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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 31 de outubro de 2023

TSE declara inelegíveis Bolsonaro e Braga Netto por abuso de poder no Bicentenário da Independência. Declarada a inelegibilidade de ambos por oito anos, contados a partir do pleito de 2022

Terça, 31 de outubro de 2023
O então candidato à reeleição nas Eleições 2022 e seu vice na chapa também foram punidos com multas por conduta vedada

Do TSE
31/10/2023 22:26 - Atualizado em 31/10/2023 22:52

Por 5 votos a 2, na sessão desta terça (31), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou Jair Bolsonaro (PL) e Walter Braga Netto (PL), candidatos à Presidência e à Vice-Presidência da República nas Eleições 2022, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro do ano passado em Brasília (DF) e no Rio de Janeiro (RJ). Com a decisão, foi declarada a inelegibilidade de ambos por oito anos, contados a partir do pleito de 2022.

O Plenário ainda reconheceu, também por maioria, a prática de conduta vedada a agente público, irregularidade que resultou na aplicação de multas no valor de R$ 425.640,00 a Bolsonaro e de R$ 212.820,00 a Braga Netto.

Os ministros determinaram a imediata comunicação do acórdão: a) à Corregedoria-Geral Eleitoral (CGE), para a inclusão dos políticos como inelegíveis no cadastro eleitoral, independentemente da publicação; b) à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), para análise de eventuais providências na esfera penal; e c) ao Tribunal de Contas da União (TCU), uma vez que foi comprovado desvio de finalidade eleitoreira de bens, recursos e serviços públicos empregados nos eventos.

A decisão foi tomada durante o julgamento conjunto de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) e de uma Representação Especial, propostas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pela candidata Soraya Thronicke (União), que concorreu ao cargo de presidente naquele pleito.

Bolsonaro foi declarado inelegível pela segunda vez, por oito anos contados a partir das Eleições Gerais de 2022. A primeira decisão foi dada em julgamento em junho deste ano. Como a penalidade não é cumulativa, o prazo de inelegibilidade permanece o mesmo.

Votação

Por maioria, os ministros seguiram o voto do relator e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, reajustado após o voto do ministro Floriano de Azevedo Marques.


Na sessão da última quinta-feira (26), Gonçalves havia votado pela parcial procedência das Aijes para declarar apenas Bolsonaro inelegível, em razão do desvio de finalidade eleitoreiro envolvendo o uso de bens, serviços e recursos públicos e de vultosos valores investidos, prerrogativas decorrentes do cargo ocupado pelo candidato à reeleição à época. Quanto a Braga Netto, o corregedor-geral havia aplicado apenas a sanção de multa por conduta vedada.

Contudo, na sessão de hoje, Benedito Gonçalves realinhou o voto para acompanhar a divergência aberta pelo ministro Floriano de Azevedo Marques. Com a mudança, a maioria do Colegiado considerou a participação do candidato à Vice-Presidência suficientemente grave para atrair a mesma sanção aplicada ao titular da chapa, que exercia mandato eletivo durante os eventos contestados.

Ficaram vencidos os ministros Nunes Marques, que defendeu somente a aplicação de multa a Jair Bolsonaro, e Raul Araújo, que julgou improcedentes os pedidos feitos nas Aijes e na Representação Especial.

Veja, abaixo, como votou cada ministro:

André Ramos Tavares

O julgamento foi retomado nesta terça com o voto do ministro Ramos Tavares, que acompanhou a divergência parcial inaugurada pelo ministro Floriano de Azevedo Marques e votou pela inelegibilidade de Bolsonaro e de Braga Netto, com a aplicação das multas nos termos do voto do relator. Para o ministro, está claro que, desde a concepção dos eventos, já ao convocar a população por intermédio das redes sociais digitais e outros canais de comunicação, a data comemorativa era visada em prol da campanha eleitoral dos investigados.

Portanto, segundo Ramos Tavares, o que se depreende das ações, na realidade, “é a ocorrência de um aproveitamento parasitário do dia da celebração pública e, consequentemente, um aproveitamento de boa parcela da estrutura estatal voltada à consecução das festividades para dar corpo e impulsionar o ato de campanha programado, não por acaso, para a mesma data das comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil”.

Cármen Lúcia

A vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, também votou na linha da divergência parcial. “A prova produzida era de deliberada confusão entre a função de presidente da República e os interesses particulares dos candidatos na chapa para presidente e vice-presidente”, ressaltou, alegando ainda que houve uma captura da data comemorativa por um ato de campanha destinado aos apoiadores dos candidatos.

A ministra fez um breve resgate de momentos anteriores ao Bicentenário e que, segundo ela, demonstram que os atos praticados em 7 de setembro foram previamente planejados. De acordo com Cármen Lúcia, o investigado fez apelos à militância e convocou o eleitorado, utilizando, para isso, do aparato público. “Não há dúvida alguma de que todo este aparato, de espaço físico, servidores, serviços públicos, foi utilizado em benefício de uma campanha, e não seguindo rigorosamente o cumprimento e aquilo que seria necessário para que se tivesse a comemoração oficial e impessoal, como é próprio de uma República”, afirmou.

Cármen Lúcia defendeu ainda que, diferentemente do que foi alegado pela defesa de Bolsonaro, não houve afastamentos no tempo e no espaço que impedissem que o eleitor não confundisse os eventos e “não achasse que o poder estava sendo exercido de forma abusiva”.

Nunes Marques

O ministro Nunes Marques votou pela condenação de Bolsonaro por conduta vedada (incisos I e II do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997), com a aplicação de multa de R$ 20 mil por cada um dos eventos que aconteceram após as comemorações do 7 de setembro, totalizando R$ 40 mil. O ministro afastou qualquer punição a Braga Netto, por entender não caracterizada a prática de conduta vedada pelo vice.

