Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 15 de março de 2025

REVOLUÇÃO LIBERTADORA OU SUBMISSÃO COLONIAL. ESTADO E GOVERNANÇA

Sábado, 15 de março de 2025
Pedro Augusto Pinbo*


DESENCAIXOTAMENTO

Para desenvolver o tema da liberdade e da submissão será necessário esclarecer diversos temas que ficam encobertos ou disfarçados ou simplesmente ocultos nas divulgações. Estes fenômenos cresceram muito, muitíssimo, a partir do domínio do neoliberalismo financeiro ao final do século XX e, em apenas vinte anos, já provocaram tantos males que o mundo pós 2010 está repleto de guerras, misérias, disseminação de vírus, pobreza e mortes, incompatíveis e mesmo inadmissíveis com o desenvolvimento tecnológico da humanidade.

Abram-se portas e janelas, em especial as mentes. Tratar-se-ão dos fatos como eles ocorrem, não para doutrinação.

Estes temas serão apresentados em suas especificidades, de modo que nossos caros leitores possam apresentar dúvidas, questionamentos e, eventualmente, encontrar identidades e respostas.


ABERTURA

O século XX não foi da disputa entre o comunismo e o nazifascismo, como nos desinformam muitos pseudos historiadores. Também não foi da luta da democracia liberal contra o comunismo marxista, o que os Estados Unidos da América (EUA) e suas colônias no Continente Americano, nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), da Organização das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e do Conselho da Europa (CE) tentaram e tentam impor pelo mundo.

A grande disputa do século XX foi do poder da industrialização, iniciando tateante na Idade Moderna (1453-1789), que assombra o mundo após as Revoluções Industrial (1760) e Francesa (1789), início da Idade Contemporânea, contra o poder financeiro, herdeiro do poder fundiário da Idade Média.

Esta batalha ocorreu no século XIX, prosseguiu nas duas grandes guerras da primeira metade do século XX e só terminou com a desregulação financeira, na década de 1980, e a vitória das finanças, que se completou, em 1991, com o desmonte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Após a vitória do poder neoliberal financeiro o mundo regride, tanto na questão da produção industrial quanto na capacidade de compreensão das mudanças introduzidas. O mundo ocidental, em mais de 99% dos habitantes, empobrece no corpo e na alma.

A nova tecnologia da administração das mensagens, com seus tratamentos matemáticos, psicossociais, neurocientíficos, e com novos equipamentos e instrumentos de transmissão, processamento e recepção, criaram verdadeira distopia, onde a ignorância, a corrupção, a falta de escrúpulos, a sede de poder e a concentração de riqueza prevalecem.

Por seu turno, a regressão da industrialização provocou desemprego, falta de receitas pelo trabalho e, consequentemente, fome, miséria, doenças e morte e o fim da previdência social pública.

Deem-se dois exemplos bem recentes.

A questão das mensagens ficou nítida e insofismável com as reações ocorridas quer nos EUA quer onde atuava a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), após seu fechamento por Donald Trump, que muito longe de ser “das maiores agências oficiais de ajuda humanitária do mundo e responder por mais da metade de toda a assistência externa dos EUA”, era agência fomentadora de revoltas, golpes de estado e de doutrinações pró-estadunidenses.

Quanto à desindustrialização, a própria vitória eleitoral dos Republicanos demonstrou que o desemprego, o aumento da população de rua, a miséria grassando por todo território estadunidense foi consequência da política neoliberal financeira que aumentou a riqueza dos já ricos e reduziu os empregos, e consequentes receitas, dos trabalhadores. É icônica a foto de Trump, em seu discurso de posse, ladeado dos já existentes bilionários e trilionários, membros da plutocracia internacional, e onde nem um só líder sindical, venal que fosse, defensor do patronado, esteja presente.


ESTRUTURA DA GOVERNANÇA

Preliminar à questão da organização do Estado deve-se ter clareza de que este é indispensável à civilização humana, à sociedade onde se espera que as pessoas caminhem no sentido da vida produtiva, sadia, próspera e feliz. O oposto do Estado não é a anarquia, é o “mercado”, onde, sobre todos os valores e sem quaisquer limites, se busca o lucro, maior e mais rápido.

O Reduzido Mundo Privado

Editorial do jornal “Estado de S. Paulo” (11/2/2025) com título “Os novos horizontes do crime organizado” demonstra o resultado de mais de 20 anos de governadores ideologicamente neoliberais: o Estado tomado por organizações criminosas. “Após avançar sobre o mercado e o Estado, a hidra do crime agora manipula movimentos sociais e influencia a cultura. O mal é sistêmico e só será debelado com ampla articulação republicana”.

Mas o que espera este jornal tendo o governador de extrema direita bolsonarista a frente do Estado de São Paulo? Qual significado ele dá para “articulação republicana”?

“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) estima”, segundo o editorial, “que o País tenha 72 organizações criminosas – duas delas, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), transnacionais –, que influenciam diretamente o cotidiano de pelo menos 23 milhões de brasileiros. As organizações nascem da ausência do Estado e prosperam infiltrando-se nele”.

Ora senhores editores, a que se deve à ausência do Estado?

No dia 11 de fevereiro, na Coluna Fatos & Comentários, do jornalista Marcos de Oliveira, Diretor Responsável do Monitor Mercantil, em subtítulo denominado “O Morro e o Asfalto” se lê: “Ao debater no STF a ADPF das Favelas – ação que tenta garantir a presença da lei nas incursões policiais em comunidades do Rio – o ministro Alexandre de Moraes levantou um ponto importante: “A população nessas áreas é escravizada pelas milícias, se discordar dela é morta. É uma escravidão moderna, com uso de armas, ameaças e coação”.

Prossegue Marcos de Oliveira: “O que escapou ao ministro é que a polícia do Rio não sobe os morros para defender os moradores de lá; as operações acontecem quando os crimes derramam no asfalto, como excesso de tiroteios, fechamento de vias expressas ou alta de roubo de carros. Fora isso, o poder paralelo segue mandando na vida de quem vive nas favelas sem ser importunado”.

Desde 1990, explicitamente, o Estado Nacional Brasileiro vem sendo substituído pelo “Mercado” que aqui se assumiu como Comitê de Política Monetária (COPOM), um órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros.

