica que o ajudou.
Panorama do acolhimento
Durante o evento, foi apresentado o panorama do serviço de acolhimento de crianças, adolescentes e jovens no DF. Além disso, a programação contou com mesas de debates para tratar sobre a medida protetiva de acolhimento e apontar desafios e caminhos para as políticas públicas de proteção social aos acolhidos.
No primeiro dia de seminário, o painel “Contextualização sobre os serviços de acolhimento de crianças, adolescentes e jovens do DF” reuniu as equipes técnicas de referência da Vara da Infância e Juventude, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude (PJIJ), da Gerência dos Serviços de Acolhimento de Crianças, Adolescentes e Jovens (Geacaj) e da Central de Vagas de Acolhimento (Centrac) para apresentar o panorama do DF.

Segundo os dados apresentados pela gerente substituta da Geacaj, Laíne Lima, no DF há sete abrigos institucionais, 30 casas lares e um serviço de família acolhedora, totalizando 468 vagas de acolhimento. Com base na pesquisa semanal realizada pela unidade para monitorar a situação e dar andamento à política, o maior motivo de acolhimento no DF é a negligência por abuso de álcool e drogas no meio intrafamiliar. “Essas crianças vão parar nas instituições por abandono, por negligência, por violações de direitos”, pontuou.
Laíne ressaltou ainda que o acolhimento é o caminho para a proteção, mas não é o caminho inicial e deve ser o último recurso a ser utilizado no processo da proteção. “Antes deve ser feita a prevenção, pois o acolhimento impacta muito a vida de crianças e adolescentes, pois acarreta no afastamento do convívio familiar, interferindo no aprendizado e nas relações sociais. O objetivo do acolhimento é ser protetivo, mas deve ser provisório”, avaliou.
A supervisora do Núcleo de Acompanhamento de Acolhidos e Instituições da 1ª Vara da Infância e Juventude, Izabel Cristina Freitas, classificou o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, como a grande transformação na política de acolhimento com o princípio da proteção integral, com crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, com a igualdade entre todas as crianças e adolescentes e com a primazia do direito à convivência familiar. “O acolhimento é uma medida de proteção excepcional e provisória, não de punição ou segregação. A criança deve ser criada dentro da sua família de origem ou extensa e afetiva”, pontuou.

A analista de saúde da PJIJ, Ana Paula Pena, abordou o diagnóstico dos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes no DF, realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPE-DF), e destacou os pontos: recursos humanos, infraestrutura e espaços físicos, gestão institucional e financeira, e metodologia do trabalho socioeducativo. Em relação aos recursos humanos, Ana Paula destacou a alta rotatividade das trabalhadoras, a ausência de plano de carreira, a sobrecarga das equipes, a falta de capacitação continuada e de supervisão técnica sistemática.
“No eixo de infraestruturas e espaços físicos, foi destacada a falta de espaços individualizados, a acessibilidade parcial e carência de equipamentos para crianças com deficiência, a superlotação pontual e a defasagem em manutenção imobiliária. “Essa é uma queixa que escutamos muito. Sobre gestão institucional e financeira, fala-se dos atrasos de repasses e ausência de indicadores de desempenho. Já a metodologia do trabalho socioeducativo chama bastante atenção pela ausência de uniformidade metodológica entre instituições, falhas na construção e atualização do Plano Individual de Acolhimento, que em muitos casos é feito de forma burocrática, pouca articulação com a rede intersetorial, escassez de atividades voltadas para convivência comunitária e autonomia dos acolhidos”, concluiu.
A assessora da Central de Acolhimento de Crianças e Adolescentes da Sedes-DF, Aline Nardelli, comentou que “no fluxo do serviço de acolhimento, as crianças e os adolescentes que precisam de socorro imediato, de atendimento de saúde, de exame de corpo de delito, devem passar por esses atendimentos antes de irem para o serviço de acolhimento”.
Debates
Os outros paineis abordaram a assistência social, educação e esporte, saúde no acolhimento de crianças e adolescentes e, por fim, ações possíveis para a prevenção ao acolhimento e o acolhimento emergencial, além de desafios de proteção aos acolhidos em situação de risco. Os promotores de justiça Renato Bianchini, Rosana Viegas e Carvalho, Leslie Marques de Carvalho e Rodrigo Machado, todos da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, foram os mediadores dos debates.
Os paineis contaram com representantes da Sedes, do TJDFT, das Secretarias de Educação, neste caso a própria Secretária da pasta, Hélvia Paranaguá, do Esporte, e da Saúde, do Conselho Regional de Serviço Social, de organizações da sociedade civil e do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde, além de integrantes do MPDFT.

Encerramento
A promotora Luisa de Marillac refletiu que é preciso partir de premissas de confiança mútua, respeito, afeto e corresponsabilidade:”É assim que temos avançado na proteção de crianças e adolescentes no Distrito Federal. E este seminário tem um diferencial muito bonito que é a participação das próprias crianças e adolescentes nas mesas de discussão, e isso nos impõe um compromisso de fortalecer cada vez mais os espaços de participação das crianças e adolescentes nas políticas que lhes dizem respeito. No caso do acolhimento, isso é ainda mais essencial, porque estamos falando de meninos e meninas privados do amparo familiar, que é o primeiro e mais importante vínculo de cuidado.”
Coracy Chavante destacou que o momento foi essencial para fazer as alianças de proteção às crianças e adolescentes acolhidos. “Fiquei animado porque temos aqui diversos atores estratégicos. Isso é muito importante, porque muitas vezes não conseguimos articular tudo no âmbito da gestão, mas aqui os atores entendem o desafio e têm a oportunidade de escuta”, disse.
Já Laíne Lima falou sobre a importância de compreender os desafios dos setores envolvidos nos serviços de acolhimento. “Isso aqui não é o fim, na verdade é começo, para construirmos uma forma e darmos continuidade. Sabemos que todas as políticas aqui envolvidas têm problemas, mas o que vamos fazer sobre esses problemas? Vamos continuar lutando para que sejam dirimidos. Enquanto isso, precisamos pensar que o foco do nosso trabalho é a criança e o adolescente”, finalizou.