“Me parece óbvio que o Bicentenário de nossa Independência seria festejado de maneira especial, estivéssemos em ano eleitoral ou não. Então, o argumento dos gastos com essa solenidade não é capaz de sustentar, por si só, sua conotação eleitoral, tampouco a cobertura da imprensa oficial não desperta em si qualquer perplexidade”, sustentou o ministro.

Nunes Marques considerou falha a tese dos investigantes de que os fatos narrados também podem ser enquadrados como abuso de poder. “Os dois eventos não tiveram potencial de violar de maneira grave os bens jurídicos tutelados pelas normas”, frisou.

Ainda conforme o ministro, tem-se no evento do Rio de Janeiro rotina em tudo similar à adotada em Brasília, inclusive quanto ao deslocamento de Bolsonaro para a estrutura montada nas proximidades de onde houve a comemoração a fim de que pudesse participar como candidato de comício. “A leitura que faço desse episódio ocorrido na capital fluminense é a mesma do realizado na capital federal”, disse Nunes Marques.

Alexandre de Moraes

O presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, também votou para condenar à inelegibilidade Bolsonaro e Braga Netto e para aplicar as multas. Segundo ele, as condutas vedadas que versam sobre o uso do aparato estatal nos eventos em comemoração ao Bicentenário são flagrantes. Vídeos e imagens comprovam que os ilícitos já estavam sendo arquitetados desde a convenção do Partido Liberal até o dia anterior ao evento, em que houve “uma verdadeira fusão entre ato oficial institucional e ato eleitoral”.

De acordo com o ministro, no dia 24 de setembro [julho], na convenção do PL Nacional, amplamente divulgada pela imprensa, houve convite para o evento do Governo Federal, afugentando todos os que não concordavam com o candidato. Para Moraes, o roteiro do 7 de setembro já previa todos os atos, desde o chamado que foi feito em Brasília para o evento no Rio, até o deslocamento do tradicional desfile para Copacabana. Com a análise dos processos, Moraes concluiu que “houve a triste instrumentalização das Forças Armadas para uma candidatura a presidente e vice-presidente”. Assim, houve também o abuso do poder econômico.

Moraes lembrou que, no dia anterior, na propaganda eleitoral, Bolsonaro chamou seus eleitores para o evento. No 7 de setembro, o candidato começou o dia no Palácio da Alvorada, com entrevista chamando eleitores novamente para as comemorações, reforçando a confusão entre candidato e presidente da República, que depois tornou-se fusão entre evento cívico-militar e ato eleitoral. “O discurso [de Bolsonaro] foi extremamente eleitoreiro durante as comemorações”, disse.

Além disso, prosseguiu Moraes, como se não bastassem todas as provas, Braga Netto ainda fez uma espécie de confissão em uma entrevista ao falar sobre o evento citando o comparecimento dos apoiadores da chapa e todo o aparato estatal presente. Segundo o ministro, o candidato a vice esteve presente e contribuiu para os eventos. “A prova é extremamente robusta em relação a ambos os investigados”, finalizou o presidente do TSE.


BA, JL, JV, MC, RS/LC, DM

Processos relacionados: Aije nº 0600972-43.2022.6.00.0000, Aije nº 0600986-27.2022.6.00.0000 e Representação Especial nº 0600984-57.2022.6.00.0000

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Dia do Saci: professores e artistas resgatam guardião da floresta. Para pesquisadores, pouca visibilidade mostra cultura racista

Terça, 31 de outubro de 2023
© Joédson Alves/Agência Brasil

Por Luiz Cláudio Ferreira - Repórter da Agência Brasil - Brasília - Publicado em 31/10/2023

Mensagem em inglês convidando para a festa de Halloween nas escolas não é uma cena de filme estrangeiro, mas de possíveis cenários de escolas brasileiras em 2023. Nesta terça (31), Dia do Saci, é possível que esse símbolo da cultura brasileira possa, mais uma vez, sofrer apagamentos e que as crianças desconheçam o que o personagem lendário significa além da imagem do menino preto com um gorro vermelho na cabeça. Saci, conforme explicam os pesquisadores, é uma lenda que ensina crianças e adultos, e a negação desse mito espelha o racismo nacional de cada dia.

Segundo pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, contestar a destruição das nossas lendas é uma missão para a sociedade, uma ‘travessura’ ou uma ‘traquinagem’ necessárias para fazer viver o menino cheio de energia. “Um país que se honra tem a cultura e a educação interligadas. A gente sabe que o nosso país tem dificuldade de respeitar as crianças. Então, esse menino vem com uma roupagem de moleque, só que não é (apenas) um moleque”, diz a pesquisadora Neide Rafael.

Ela é uma das professoras pioneiras no Brasil no ensino da história e da cultura afro-brasileira pelo menos duas décadas antes de essa conduta virar a Lei 10.639 (de 2003), que completou 20 anos e determina a inclusão desses assuntos em sala de aula em prol de uma educação antirracista.
Guardião
Brasília - Pesquisadores falam sobre Dia do Saci, comemorado nesta nesta terça-feira, 31 de outubro - Foto Joédson Alves/Agência Brasil

Neide explica que a lenda não está revestida de maldade. “O Saci tem uma atribuição. É o guardião da flora e da fauna. Ele precisa ser apresentado aos estudantes como aquele que preserva a vida”, diz a professora. O Saci, então, representa a nossa ancestralidade, identidade e valores.

“É aquele que transgride e questiona. Ele busca a liberdade para todos os oprimidos”. A imagem do Saci com uma perna também poderia ser utilizada para inclusão, no entender da professora. “Opõe-se a qualquer Halloween da vida, que não tem nada a ver com a gente”.