É o ponto final do processo adotado desde 1989 (Consenso de Washington) que estabelece como “primeiro mandamento”: a Disciplina Fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Neste decálogo também se encontram os seguintes mandamentos:

(a) Taxas de juros determinadas pelo mercado;

(b) Taxas de câmbio competitivas; 

(c) Liberalização do investimento estrangeiro direto interno;

(d) Privatização de empresas estatais;

(e) Segurança jurídica para direitos de propriedade privada.

Após tão rígidas e objetivas leis, para que Estado, para que Poder Legislativo, Poder Executivo, Judiciário, Ministério Público? Bastam as sanções pelo pecado, desculpem-me, pela ousadia de ferir tão excelsos cuidados com a plutocracia reinante.

Do lado de baixo, sempre surgirão artífices sabujos impondo “Teto de Gasto”, “Preços Igualitários aos da Importação”, e argumentar com a liberdade de quem tem recursos tudo poder, na proporção desta riqueza, e quem nada possui que se submeta às mais agressoras condições de escravidão, como lembrou Marcos de Oliveira, de doenças pela falta de vacinas, de ver seus filhos morrendo pela fome na condição de miséria.


Mundo em Direção à Multipolaridade

A análise do relatório da Conferência de Segurança de Munique (MSC, sigla em inglês), assim resume a posição do Brasil: “vê a possibilidade do Sul Global assumir um papel mais forte na tomada de decisões internacionais” e cita do Relatório ter nosso País colocado “a reforma da governança global no topo da agenda da presidência do G20 do ano passado, juntamente com outras prioridades do Sul Global, como a redução da pobreza e a segurança alimentar”.

Esta mistura Lulista não dá qualquer esperança de o Brasil voltar a ser o Estado Soberano, com projeto próprio, como ocorreu entre 1974 e 1979, no governo Geisel que foi muito além da política desenvolvimentista do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). 

Naquele período nosso País assinou o Acordo Nuclear com a Alemanha, contrariando os EUA que pretendiam exportar uma usina pronta, reatou ralações diplomáticas com a China, reconheceu as independências de Guiné Bissau e de Angola, este último país libertado pelo marxista Agostinho Neto, ajudou o governo do Iraque, usando a Petrobrás, que se tornou, em 1979, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil. Em resumo, não aceitou imposições estrangeiras, em especial dos EUA, demonstrando firmeza e defesa dos interesses nacionais.

Na referida coluna “Fatos & Comentários”, do “Monitor Mercantil”, em 11/02/2025, Marcos de Oliveira seleciona do Relatório para MSC que “o governo Trump pode acelerar a multipolaridade do sistema internacional, pois outros atores assumirão maior responsabilidade por certas regiões ou questões políticas”.


A GLOBALIZAÇÃO É VIÁVEL?

O mundo viveu vários tipos de globalização, nenhuma verdadeiramente planetária. A arrogância europeia sempre procurou tratar das questões europeias como Universais: história geral, religião do mundo, tecnologia avançada, e, culminando, todo povo culto e educado residia nos 10 milhões 180 mil quilômetros quadrados da Europa, o menor continente do Planeta.

Por pouco a Inglaterra não fez de seu idioma o do mundo, e os EUA, de sua moeda, o dólar estadunidense, a da troca planetária.

Mas, como a religião católica apostólica romana já foi a mais importante da Europa, e hoje sobrevive, em grande parte, pela capacidade política e midiática do Papa Francisco, o futuro da globalização neoliberal tem seus dias contados.

O modelo unipolar adotado pelo Presidente Donald Trump deverá ter, talvez neste mesmo governante estadunidense, o seu coveiro.

Analise-se a situação deste século XXI.

Uma orientação representa os novos e futuros tempos, a do respeito pela soberania de cada um e de todos. E duas instituições representam este porvir: o acrônimo BRICS e a Iniciativa do Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda, de sigla em inglês BRI.

Os BRICS entre fundadores e parceiros recém-acolhidos contam com o Brasil, Rússia, Índia e China, iniciais em 2006, a África do Sul, primeira a se incorporar, em 2011, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã ingressaram até 2023, e na última reunião, em Kazan, na Rússia, em 2024, tornaram-se parceiros: Argélia, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. A tendência é incorporar ainda novos Estados Nacionais, pois outros países já se candidataram.

A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) contava, em 2024, com 149 países, de todos os continentes. A Iniciativa define cinco grandes prioridades: (a) coordenação política; (b) conectividade de infraestruturas; (c) comércio sem impedimentos; (d) integração financeira; e (e) associar pessoas.

A ICR/BRI tem sido protagonista de grandes programas de investimentos no desenvolvimento de infraestruturas para portos, estradas, estradas de ferro, aeroportos, bem como para centrais elétricas e redes de telecomunicações. No entanto, desde 2019 os volumes de empréstimos da ICR/BRI liderados pela China têm diminuído. Agora a ênfase está nos “investimentos de alta qualidade”, nomeadamente através da maior utilização de financiamento de projetos de mitigação de riscos e financiamento verde.

A ICR/BRI é um mecanismo guarda-chuva cada vez mais importante para o comércio bilateral da China com os parceiros da BRI. 138 países, até março de 2020, aderiram à Iniciativa Cinturão e Rota com assinatura de Memorando de Entendimento (MoU) com a China.

Estas duas instituições têm apresentado resultados muitos superiores, sob todos os aspectos, do que aquelas constituídas no pós-guerra (1944) resultantes do Acordo de Bretton Woods, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e outras relativas aos sistemas monetários, cambiais e de comércio internacional.

A unipolaridade parece ter seus dias contados. As estruturas de governança doravante irão buscar nas próprias bases, para formação dos países, suas organizações políticas, seus modelos distintos, pois cada país está situado num condicionamento geográfico e possui sua própria, específica herança cultural.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

 

HOMEM, TRABALHO E FINANÇAS

 

PROLEGÔMENOS

No começo havia terra e o homem por ela se espalhava. Mas estes primitivos australopithecus afarensis, buscando conhecer aonde os rios e montes levavam, deslocavam-se e se reproduziam rapidamente. Para quem só tinha pernas e braços para se mover e, a cada nove meses, ao menos um outro deles se agregava aos grupos, era feito marcante. Também se uniam para enfrentar as condições antagônicas da natureza e as feras e animais hostis.

Assim, ao longo dos séculos foram se construindo aldeotas, vilas e foi sendo necessário atribuir terras para as famílias, escolher por diversos critérios diferentes quem decidiria as disputas, formando enfim a comunidade humana.

De Lucy, nos seus 1,10 metros de altura, e seus contemporâneos daquela Depressão de Afar, na Etiópia, até nós, os antropólogos e demais cientistas do passado do homem, calculam terem-se decorridos uns 3,5 milhões de anos.

O que se observará, nesta brevíssima reconstituição, é que os tempos de mudanças são cada vez menores, decrescem com a evolução das sociedades humanas e dos seus recursos. O salto da revolução com energia do uso do carvão mineral levou um século para chegar ao do uso do petróleo mas a da fissão nuclear nem bem meio século se passou para a fusão nuclear já estar sendo possível em laboratório, imensa revolução para humanidade.

As polaridades tratadas neste artigo percorrem toda história humana, no entanto, dificilmente se veem como antípodas, pois ressaltaria a escravidão que está presente entre os seres que se consideram racionais, e, para muitos povos, feitos à imagem de um Deus.

Saídos da África, é bastante natural que os primeiros estados se tenham formado na própria África ou bem perto deste continente. E, efetivamente, entendem-se as duas primeiras localizações pelas margens do rio Nilo (o Egito) e o espaço entre os rios Tigre e Eufrates, na planície da Mesopotâmia (Suméria e Assíria), lá pelo vigésimo século antes da era cristã.

Naquele momento, família, estado, poder, religião, formavam uma intricada homogeneidade, mas já se distinguia quem mandava de quem obedecia.

Estado passa por várias formas ao longo da história, não apenas ocidental e europeia, como é comum nos livros em que se estuda no Brasil e no Ocidente, mas procurando influenciar todo mundo. Hoje, a China é exemplo da mais adequada e melhor estrutura organizacional para seu território, com base em sua antiquíssima cultura que remonta ao século XVIII antes de nossa era, e toda evolução tecnológica conquistada pelo homem.

No entanto, as “civilizações” encontram-se em estágios diferentes de evolução, com rumos distintos, e sofrem as condições na natureza, onde o mundo nem consegue alterar nem, provavelmente, escapar.

Vive-se, neste século XXI, do lado ocidental um clímax da submissão pelo dinheiro, o poder das finanças. No mundo oriental se constroem sociedades mais preocupadas com a vida humana, com os desenvolvimentos tecnológicos para o bem estar, não para dominação.

Concluindo estas primeiras considerações, é importante ter em mente que nem sempre os poderes buscam a visibilidade por todos, dir-se-ia que há um universo oculto, procurando até ser esquecido, que controla as sombras e as claridades.


O MUNDO OCIDENTAL DE ROMA À RENASCENÇA

O historiador francês Alberto Malet, no volume que discorre sobre a História Grega, nos mostra que a denominada Grécia Clássica pouco avançava da Antiguidade sendo ainda um local de famílias e de cidades. O primeiro Estado multiétnico, sem ser teocrático, com divisão de poderes que se espalhavam por territórios além das cidades originais foi Roma. E por Roma serão examinadas as relações de dominação que perduram, no mundo ocidental e grande parte da Terra, até o ano 2025 d.C.

A história de Roma é comumente dividida, para além do início lendário, em Realeza (até 509 a.C.), República (até 27 a.C.) e Império, quando se decompõe no ano 476 d.C. Os romanos fundadores, se assim se pode classificar, foram os latinos, os etruscos, os sabinos, os équos e os volscos. Com a queda da Realeza, o poder passa para organizações coletivas, sendo o primeiro grupo a se organizar o dos patrícios, das antigas famílias romanas, que assim reservavam para si os cargos republicanos.

Os cidadãos excluídos da vida política também se organizam (494 a.C.) e tem início a luta política entre patrícios e plebeus que vai formar, a partir da Lei das Doze Tábuas, a maior contribuição de Roma para civilização ocidental, o Direito Romano, que foi designado “Corpus Iuris Civilis”, pois é verdadeiramente um Código de Direito Civil, nem uma constituição nem um direito maior do que cada pessoa deva seguir no benefício próprio e da sociedade em que vive.

O Código do Direito Romano se compunha do Direito das Pessoas, das Coisas (onde eram tratadas a propriedade e a posse e suas garantias), das Obrigações (e dos Contratos, inclusive de créditos), da Família e das Sucessões, além da regras processuais, um Direito Processual sobre como exigir do Estado o atendimento a sua demanda.

O que vai caracterizar Roma não é a libertação dos escravos que lá já existiam e continuariam a existir, eram os poderes coletivo e vitalício do Senado, o eletivo e periódico dos Magistrados e o também eletivo das Assembleias Populares – Cúrias, Centúrias, Tribos e Plebe. O Senado era igualmente o representante do Estado e do Povo, daí a abreviatura amplamente usada e levada a todos lugares: S.P.Q.R. significando Senatus Populusque Romanus (Senado e o Povo Romano).

Porém o que constituiu o grande fenômeno social de Roma foi a classe média. Ela se formou a partir de pequenos proprietários rurais que se alistavam no exército para defesa de sua terra e, ao se urbanizarem, encontravam na política, na justiça, na administração, espaços de trabalho que movimentassem as funções da censura (recenseamento e exame dos costumes), da pretura (competência judiciária, política e militar), do Tesouro Público (questura), eleitorais e edis (mercados, vias públicas e organização dos jogos). O Tribunado da Plebe tinha o direito de propor plebiscitos.

O Império, mais conhecido pelas glórias de César e Augusto e pela fantasia cinematográfica de “Holywood” e “Cinecittà”, foi dominado pela religião cristã e não sobreviveu ao ataque interno e dos povos que cercavam Roma. Toda esta estrutura de poder e construção legislativa desaparecem no longo retrocesso do milênio medieval: 476 d.C. a 1453. Inclusive o desaparecimento da classe média.

Pode-se resumir o surgimento do período denominado Renascimento, que foi tipicamente europeu, pela ocorrência da avassaladora peste no século XIV, e pelo comércio das cidades italianas com a China.