Duas pernas

Também pesquisador do tema, o professor de arte Edmar Galiza contextualiza que o Saci Pererê nasceu na mitologia dos indígenas Guarani, na metade do século 18. “Era uma figura que tinha duas pernas. Ele vivia nas matas para protegê-las dos caçadores, saqueadores e destruidores da floresta. O Saci é uma das figuras mais reconhecidas e importantes do folclore brasileiro”, afirma.

Mesmo assim, e com a evolução da legislação, o país não foi capaz de alterar o racismo impregnado. Para o professor, que faz doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no estudo da construção da educação antirracista e decolonial, é “muito difícil” a escola estar fora do lugar social em que vivemos. “A escola pode trazer mudanças, mas não sozinha. O racismo está em todas as nossas instituições, por isso falamos em "racismo estrutural", pois permeia nossas instituições cotidianamente”. Essa lógica ajuda a entender que a marginalização da nossa cultura afro, indígena e híbrida atua em prol da valorização da cultura europeia e estadunidense. “As nossas referências vão sendo cada vez mais importadas”.

Sincretismo

O pesquisador Edmar Galiza sugere, inclusive, que uma possibilidade de o tema ser trabalhado em sala de aula é lembrar a origem da lenda e como a figura do Saci foi se transformando. “Trazer o tema para a sala de aula, para aumentar o universo cultural e artístico dos e das estudantes, mostrando a nossa cultura, nosso folclore, nossas histórias e lendas”, exemplifica.
Brasília - Dia do Saci é comemorado em 31 de outubro - Foto Joédson Alves/Agência Brasil

Para a professora Neide Rafael, é necessário recordar que a lenda está ligada à liberdade e à democracia do ser, que guarda elementos do sincretismo cultural brasileiro. “O cachimbo e a fumaça vêm com os indígenas. E o mito negro e africano são da maior importância. Ele é energia, um encantado, um orixá dentro das religiões de matriz africana”.

Os pesquisadores entendem que a construção feita pelo escritor Monteiro Lobato sobre o Saci distorceu a lenda. “Essa figura do menino negro de uma perna só passa principalmente pela recriação do personagem (no Sítio do Picapau Amarelo)”, diz o professor Edmar Galiza.

O saci de Monteiro Lobato colocaria, na avaliação de Neide, a lenda de “maneira pejorativa”. “O Saci é guardião, é energia, liberdade mental que todo ser humano tem , principalmente, uma criança precisa ter”, diz. Para ela, é necessário valorizar as raízes que fazem com que as crianças brinquem de amarelinha ou trava-línguas.
O Saci no palco

O Saci inspirou a companhia de teatro Andaime, do Distrito Federal, a recuperar o espírito da lenda. Em um espetáculo elaborado quando estavam em Portugal, “O Saci é uma Peça”, os artistas criaram uma história em que a lenda brasileira invadia o palco da Chapeuzinho Vermelho.

A atriz Tatiana Bittar explica que o trabalho é encenado em escolas e também em espaços abertos, como parques. “É uma peça cheia de brasilidades. Nós temos em comum sermos alimentados pela mitologia brasileira”.

Na peça do grupo, o Saci desmonta a história da Chapeuzinho. A montagem já completou dez anos desde que foi criada. Além da peça, a companhia criou um disco para contar a mesma história, mas adaptada à linguagem radiofônica.
Brasília - Dia do Saci é comemorado nesta terça-feira, 31 de outubro. Pesquisadores falam sobre o personagem - Foto Joédson Alves/Agência Brasil

O Saci dança também no embalo da híbrida Banda BaianaSystem, de Feira de Santana (BA). “Esse é outro aspecto importante em relação ao Saci: as recriações da figura e do significado dele”, diz o professor Edmar Galiza. Uma mistura de reggae com guitarra e ritmos afro-brasileiros em uma releitura de nossa lenda em alto e bom som: "O Saci Pererê vai dançar numa perna só/ Quem tá só, fica junto, quem tá junto, fica só".

Galeria Saci Pererê - Joédson Alves/Agência Brasil


*As fotos dessa reportagem foram produzidas em um ensaio artístico com o ator Weslei Júlio Dias Santana interpretando o personagem folclórico. A produção utilizou técnicas de fotomontagem, longa exposição para sobrepor a imagem e uso de edição para apagar parte da perna do ator para simular o Saci, que pela lenda brasileira tem apenas uma perna.


*Matéria alterada às 11h30 de hoje (31) para acréscimo de informações.

Edição: Graça Adjuto

Por que parou, parou por que? – a novela da Escola Classe 59

Terça, 31 de outubro de 2023
EC 29 Ceilândia Foto de Tony de Oliveira-Agência Brasília

Do Blog Brasília, por Chico Sant'Anna
Há sete anos, a comunidade da Ceilândia espera ter de volta a Escola Classe 59, interditada em 2016 por risco de desabar. A obra atrasou a começar, foi paralisada em 2022 (foto) por irregularidades na sua execução, retomada e, agora, TCU e GDF divergem sobre o estado dela: esta paralisada ou em andamento? Foto de Tony de Oliveira/Agência Brasília.

Por Chico Sant’Anna

O hit Por Que Parou, Parou Por Que?, de Moraes Moreira bem que poderia ser a melô da Escola Classe 59 de Ceilândia, cuja reconstrução se arrasta há sete anos. E agora, ela é alvo de discrepância de informações entre o Tribunal de Contas da União – TCU e o Governo do Distrito Federal. O TCU acaba de lançar uma ferramenta na qual os cidadãos podem acompanhar o andamento de obras custeadas com recursos federais. São obras sob execução dos governos locais, ou federal, mas segmentadas geograficamente. Aqui em Brasília, a reconstrução de uma escola na Ceilândia gera divergência entre o que diz o TCU e o GDF. Para o Tribunal, a obra está parada, para o Buriti, ela está andando normalmente. Indagados sobre a razão das discrepâncias, o GDF não se posicionou e o TCU disse que essas eram as informações oficiais do Ministério da Educação.

Consta na tabela do TCU que para a reforma da Escola Classe 59 de Ceilândia, localizada na Área Especial 2, Guariroba, o governo federal alocou ao GDF R$ 6.089.958,68. A obra estaria paralisada, com pouco mais de dez por cento de sua execução. Já a secretaria de Educação do DF nega. Informou à coluna que as obras de reconstrução da Escola Classe 59 estão em andamento, que já foram executados 25% e que serão quatorze salas de aula, com capacidade para 840 alunos do 1ª ao 5ª ano do Ensino Fundamental nos dois turnos.

Novela

A história dessa unidade de ensino lembra novela mexicana. Em 2016, a Justiça mandou interditar o colégio. A defesa civil o condenou por risco de desabamento. As instalações originais datavam de setembro de 1989. Fiações expostas, goteiras, vazamentos de gás, estruturas metálicas se desprendendo do teto, alagamentos, infestação de ratos, dentre outras mazelas, faziam parte do cotidiano dos alunos.

Águas brasileiras: Carta aberta a Lula

Terça, 31 de outubro de 2023

Águas brasileiras: Carta aberta a Lula

Protegidos pelo silêncio da mídia, grupos privados capturam o saneamento. Processo contraria discursos do presidente e tendência internacional. Mas BNDES o financia – enquanto estrangula empresas públicas. Que está acontecendo?



OUTRASPALAVRAS                     ALÉM DA MERCADORIA


Publicado em OUTRASPALAVRAS em 30/10/2023 às 19:38 - Atualizado 30/10/2023 às 20:01


Exmo. Sr. Presidente Lula

Em 1º de janeiro de 2023, assistimos esperançosos seu discurso de posse, quando afirmou que a principal diretriz do seu Governo seria o combate implacável à desigualdade, por meio do fortalecimento de várias políticas públicas, entre elas o abastecimento de água, a coleta e tratamento de esgotos. Foi, também por essa agenda que os integrantes das entidades que subscrevem esta carta estiveram incansavelmente nas ruas durante o processo eleitoral. O combate foi duro, mas o objetivo era justo, e somos parte da vitória.

No entanto, nos é preocupante observar que, se o país continuar a seguir as políticas adotadas pelo BNDES, o saneamento básico afundará no abismo. A financeirização e a mercantilização do que é um direito humano são lógicas diametralmente opostas à nossa, orientada pela luta por um saneamento inclusivo, sob o controle da gestão pública.

A partir de 2004, durante seu primeiro governo, e especialmente com o lançamento do PAC em 2007, o BNDES passou a atuar de forma mais intensa no setor, financiando ampliações e melhorias no saneamento básico. A partir de diretriz do seu governo, naquele momento foram contempladas com recursos do banco companhias estaduais de saneamento como Sanepar (PR), Copasa (MG), Sabesp (SP), Cesan (ES), Compesa (PE), Saneago (GO) e Corsan (RS). No seu segundo mandato, aumentou o número de contratos com entes públicos, tendo sido financiados, além das companhias estaduais, projetos para o abastecimento de água e o esgotamento de governos estaduais, como de Sergipe, Santa Catarina e Pernambuco, e de governos municipais com serviços autônomos, com papel relevante da Funasa e do Ministério das Cidades.

O Brasil foi escolhido neste ano de 2023, pela ONU-Água, como um dos três casos de sucesso no cumprimento dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. O sucesso brasileiro deve-se basicamente à evolução dos indicadores relacionados ao tratamento de esgotos e à consequente melhoria na qualidade da água. O relatório da ONU aponta que nas décadas de 2000 e 2010, “investimentos federais de larga escala foram alocados, com contribuições dos estados e outras fontes”, tendo sido citado o PAC. Pode-se dizer que o êxito ocorreu graças ao investimento público, grande parte no seu governo e esse avanço ocorrido no saneamento não tem sido abordado pela grande mídia, que dá destaque ao que ainda resta por fazer, no afã de justificar a privatização.

Contudo, a partir do golpe contra a Presidenta Dilma em 2016, o BNDES passou a apoiar intensamente projetos de privatização dos serviços de saneamento, participando ativamente nos novos arranjos organizacionais que redundaram na privatização de estatais, servindo de plataforma retórica a favor da privatização, e condicionando o acesso a recursos pelas estatais à sua submissão ao capital privado. Enquanto isso, esquecidas, as companhias estaduais tiveram de clamar por socorro a instituições internacionais, incluindo alemãs, japonesas e francesas ou a bancos privados, com taxas elevadas que dificultam sobremaneira uma universalização que respeite a modicidade tarifária.

Extremamente preocupante é a evidente contradição, em que, quase vencido o primeiro ano do Governo de União e Reconstrução, o BNDES prossiga com a mesma trajetória definida pelo governo derrotado nas urnas, dedicando-se prioritariamente a apoiar as privatizações dos serviços de água e esgoto – isto é, a mobilizar recursos públicos para financiar concessões, PPPs, alienação do controle estatal e aquisição de debêntures de empresas privadas.

Somente em 2023, os investimentos contratados em saneamento pelo BNDES já ultrapassaram em 929% a soma de todos os financiamentos no setor em 2020, ano da edição da Lei 14.026 que alterou o Marco Legal do Saneamento. Destaca-se a subscrição de debêntures lançadas por empresas privadas, no valor de R$3,7 bilhões.