A Europa foi revitalizada, nos últimos séculos da idade média, pelo reaquecimento do comércio, pelas cruzadas e pela agitação da vida urbana. O Renascimento surge como transição do feudalismo para o capitalismo, juntamente com outros sistemas de conhecimento associados à necessidade histórica, modificando valores, ideias, condições de vida da sociedade européia.

Mais confiante em suas próprias forças, o homem renascentista deixou de olhar tanto para o alto, em busca de Deus, passando a prestar mais atenção em si mesmo. Foi este processo, desencadeado na Itália entre os séculos XIV e XVI, denominado “Renascimento”, o retorno ao classicismo grego. O renascimento proporcionou o desenvolvimento do racionalismo, a explicação do mundo através de verdades estabelecidas pela razão, e permitiu o desenvolvimento da observação e de experiências para descobrir as leis que regem a natureza.

Vivemos pouco mais de 500 anos desta época renascentista. Estima-se a existência de 500 milhões de descendentes de Lucy em 1500, hoje somos mais de 8,2 bilhões, as calorias consumidas elevaram-se de 13 trilhões para além de 1,5 quadrilhões/dia.

Adiante examinar-se-á esta relação da necessidade do consumo com as fontes primárias da energia. Se nenhum homem imaginava o mundo além de suas curtas caminhadas, hoje já olhamo-nos do espaço sideral e conquistamos o satélite da Terra como passo para expansão humana pelo Universo.


O MUNDO MODERNO E O CAPITALISMO

A Europa Ocidental considerava que o mundo tinha início e fim em seus limites. Buscou em seus mais categorizados intelectuais construir a “História do Mundo” com os feitos europeus. Ignora a China, que possibilitou a Europa chegar às Américas, saqueá-las e iniciar nova Era, a do capitalismo, até hoje vigorando na Europa e em suas colônias, meras projeções da Europa pelo mundo.

Esquece que a história do mundo chinês se estende por território maior do que o europeu ocidental, heterogêneo, de cinco grupos linguísticos e sete étnicos: sino-tibetano, coreano-japonês, austro-asiático, mongol-tunguze, turco, malaio-polinésio e indo-europeu, onde está o Russo. A própria Rússia só passou a constituir a “História do Mundo”, quando Moscou se expandiu, nos cursos dos rios Dnieper e Volga, ligando o Império, pelos séculos XIII e XIV, do Mar Báltico ao Mar Cáspio.

Esta arrogância europeia foi fundamental para que a escravidão dos seres humanos assumisse a condição econômica no contato com outros povos.

Ao chegarem às Américas, no final do século XV, os europeus encontraram sociedades mais evoluídas, com escrita, literatura e história, além de cidades mais populosas do que as europeias, estradas e arquiteturas originais. Porém de um povo que não fazia da guerra o modo de dominação dos vizinhos, como os europeus. Deu-se o possivelmente maior genocídio da história humana, maior do que o israelense de Benjamin Netanyahu e muitíssimo maior do que o dos nazistas alemães na Segunda Grande Guerra no século XX e os massacres cambojanos de Pol Pot, a frente do Quemer Vermelho, no último quartel do mesmo século.

O capitalismo dividiu-se em dois segmentos: o industrial e da logística e o financeiro e dos serviços. Se estiveram juntos no século XIX, começam a disputar o poder no capitalismo do século XX e surge como vencedor na última década e todo poderoso no século XXI o financeiro e dos serviços.

O antagonismo ao capitalismo também se modifica. A princípio é a questão social, os excluídos dos ganhos, que recebem dois caminhos: o do socialismo de Karl Marx (1867) e o da Igreja Católica, com a Bula Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1891). Porém, as divergências de interpretação e os métodos de ação fazem proliferar os socialismos e as socialdemocracias.

Com a vitória do neoliberalismo financeiro unipolar, a oposição, procurando um caminho que pudesse incluir a maior amplitude de correntes, desenvolveu a multipolaridade, ou seja, os diálogos eram sempre possíveis desde que se respeitassem as autonomias individuais, quer quanto a formas de governo, às ideias religiosas, e os modelos de governança internos.

E, desde a segunda década do século XXI, o mundo está concentrado em dois blocos: o decrescente da unipolaridade, e o crescente da multipolaridade. O primeiro tentando manter as instituições surgidas após a II Grande Guerra, com os Acordos de Bretton Woods, e o segundo criando suas instituições desde 2001, com a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), com nove membros, nove parceiros de diálogo, três observadores e países e instituições convidados.

O trabalho, como ocorre na história do homem, acompanha a evolução tecnológica. A que maior influência vem exercendo desde 1980 é do tratamento da informação e das máquinas que imitam os reflexos e movimentos humanos. Não é por acaso, mas pelas revoluções que modelos e processos de comunicação provocaram na sociedade, também as finanças são caudatárias, acompanhantes das mudanças conduzidas pela aplicação da teoria da informação.

O que mais se observa é a alienação do homem, distanciando-se das críticas a seus próprios comportamentos, iludindo-se com as mensagens das comunicações de massa, dos meios virtuais, e, por incrível que possa parecer, ensinados pelo próprio sistema educacional, do Estado e do “mercado”.

Este articulista acompanha a evolução da governança e do desenvolvimento tecnológico e político da República Popular da China (China) desde o início deste século XXI. Teve a oportunidade de conhecer o trabalho de amalgama do maoísmo com o confucionismo promovido por Hu Jin Tao (2002-2013) e sua criadora continuidade com o atual Presidente Xi Jin Ping.

Acredita que os princípios de libertação do trabalho da escravidão das finanças deverão ser produto das opções da China com a multiplicidade de situações conhecidas nas relações de Soberania dos Países, nestas instituições criadas no século XXI.

Mas nestes primeiros 30 anos do século ainda haverá muita indecisão, as finanças usarão a guerra para se impor, ainda que se espera que as mortes, miséria, fome produzam a consciência da liberdade e, ao fim, vençam os humanismos decorrentes da multipolaridade.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

 

A QUESTÃO ENERGÉTICA

 

PRELIMINARES

As energias apropriadas pelo homem moldaram a civilização. Não se deve esquecer que o homem (homo sapiens) surgiu no fim da Glaciação Würn, o que lhe possibilitou chegar, pelas próprias pernas a todos cantos do mundo, andando aonde com o degelo do período interglacial, este mesmo que vivemos atualmente, viriam ser ocupados pelos oceanos.