Vale lembrar que, durante a campanha eleitoral, V.Ex.ª foi enfático na defesa da prestação pública dos serviços de saneamento e, em dezembro de 2022, ao anunciar a indicação de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES, defendeu a prestação pública desses serviços, reconhecidos pela ONU – e por V.Ex.ª – como direitos humanos.

Disse ainda que buscaria atrair investidores internacionais para o país, mas para investir em projetos e não mais em processos de privatizações, afirmando que nenhuma companhia estatal seria vendida em sua gestão: “Nós somos iguais a todo mundo e nós queremos ser donos do nosso território. Vão acabar as privatizações nesse país. Já privatizaram quase tudo. Vai acabar e vamos provar que algumas empresas públicas vão poder mostrar a sua rentabilidade”.

Companheiro Presidente, sua experiência corrobora o que analistas independentes afirmam: os agentes privados colocam a maximização da remuneração dos seus acionistas à frente da universalização e da qualidade dos serviços que devem prestar. O exemplo mais recente é o da Thames Water, prestadora privada dos serviços de água e esgoto de Londres, que está afundada em vultosas dívidas e com péssimo desempenho, impactando na degradação da qualidade das águas do Rio Tâmisa e na balneabilidade das praias. A situação é tão grave que, em 14/07/2023, a diretora da Agência Ambiental britânica solicitou “que os executivos-chefes e os membros de conselhos sejam presos e demitidos já que parecem não se intimidar com ações de fiscalização e com a aplicação de multas judiciais por violar as leis ambientais”. Esse contundente exemplo demonstra por que existe um fenômeno mundial de massiva reestatização dos serviços de água e esgotos, em diferentes países, de distintos níveis de desenvolvimento, em todos os continentes. No Brasil, entretanto, com o acintoso apoio do BNDES, caminhamos na contramão da história.

Senhor Presidente, para que o país avance na universalização do acesso aos serviços de saneamento é preciso garantir recursos onerosos e não onerosos da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como aos respectivos prestadores públicos dos serviços.

Não é possível que, em nome do controle do endividamento público, o Conselho Monetário Nacional – CMN – continue dificultando crédito às companhias públicas, mesmo quando possuem capacidade de endividamento. Impede-se assim que o povo atendido por essas tenha acesso a um serviços básico e essencial, como água potável e esgotamento sanitário, e com modicidade tarifária.

As restrições impostas pelo CMN afetam igualmente o acesso a recursos onerosos do Banco do Nordeste, do Banco da Amazônia, do Banco do Brasil e, especialmente, do FGTS, como registrado pelo Conselho Curador deste Fundo no seu mais recente relatório anual:

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Câmara de gás —STF mantém prisão de ex-agente da PRF acusado da morte de Genivaldo

Segunda, 30 de outbo de 2023
Genivaldo já dentro da câmara de gás (crédito — Reprodução/Twitter)
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© Marcello Casal JrAgência Brasil

Defesa alega que ex-policial passa por graves transtornos mentais

Por André Richter - Repórter da Agência Brasil - Brasília - Publicado em 30/10/2023 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta segunda-feira (30) a decisão que manteve a prisão de Kleber Nascimento Freitas, um dos três ex-agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) acusados de participação na morte de Genivaldo de Jesus Santos, em maio de 2022.

O colegiado validou uma decisão individual do ministro Edson Fachin, relator do caso, que rejeitou pedido de soltura feito pela defesa do acusado.

A defesa do ex-policial recorreu ao Supremo para derrubar decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a prisão. Entre os argumentos apresentados, os advogados afirmaram que Freitas passa por "graves transtornos mentais" e não há condições adequadas para tratamento na prisão.

Chacina de Acari ajuda a entender desaparecimentos, diz especialista

Segunda, 30 de outubro de 2023
© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Caso começou a ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos

Por Rafael Cardoso – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro -Publicado em 30/10/2023

Há duas semanas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) começou a julgar um crime que está sem respostas há 33 anos: a Chacina de Acari.

Em julho de 1990, onze jovens da comunidade desapareceram em Magé, na Baixada Fluminense. Familiares das vítimas pedem que o Estado brasileiro seja responsabilizado, já que um grupo de policiais militares e civis é suspeito de ter sequestrado e matado os jovens.

A procuradora de Justiça Eliane de Lima Pereira participou como perita da audiência que aconteceu em Bogotá, na Colômbia. Ela falou com a Agência Brasil sobre o andamento do processo e a questão dos desaparecimentos no país.

Além de ter exercido os cargos de assessora de Direitos Humanos e Minorias do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e de coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID/MPRJ), Eliane desenvolve uma pesquisa de doutorado que aborda as chacinas de Acari e da Favela Nova Brasília (1994).

Segundo a procuradora, a Chacina de Acari virou uma referência para todos os que analisam e debatem desaparecimentos no Brasil, por envolver recortes claros de raça, gênero, idade, classe e território.

“A década de 1990 pode ser vista como uma transição para o estado democrático de direito. Nesse período, tivemos muitas violações graves de direitos humanos. A Chacina de Acari tem traços que são visíveis ainda hoje em outros casos. A maioria dos desaparecidos é homem, jovem, negra e mora em territórios desprovidos de questões básicas de cidadania. Isso mostra claramente que existem categorias mais vulneráveis ao desaparecimento.”

domingo, 29 de outubro de 2023

Líder quilombola Doka é assassinado no Maranhão. Ataque ocorreu dentro do território, que aguarda titulação

Domingo, 29 de outubro de 2023
© Foto Mídias socias.

Publicado em 29/10/2023 - Por Agência Brasil - Rio de Janeiro

O líder quilombola José Alberto Moreno Mendes, de 47 anos, foi assassinado na tarde da última sexta-feira (27) por dois atiradores, em frente a sua casa. Conhecido como Doka, ele morava no povoado Jaibara dos Rodrigues, no Território Quilombola Monge Belo, em Itaipuaçu-Mirim, no Maranhão, que aguarda titulação há quase 20 anos.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Maranhão (CEDDH/MA) manifestou indignação pelo crime pediu pronta intervenção do aparato de segurança pública estadual para apurar o ocorrido.

"Ao mesmo tempo protestamos contra a morosidade do Incra na tarefa de titulação desse território", diz nota divulgada neste domingo (29). O conselho contabiliza que, entre 2005 e 2023, 50 quilombolas foram assassinados no estado do Maranhão.

Brasil chega a 84 cidades com passe livre pleno no transporte coletivo

Domingo, 29 de outubro de 2023
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Maioria está no estado de São Paulo (24), seguido de Minas Gerais (23)

Por Bruno Bocchini - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

O fim da cobrança da passagem no transporte coletivo público urbano tem avançado nas cidades brasileiras: 2023 já é o ano em que mais municípios no país adotaram o chamado passe livre pleno, ou seja, que abrange todo o sistema de transporte durante todos os dias da semana – são 22 municípios que decidiram aderir ao sistema de tarifa zero. O ano de 2021 foi o segundo em mais adesões: 15 municípios. Os dados são do pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Santini, que estuda políticas públicas de mobilidade, sistemas de gestão e modelos de subsídio de transporte coletivo.

No total, o país atualmente tem 84 cidades com o passe livre no sistema de transporte durante todos os dias da semana, a maioria delas no estado de São Paulo (24), seguido por Minas Gerais (23), Paraná (dez), e Rio de Janeiro (nove). Os municípios com maior população que adotaram a tarifa zero são Caucaia (CE), com 355 mil habitantes; seguido de Maricá (RJ), com 197 mil; Ibirité (MG), com 170 mil, Paranaguá (PR), com 145 mil; e Balneário Camburiú (SC), com 139 mil.

“Dos anos recentes, 2023 é o ano que mais houve experiências novas de tarifa zero. Tem uma tendência de crescimento muito rápida e uma evolução que chama bastante atenção”, destaca Santini. "Os motivos para ter um aumento da adoção da tarifa zero em 2023 são muito parecidos com os últimos anos. Isso está relacionado a uma grave crise no transporte público coletivo, em todo o país”.

Autor do livro Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização, o pesquisador cita o exemplo do município de São Paulo que, de 2013 a 2022, perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus. Ele explica que, com o encolhimento do número de pessoas transportadas, torna-se mais difícil o equilíbrio financeiro a partir da receita da catraca. A situação é de um círculo vicioso. Para manter a mesma receita com menos passageiros, é necessário elevar o valor da passagem; o aumento da tarifa, no entanto, faz reduzir o número de passageiros.

“A gente tem aí um horizonte que é muito preocupante para a sobrevivência e continuidade de transporte público", diz Santini, ao destacar que por esse motivo estão sendo estudadas e testadas "novas possibilidades de financiamento e organização”.

Em junho, vereadores de São Paulo propuseram um projeto de lei (PL) que dá passe livre parcial no município paulista, especialmente para pessoas de baixa renda: inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) e desempregados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O PL está em tramitação na Câmara dos Vereadores, na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ).

No final do ano passado, a prefeitura de São Paulo pediu um estudo de viabilidade para a adoção do passe livre na cidade. O projeto Tarifa Zero está sendo desenvolvido pela São Paulo Transporte (SPTrans), empresa pública que faz a gestão do transporte no município. Segundo a administração municipal, o levantamento ainda não está pronto. “Não há detalhes disponíveis para divulgação no momento”, disse a SPTrans, em nota.

Edição: Juliana Andrade

FOLCLORE —Dia do Saci ou Halloween? Iniciativa quer valorizar tradições brasileiras no dia 31 de outubro

Domingo, 29 de outubro de 2023

Saci Pererê interpretado pelo ator Ornelas Filho no Sítio do Picapau Amarelo - Reprodução / Jornal Extra

Pesquisadores e adoradores do Saci buscam confrontar a onda imperialista "de doces e travessuras"

Rádio Brasil de Fato
Afonso Bezerra (em 28 de Outubro de 2023)


Há vários projetos de lei que tentam oficializar a criação do Dia do Saci. Mas a data não é consenso

Ele tem uma perna só, usa um gorro vermelho e jamais se separa do seu cachimbo. Uma das lendas mais famosas do folclore brasileiro, o Saci Pererê é um personagem marcante da nossa história. Porém, ele nem sempre, digamos, teve essa característica que todos nós conhecemos.

Ao longo da história, o Saci teve diversas formas. Ele reúne influências europeias, indígenas e africanas. Entretanto, foi Monteiro Lobato, escritor do pré-modernismo brasileiro, quem deu a fama ao rapazinho. Tudo começou no fascículo infantil do jornal O Estado de S. Paulo.

Lobato enviou para os leitores perguntas gerais sobre o Saci e, com as respostas, elaborou, em 1917, o livro O Saci Pererê. A partir de então, o personagem do folclore aparece como traquino, travesso e dono de muitas aventuras.


“O Saci é o mito da impostura. Ele enfrenta os poderosos, o racismo colonial, a elite agrária conservadora que tentava o dominar. Ele enfrenta isto com astúcia, e não com força bruta, e com riso, com humor”, define Andriolli Costa, pesquisador sobre folclore.

Mas o folclore não é só imaginação. Tem muita coisa da realidade das nossas vidas e sociedade. E o Saci, muitas vezes, é representado de forma negativa, evidenciando o peso da escravidão nos relatos folclóricos brasileiros. Por causa disso, tem muita gente "atualizando" o Saci para o debate contemporâneo.