As velocidades das mudanças correspondem à sofisticação das fontes primárias de energia. Quanto mais rudimentar, maior tempo se leva para se obter e utilizar uma fonte tecnologicamente mais complexa.

As fontes primárias de energia não se encontram democraticamente espalhadas pelo Planeta; ao contrário, elas se concentram em determinados polos onde seus proprietários podem usá-las para o domínio político.

Mesmo as fontes que aparentemente estão disponíveis para todos os povos, as tecnologias de apropriação e de uso mostram diferentes possibilidades – técnicas, econômicas, geográficas e sociais – de aplicação.

No último século, a disputa pelo poder, fez surgir diversas teorias para controle das fontes de energia, dentre elas as que ficaram conhecidas como “questões climáticas”.

Na luta pela libertação, a energia é fundamental; países com pequena disponibilidade de fontes próprias de energia ficam dependentes de quem as supra, para que seus habitantes tenham o conforto alcançado na civilização contemporânea.

Eurocêntricos dificilmente lançam seus olhos para condições centro africanas, das ilhas do Pacífico e de locais onde parecem desconhecer que também são habitados por seres humanos.


BREVE HISTÓRIA DAS FONTES PRIMÁRIAS DE ENERGIA

A história das fontes de energia se confunde com a própria história da civilização humana. Apenas a soberba europeia não incorpora as conquistas realizadas fora de seus domínios, como será demonstrado.

Ao sair do leste africano, de onde todos surgimos, o homem tinha apenas a energia do próprio corpo e como consequência da última glaciação, não apenas estavam definidos o local do nosso surgimento como os limites para busca por alimento.

Tratamos do homem coletor, que se espalhava apenas pela África onde, pelo seu tamanho, era possível obter frutas, sementes, folhas e outros produtos vegetais, pela região que é denominada Sahel.

O homem caçador já exigia maior destreza e força, para não se transformar em caça. Os antropólogos, majoritariamente, consideram que nossos ancestrais surgiram há 250/300 mil anos e saíram da África há pelo menos 100 mil anos.

Isso significa que há bem mais de 100 mil anos já tinham o controle do fogo, a primeira energia que foi utilizada. Pois sem fogo não teriam como sobreviver às consequências da última glaciação. É necessário ter clareza a respeito dos primeiros passos do homem pois as obras de ficção literária, cinematográfica, pictórica encontram imensa riqueza de temas que atraem muitos de nós.

O fogo foi, inicialmente, resultado da observação daqueles homo sapiens, dos raios que incendiavam as florestas. Levou bastante tempo para que o homem conseguisse produzi-lo e transporta-lo.

Outras energias que foram sendo apropriadas pelo homem foram dos cursos d´água e dos ventos, quando já tinham se estabelecido e aprenderam a produzir seus alimentos. Logo depois, domesticando animais, estes se juntaram à produção energética. Acredita-se que medeiem dez mil anos o homem coletor-caçador se estabelecer como agricultor.

Nesta era de instantaneidades e virtualidades, fica muitas vezes difícil entender o ritmo da natureza, especialmente de ciclos longos como os climáticos e planetários. Também as tecnologias mais sofisticadas são mais rapidamente substituídas do que as mais simples e duradouras.

Outra condição perturbadora é a doutrinação política, ideológica, religiosa, que distorce ou apaga registros históricos para confirmar a soberania ou prevalência de um poder.

Temos um exemplo bem a propósito da questão energética.

Na Idade Média, classificação histórica europeia, séculos V ao XV, enquanto os países europeus queimavam floresta para aquecimento, cozimento alimentar e outros confortos, a China utilizava o carvão mineral e a biomassa na produção energética, que só chegariam à Europa com a Revolução Industrial (1760) e o uso da biomassa no século XX.

Em síntese, podemos afirmar que aquele australopiteco afarense, que surgiu há uns 200 mil anos na Etiópia, levou quase o mesmo tempo para sair do fogo, da água e do vento para recursos mais eficazes de obtenção de energia: as energias fósseis, obtidas a partir de 1760.

É bem verdade que a China já utilizava desde 1200 o carvão mineral, mas é um caso único e isolado, pois a China não colonizava, como faziam os europeus, outras etnias e nações.

Temos então, nestes últimos 300/250 anos, as energias que são hoje consideradas poluidoras e que impedirão o homem de existir? É preciso, como ocorre com a maioria destes crentes, imaginar milagres.


A ENERGIA DOS ÚLTIMOS 250 ANOS

A sequência é assustadoramente rápida.

1750: carvão mineral.

1850: petróleo nas formas líquidas (óleo) e gasosa (gás natural).

1940: da fissão nuclear.

2010: da fusão nuclear, por enquanto somente na República Popular da China (China).

Vamos entender este salto gigantesco da fissão para fusão nuclear.

No primeiro e mais antigo processo, o homem bombardeava o núcleo de certos átomos e gerava a energia que tanto podia desenvolver um país quanto o destruir.

Na fusão nuclear dar-se um Sol, com aquecimento capaz de derreter tudo que estiver ao redor. Imagine uma nave interplanetária lançada em direção ao Sol que nos dá o dia e a noite. O caro leitor certamente já imaginou que esta nave irá se derreter ao se aproximar do “astro rei”.

Este é o passo tecnológico fantástico atingido pela China. Cercar a fusão nuclear de materiais que resistam a esta proximidade do Sol. A quanto mais levará o progresso humano, após obter esta conquista?

 Como ficarão aqueles que “inventaram” uma “questão climática”, ao se depararem com a existência de petróleo fora das áreas sob seus domínios?


DISTRIBUIÇÃO DA ENERGIA FÓSSIL PELO PLANETA

Para que o leitor não se iluda, vamos narrar o acompanhamento que, por 20 anos, realizamos das produções, consumo e reservas de energia, por necessidade profissional, na publicação da empresa British Petroleum, BP Statistical Review of World Energy, que recentemente sumiu da Google.

Para sustentar a farsa das “questões climáticas” esta empresa britânica, sem qualquer esclarecimento para os leitores, começou a incluir nas reservas de petróleo os possíveis óleo e gás natural existentes no Canadá e nos EUA retirados dos folhelhos betuminosos.