É o caso do filme Além da Lenda, da Viu Cine, em Pernambuco, com direção de Marília Maffé e Marcos França. Nele, o Saci surge com uma vibe positiva, descontraído e super amigo das outras lendas, sem perder as características originais.


“A gente tentou desconstruir essa associação de Saci, por ser um personagem negro, à malícia, para tirar esse estereótipo do negro malandro, traquino, que só faz travessuras. Aqui, a gente reconstrói ele, e apresenta um Saci amigão de todo mundo. Justamente por ser uma lenda muito conhecida no Brasil, a gente entendeu que ele era o líder das lendas brasileiras", explica Erickson Marinho, roteirista do filme. “A gente tenta manter a essência. O nosso Saci continua de uma perna só, ele continua de gorrinho vermelho, ele continua sendo um personagem da natureza. Mas tudo aquilo que a gente acha que é inadequado e que não cabe mais na nossa sociedade, a gente realmente reconfigura”, complementa.

No filme, o Saci é uma espécie de guardião de um livro sagrado das lendas brasileiras. E nessa trama ele vive outro dilema: proteger a tradição brasileira da influência estrangeira, representada no filme pelos ícones do Halloween. Para Erickson Marinho, há um desequilíbrio no consumo dos dois tipos de cultura.

“A gente tem aí dez anos de filmes da Marvel incessantemente sendo lançados no cinema. Então, uma criança hoje que tem entre dez e onze anos, ela cresceu dentro desse universo. Então é isso que ela conhece. Muito forte. Todas as culturas são bem-vindas, inclusive é o que a gente defende no nosso filme, no nosso projeto. Mas que a gente tem que equilibrar um pouquinho mais para não ficar olhando só para o que vem de fora", pontua o roteirista.


Há vários projetos de lei que tentam oficializar a criação do Dia do Saci. Mas a data não é consenso. Muita gente acha que é uma forma de criar uma confusão onde não existe. Acontece que os pesquisadores e adoradores do Saci reforçam que a ideia é exatamente confrontar a onda imperialista “de doces e travessuras” do Halloween que tem afogado as tradições brasileiras.

“A gente vai tirar sarro do Halloween mesmo. A gente vai fazer, pegar a cultura estadunidense e remexer ela ali, e incomodar. Esse é o maior motivo do dia do Saci ser no dia 31: incomodar. E se a gente não incomoda, se a gente não gera essa inquietação, que é uma inquietação que vem numa defesa de uma cultura que não é nossa, a gente não movimenta esse debate”, afirma o pesquisador Anderson Awas.

"E o Saci nos fala: 'olha, em frente a um inimigo tão gigantesco, não adianta bater de frente. A gente tem que usar a cabeça, tem que usar a ginga e tem que usar o riso'", afirma Andriolli Costa.



Edição: Vivian Virissimo

ENTREVISTA —Ex-agente duplo lança livro para contar bastidores de projeto articulado pela CIA em Cuba

Domingo, 29 de outubro de 2023
Livro de Raúl Capote detalha Projeto Génesis, barrado pela contraespionagem cubana

Katia Marko
Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) | 28 de Outubro de 2023

Raúl Capote passou por Porto Alegre para lançar o livro “Inimigo: A guerra da CIA contra a juventude cubana” e a Campanha Cuba Vive, Resiste - Foto: Katia Marko

Durante sete anos, o jornalista cubano Raúl Antonio Capote Fernández foi um agente duplo. Aconteceu entre 2004 e 2011. Nesta história real de contraespionagem, para a Central Intelligence Agency, a CIA, ele era um opositor do governo cubano. Na realidade, Capote agia para descobrir o que estava por trás do projeto Génesis, engendrado pela espionagem norte-americana e com os olhos postados na ilha do Caribe.


Sob o biombo de ONGs, o plano visava doutrinar jovens estudantes cubanos no exterior que, seduzidos pela ideia de “modernizar” Cuba, retornariam ao seu país para semear uma rebelião, usando primeiro as redes e depois as ruas, partindo para o confronto até o ponto de demandarem uma intervenção militar dos EUA. Uma primeira versão das “revoluções coloridas” que agitaram o Oriente Médio e parte do mundo no embalo das guerras híbridas para promover golpes de estado. Em Cuba, não deu certo porque Havana descobriu.

Agora, Capote está lançando o relato dessa aventura em português. É o livro “Inimigo: A guerra da CIA contra a juventude cubana”. Publicado em Cuba em 2012, já recebeu edições em italiano, alemão, turco e russo. Também será editado em inglês e vai virar série de TV. Editor do Granma Internacional, também professor e escritor, Capote passou por Porto Alegre para lançar o livro e a Campanha Cuba Vive, Resiste, e conversou com Brasil de Fato RS. Confira:

Brasil de Fato RS - O que podes contar dessa história que trazes no livro?

Raúl Capote - Escrevi o livro em 2012. É um testemunho baseado em histórias reais, mais do que baseado, é absolutamente real. É a história de um agente secreto cubano que trabalhou durante mais de sete anos dentro da CIA, a agência central de inteligência dos Estados Unidos. Sete anos trabalhando em um projeto da CIA dirigido à juventude, sobretudo aos jovens universitários cubanos, tratando de construir uma liderança contrarrevolucionária.

Em 2004, quando se começa a contar essa história, os EUA decidiram mudar a política em relação a Cuba. Reconhecem que tudo o que fizeram durante tantos anos fracassou. Necessitavam preparar-se para o que ocorreria na direção do país. Prepararam-se para 10 ou 15 anos, quando Fidel já não estivesse, para impedir a continuidade revolucionária. O projeto se chamou Génesis.

A CIA criou um plano destinado para estudantes cubanos a serem formados na Europa

BdF RS - Génesis...