Esta pseudo reserva de petróleo já mostra sua especificidade na terminologia de extração; não é um poço que atinge um reservatório e de lá se retira o petróleo. E o “fracking”, literalmente “fraturamento hidráulico”, para cujos donos das terras e operadores da extração Donald Trump dirigiu campanha específica, pois são sempre vítimas das campanhas das Organizações não Governamentais (ONGs) dedicadas ao combate das energias fósseis.

Para obtenção do óleo dos folhelhos é necessário um poço horizontal, pois estes se empilham ao contrário do óleo de reservatórios que impregnam rochas sedimentares. Por este poço horizontal se processa sob altíssima pressão a lavagem e quebra dos folhelhos onde estão os betumes. Esta lavagem sempre adicionam produtos químicos, tipo detergentes, para aumentar a capacidade da lavagem. Na outra ponta do poço horizontal se retira este betume que, por processo semelhante ao de uma separação petroleira ou da produção de cachaça, se obtém o óleo.

Pois bem, caros leitores, a BP soma estes óleos e coloca o Canadá como detendo das três maiores reservas de petróleo do mundo.

Mas não para por aí. Quando a Petrobrás desenvolvia os campos do pré-sal, o que fazia aumentar as reservas, a BP as reduzia nos seus relatórios!

Tais farsas acabaram por eliminar dos Relatórios o item RESERVAS, e não deixar a petroleira do Reino Unido como motivo de piada em congressos e seminários internacionais de empresas de petróleo.

Seguem as páginas do índice no exemplar em inglês de 2024:

“Contents

Introduction

Welcome to Energy Outlook 2024 6

Recent developments and emerging trends 8

Key insights 10

Overview 12

Two scenarios:

Current Trajectory and Net Zero 14

Comparison with IPCC pathways 16

From energy addition to energy substitution 18

Cumulative emissions:

Current Trajectory and Net Zero 20

Delayed and disorderly scenario 22

Energy demand 24

Growth of primary energy 26

Primary energy by fuel 28

Oil demand 30

Road transport 32

Aviation and marine 34

Product demand and refining 36

Oil supply 38

Natural gas demand 40

Imports of liquified natural gas 42

Natural gas production 44

Coal demand 46

Modern bioenergy 48

Power sector 50

Electricity demand 52

Electricity generation by fuel 54

Wind and solar 56

Increasing power sector resilience 58

Low carbon hydrogen 60

Low carbon hydrogen 62

Regional low carbon hydrogen demand 64

Carbon mitigation and removals 66

Carbon capture, use and storage 68

Enablers 70

Energy investment 72

Demand for critical minerals 74

What does it take to accelerate the energy transition? 76

Decomposition by sector 78

Power 80

Industry 82

Transport 84

Buildings 86

Annex 88

Data tables 90

Comparing scenario emissions with IPCC carbon budgets 92

From Current Trajectory to Net Zero 94

Modelling approach for the Delayed Net Zero and fastest

IPCC decarbonization pathways 96

Economic impact of climate change 98

Investment methodology 100

Carbon emissions definitions and sources 102

Other data definitions and sources 104”.

Não constam as reservas de petróleo.



ENERGIA COMO LIBERDADE OU ESCRAVIDÃO

De acordo com a International Energy Agency (IEA) para 2023, o consumo de energia no mundo, em percentagens, assim se distribuía:

Óleo (petróleo): 29,5%

Gás natural (petróleo): 23,6 %

Petróleo Total: 53,1%

Carvão Mineral: 27,2%

Total de energia fóssil: 80,3%

Biomassa: 9,5%

Nuclear (fissão): 5,0%

Hídrica: 2,5%

Outras (eólica, solar): 2,7%.

No Brasil, a energia dos fósseis representava 52,7%, da biomassa, principalmente pela ação do Movimento dos Sem Terra (MST), 25,1%, das fontes hídricas 12,1%, das fontes eólica e solar 8,1%, e nuclear 2%.

Quanto às reservas de petróleo (óleo e gás natural) pode-se identificar quatro grandes polos no mundo, com dados da IEA de 2024.

Maior polo o do Oriente Médio, que por muitos anos se subordinou aos EUA e Reino Unido, mas, desde o surgimento dos BRICS, vem assumindo cada vez maior autonomia. Pelos maiores volumes este polo é composto pela Arábia Saudita, pelo Irã, pelo Iraque, pelos Emirados Árabes Unidos, pelo Kuwait, pelo Qatar, Omã, Iemen e Síria.

O segundo maior polo está na América Latina, principalmente por abrigar o país de maiores reservas no mundo, a Venezuela. Adicionam-se o Brasil, principalmente devido ao pré-sal, a Guiana, o Equador, o México, a Argentina e a Colômbia, com esta recente descoberta em águas profundas pela Braspetro, subsidiária da Petrobrás.

Os terceiro e quarto polo somam reservas bastantes próximas e estão ambos afastados do domínio anglo estadunidense. À Rússia somam-se as reservas do Cazaquistão e do Azerbaijão. Na África, da Líbia, da Nigéria, da Somália, da Argélia, da Namíbia, de Angola, do Egito, do Sudão do Sul, do Congo, do Gabão e do Sudão.

Ao todo quase dois trilhões de barris de petróleo.

O fim próximo do petróleo é um argumento de quem não o tem: EUA e Europa Ocidental. O bem informado leitor perguntará: e a Noruega? E o Reino Unido?

O petróleo no Mar do Norte, onde se encontram as reservas da Noruega e do Reino Unido foram descobertos a partir de 1969 (campo Ekofisk, nas águas norueguesas) quando se acirrava a luta pelo petróleo tendo de um lado os capitais financeiros e de outro os capitais industriais.

Como todos já identificam nesta terceira década do século XXI, o capital financeiro não exige trabalhadores nem consumidores, ele vive da especulação e da acumulação de riqueza. A terra é para locar, não para produzir.

O petróleo do Mar do Norte logo se mostrou pouco e concentrado. Hoje o que se observa são estruturas metálicas, gerando um sério problema ambiental, pois as reservas se foram e custa muito as manter e mesmo as remover.

O petróleo ainda é encontrado na Noruega, que teve a sabedoria de o manter estatal, controlar a produção e buscar mais ao norte, para onde o degelo, desta época interglacial, está ampliando o Oceano Glacial Ártico e possibilitando avançar na exploração. Suas reservas são compatíveis com as do México. Insuficientes para, por si só, gerarem um polo petrolífero.

As finanças, por seus recursos midiáticos, dá a entender que o petróleo está com seus dias contados, em cerca de 50 anos não terá expressão energética que ainda desfruta atualmente.

Mas não mostra que a energia ficou muito mais cara com estas “fontes alternativas”, aquelas primeiras utilizadas pelo homem, das águas, do vento e do Sol. Nem do salto civilizacional dados pela introdução das energias fósseis, que há mil anos já dava a proeminência tecnológica e social à China.

Também finge desconhecer a evolução tecnológica que permitiu a descoberta de petróleo no mar e nas águas profundas em poços de 10.000 metros de profundidade. O conhecimento geofísico, que nos dá a primeira informação sobre os subsolos terrestres e marítimos, avança celeremente, com os crescentes desenvolvimentos do tratamento da informação digitalizada.

Pode ser que, daqui a 50 anos, as reservas mundiais sejam ainda maiores do que hoje.

E quanto maior a disponibilidade de energia, mais qualidade de vida pode ter o ser humano. Embora devamos lutar para a melhor distribuição de riqueza, colocando seus controles nas mãos do Estado Nacional e não nas do “mercado” financeiro, apenas sua maior abundância já nos dará alguns passos no caminho da liberdade.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

 

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

 

INICIANDO

Ingmar Bergman (1918-2007), grande personalidade das artes suecas, dirigiu, em 1955, o filme que no Brasil teve a tradução “Sorrisos de uma noite de amor” (“Sommarnattens leende”). Na cena em que o advogado e o militar disputam a reconquista da ex-amante, trava-se o diálogo que segue:

“Advogado para o militar: Está havendo alguma guerra, agora?”

“Militar: Não, por que haveria?”

“Advogado: É o que sempre me pergunto. Por que haveria?”

A História, que sempre tem lado, procura apresentar a guerra como uma das formas da convivência humana, na Terra e no espaço.

Porém as guerras, embora resultem necessariamente de disputas, representam antes de tudo o poder, desde o poder sobre a pessoa amada, as guerras conjugais, às do poder político-econômico, as guerras e genocídios deste século XXI.

E que poderes procuram ganhar a maior ou total adesão das nações neste século no qual vivemos? Aquele que foi designado na década de 1990 do “fim da história”, ou seja, da unipolaridade, subordinado à potência hegemônica ocidental, ou aquele que surgiu, na primeira década do segundo milênio, vindo de duas fontes diferentes, mas constituindo a mesma multipolaridade.

Levarão as duas correntes à liberdade ou à dependência? E que tipo de dependência? Dominadora ou para, no esforço conjunto e igualitário, atingirem um só e comum objetivo?


DO SURGIMENTO E ESTABELECIMENTO DA UNIPOLARIDADE

O passado mais próximo da construção da unipolaridade se dá com as consequências das duas Grandes Guerras da primeira metade do século XX: a disputa entre três poderes. Em queda o capitalismo financeiro que conheceu seus dias de glória nos séculos XVIII e XIX. O país que melhor o representou foi o Reino Unido, antiga Grã-Bretanha.

Como vitoriosos, após a II Grande Guerra, o capitalismo e o socialismo industriais. No entanto, pela divergência mais profunda entre capitalismo e socialismo, em especial após o desempenho neste segundo conflito da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os capitalismos financeiro e industrial representavam a farsa da unidade, diante de um inimigo comum, muito poderoso. Representavam a unipolaridade os Estados Unidos da América (EUA), secundado pelo Reino Unido e pelo então nascente Estado de Israel, este último cujo maior proselitismo ocorre agora, no século XXI.

Para consolidação da unipolaridade, os estrategistas, desde os anos 1950, trabalharam no sentido da constituição de uma União Europeia (UE), criando suas estruturas institucionais e preparando quadros, especialmente para lhes dar operacionalidade.

Assim criou-se um Estado congregando Estados, com os mesmos poderes: executivo, legislativo e judiciário, da tradição ocidental. Para as forças armadas firmaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Tendo dois fortes Estados, seguiu-se a dominação dos gentios, como na prática dos europeus: na África, nas Américas e na Oceania. A Ásia sempre resistiu às investidas coloniais principalmente mantendo suas línguas tradicionais ativas, quer nas conversas cotidianas, quer nas manifestações artísticas musicais e literárias, quer mesmo nos documentos de valor para a comunidade.

Este fato nos leva a compreender porque a Ásia está sempre na construção das multipolaridades, como se detalhará mais adiante.

Completando a formação da União Europeia, criou-se uma moeda – o euro – para ter outra expressão de soberania, além da governança e da militar, a monetária, muito cara aos condutores desta “unidade”, cuja ideologia era e continua sendo neoliberal financeira.

Do lado dos EUA, a plutocracia governante deu tranquilidade ao reforçar as condições de dominação, mais voltadas desde a Doutrina Monroe (1923) para o controle das Américas Central e do Sul, além do México e do Caribe. Basta recordar os golpes que impuseram as ditaduras militares de Alfredo Stroessner, no Paraguai (1954-1989), de Castelo Branco (1964), no Brasil, e tantas outras como na Bolívia (1964), na Argentina (1966), no Uruguai (1973), no Chile, de Augusto Pinochet (1973), e repetidas por outros ditadores.

Porém muitas das instituições que atuam em prol da unipolaridade surgiram dos Acordos de Bretton Woods (1944), que estabeleceram um sistema para as conversões das moedas, tendo o dólar estadunidense (USD) como referência, e criaram instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (World Bank) e a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945.

Pode-se afirmar que ao chegar a unipolaridade, nos anos 1980, as mídias das Américas a saudaram como “processo de redemocratização” e não como imposição, não mais de ditadores militares, mas desta feita com ditadores financeiros, banqueiros.

E assim vivemos no Brasil nestes últimos 40 anos. Porém houve países que se libertaram, primeiro Cuba, em 1959, com Fidel Castro, seguindo-se a Nicarágua, com a Revolução Sandinista de 1960, a Venezuela, com Hugo Chaves, a Bolívia, com Evo Morales, Honduras, com Manuel (Mel) Zelaya, e, mais recentemente, o México, com Andrés Manuel López Obrador e Claudia Sheinbaum.

Porém na imensa maioria dos 30 países que compõe a América Latina, a unipolaridade e a sujeição aos capitais apátridas já estão impostas.

Na África está surgindo uma segunda leva de Independências. A primeira seguiu-se ao fim da II Grande Guerra, em Gana, antiga Costa do Ouro, em 6 de março de 1957, por acordo de Kwame Nkrumah com representantes do Reino Unido. Com guerras, acordos com os colonizadores e com diversificados governos, perdurou por mais de uma década. Esta segunda independência está retirando os últimos laços com o imperialismo europeu, que recebe apoio dos EUA, submetendo as nações africanas. E já algumas, soberanamente, se incorporam ao conjunto das apoiadoras da multipolaridade.


MULTIPOLARIDADE, UMA CONQUISTA DO SÉCULO XXI

Três instituições, todas constituídas no século XXI, respondem pelo mundo multipolar, embora apenas uma com base em evento deste século. Uma delas remonta a mais de 2000 anos, quando a China abriu-se ao comércio com a Ásia, com o Oriente Médio, chegando até à Europa: a Rota da Seda, em atividade desde 130 a.C. e atuante até a Idade Média europeia (1453).

São elas os BRIC, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR).

OCX - Em junho de 2001, o grupo de países, que haviam constituído em abril de 1996 os “Cinco de Xangai” (Cazaquistão, China, Quirguistão, Rússia e Tajiquistão), decidem ampliar para nova estrutura de nove membros permanentes, incluindo a Índia, o Irã, o Paquistão e o Uzbequistão, de três observadores (Afeganistão, Bielorrússia e Mongólia), nove “Parceiros do Diálogo” (Arábia Saudita, Armênia, Azerbaijão, Camboja, Qatar, Egito, Nepal, Sri Lanka e Turquia) e quatro convidados, um país (Turquemenistão) e três organizações: Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e Organização das Nações Unidas (ONU), formando a OCX, cujos objetivos, já discutidos desde 1997, incluem além da cooperação econômica, a colaboração política e militar para segurança mútua.

BRICS - Em novembro de 2001, analista do Goldman Sachs escreve artigo sobre os países em desenvolvimento que emergiam como candidatos ao estágio de desenvolvidos, no século entrante, criando o acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Em 2006, os Ministros das Relações Exteriores destes países se reúnem em Nova Iorque para discutirem uma operacionalização de temas de interesse conjunto. Três anos depois reúne-se, pela primeira vez, a cúpula dos BRIC, com seus dirigentes. Em 2011, a África do Sul pede para ser incluída nas reuniões, trazendo o S para o acrônimo: BRICS.

Desde então, o protagonismo dos BRICS e a estrutura de atuação, que permite grupar diversidades de políticas e de ideologias mantendo as identidades nacionais, tem feito crescer os pedidos de incorporação. Na última cúpula, em Kazan (República do Tartaristão, Rússia), em outubro de 2024, e com o ingresso da Indonésia em janeiro de 2025, os BRICS são atualmente onze membros plenos: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia. Há grande número de países candidatos ao ingresso nesta organização que dá a impressão de ser a resposta à unipolaridade de organizações criadas no após II Grande Guerra, incluindo a ONU, com a existência do Conselho de Segurança, com poder de veto sobre as decisões dos 193 estados membros, para somente cinco deles: China, EUA, França, Reino Unido e Rússia.

ICR - Em setembro de 2013 foi criada a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) que conta atualmente com 149 países, apenas 44 a menos do que a ONU, distribuídos pela África (53), Ásia e Oriente Médio (34), Europa (29), América Latina e Caribe (21) e Pacífico (12).

Entre 2013 e 2023, mais de um trilhão de dólares estadunidenses (USD) já foram aportados pela ICR, mais da metade em projetos de construção (USD 634 bilhões). Como ocorrera há mil anos, a presença comercial da China transformara o mundo; basta ver as tecnologias chegadas à Europa que a permitiram cruzar o Oceano Atlântico e se enriquecer a custa das riquezas e do genocídio praticado por espanhóis, ingleses, holandeses e portugueses no Novo Mundo.

Hoje, em condições ainda agressivas, no entanto mais contidas, esta presença da China está sendo fundamental na consolidação do mundo multipolar.

Detenhamo-nos nesta compreensão da multipolaridade. Não existe um estágio intermediário: ou o país é soberano ou é colônia. Se o representante de qualquer país senta à mesa de negociações com alguma restrição ao seu poder negocial, o país é colônia. Pode ter alguma flexibilidade, mas não goza de autonomia. E ser colônia não significa dependência de outro país mais poderoso, mas de um sistema político, econômico e até religioso. Nas condições existentes no século XXI, a colonização mais evidente está no domínio das finanças apátridas, das organizações financeiras como BlackRock, Vanguard, State Street, Fidelity, Amundi, que atuam pelas suas representantes locais.

Veja-se o caso do Brasil. Em 25 de fevereiro de 2021, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei Complementar nº 179 que estabelece a “autonomia do Banco Central”, vulgarmente chamada de “independência do Banco Central”. Independência de quem? Ora, caros leitores, do Brasil. Ele passa a estar subordinado aos capitais apátridas cujas organizações gestoras exemplificamos nas cinco do parágrafo anterior.

Esta Lei Complementar que leva a assinatura de Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil, de Paulo Guedes, ministro da Fazenda, e de Roberto de Oliveira Campos Neto, presidente do Banco Central, e até hoje não foi revogada, demonstra que o Brasil não é um Estado Independente, e explica também porque não aderiu à ICR.

Por outro lado, estando praticamente toda a África na ICR, é fácil entender porque aquele continente esteja passando por uma “segunda luta pela Independência”, agora voltada para a soberania nacional, e não pelas disputas ideológicas da “primeira luta pela Independência”.

As relações internacionais nesta formatação do século XXI de submissos à unipolaridade ou aderente à multipolaridade diz muito sobre a condição submissa e soberana das nações.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.