Raúl Capote - Começa com um ponto essencial para o trabalho que era a formação de uma nova liderança. Cria-se um plano (direcionado) a jovens estudantes cubanos a serem formados na Europa e com um vínculo estreito com organizações não governamentais. Elas financiariam os projetos.

Após esses 10 ou 15 anos, depois de cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado, iriam para os serviços, a economia, a política, as forças armadas, os meios de comunicação. E isso iria formando uma rede com vínculos de formação ao governo estadunidense e, sobretudo, com a CIA. Ainda que não soubessem, porque acreditavam que realmente estavam sendo patrocinados por uma ONG.

BdF RS - Essas ONGs estavam atuando dentro de Cuba?

Raúl Capote - Sim, era um plano interno contra a revolução. A outra parte do projeto implicava desenvolver uma intensa guerra no terreno das ideias, da cultura, usando a indústria do entretenimento. Uma guerra muito sutil…

BdF RS - Conhecemos bem ela...

Raúl Capote - Foi criado para esse projeto secreto um canal offline. Criou-se um público. Parecia algo sem consequências. Bem, que bom, as pessoas querem ver televisão. Eram programas elaborados especialmente para Cuba. Alguns eram conhecidos e outros elaborados unicamente para Cuba.

A ideia era criar em Cuba uma massa crítica de pessoas que não acreditavam na revolução. Nunca foram contrarrevolucionários. Eram pessoas a quem não interessava a revolução para nada. Utilizavam-se os manuais das revoluções coloridas e, sobretudo, a experiência dos iugoslavos do movimento OPOR.

BdF RS - Como é o nome?

Raúl Capote - OPOR. Atuou contrarrevoluções na (antiga) Iugoslávia. Aparentava ser um movimento estudantil, independente, mas estava sendo dirigido por esta mesma estratégia. Havia criado o Canvas (sigla em inglês para “centro para conflito e estratégias não-violentas”).

BdF RS - Não-violenta?

Raúl Capote - Uma nova estratégia desenhada pela CIA que busca (derrubar um governo) com o menor esforço possível, sem nenhum armamento.

Começariam a atuar esses jovens treinados nas 150 ações para acabar com o governo

BdF RS - Sim, através da ideologia...

Raúl Capote - Tinham um manual chamado “Manual para pôr fim a uma ditadura" com 150 ações a serem feitas. Diz que, eliminando-se os pilares que sustentam um governo, ele cai, em implosão. A ideia é provocar o caos. Não que o governo renuncie, mas que não possa governar. Esse é o sentido da estratégia.

sábado, 28 de outubro de 2023

As esquerdas e o desafio de voltar ao combate

Sábado, 28 de outubro de 2023

As esquerdas e o desafio de voltar ao combate

Roberto Amaral* 

 
"O socialismo comprometido com a democracia burguesa ainda é uma forma de reprodução do sistema capitalista de poder"
– Florestan Fernandes
 
 Em entrevista à revista Casa de las Americas (Cuba), no início de 1990, Darcy Ribeiro fala-nos do desalento que naqueles idos se aplacava sobre os movimentos populares e socialistas: a esquerda latino-americana desanimada, a esquerda mundial acovardada. Naquela altura, no Brasil, sob o pálio da Nova República, vivíamos a experiência dos governos neoliberais, vencidos os sonhos libertários da luta contra a ditadura. Conquistáramos a democracia burguesa, numa guerra que conheceu o ferro e o fogo, deixando cicatrizes irremovíveis, mas estávamos ainda mais distantes da reforma social, razão de tudo. As consabidas dificuldades de compreender o processo histórico paralisam o movimento social e seus pretensos condutores se quedam, atônitos, sem saber o que fazer. Os céus sem nuvem e sem estrelas não sugerem caminhos. Por não haver entendido o significado da “revolução brasileira”, não tivemos condições de sustentar o governo Jango; por não havermos compreendido a natureza do golpe de 1964, ficamos impossibilitados de travar o combate que as condições históricas indicavam. Após 21 anos de ditadura, os militares preestabelecem as condições de descida da rampa do Planalto, e o regime da caserna, decaído, se projeta no regime da redemocratização.  

   O desânimo que afligia a geração dos anos 90 alcançava o observador privilegiado, que se descobre, ele também, desamparado da esperança utópica, um projeto de ser, aquele valor que separa o guerreiro do homem medíocre e opera como fonte de vida histórica: “Sendo como sou um homem de esquerda, me dói este sentimento desesperançado que encontro aonde vou”. Inclusive entre os jovens, que não são mais os que o antropólogo conheceu nas barricas parisienses de maio de 68.

Darcy não cogita do pano de fundo histórico da tristeza e da apatia da alma ocidental na última década do século: o desmoronamento da mais bela utopia humanista que o homem já concebera, despedaçada nos escombros daquilo que se convencionou denominar de “socialismo real”. O mundo dos sonhos cedia espaço à desesperança.

Despida de desafios, sem alternativas por construir, e plena de dúvidas e de interrogações, a política fracassara. Era o momento azado de balanços políticos e existenciais sobre os 74 anos da revolução russa, posta na soleira da história. Encerrava-se, em dezembro de 1991, com um suicídio burocrático, uma longa e dolorosa saga de lutas por transformação social. Encerravam-se as expectativas ensejadas pela vitória sobre o fascismo na Segunda Guerra Mundial, mas a sociedade solidária e a paz continuavam distantes.  Diante de uma humanidade perplexa, jazia, sem luta, sem resistência,  o campo soviético que  anunciara ao mundo a alvorada: promessa de contenção do imperialismo e esperança de construção de uma nova ordem mundial, livre do colonialismo e do imperialismo. Sua queda representava a derrota de todos os revolucionários do mundo naquele século, e anunciava a vitória final e definitiva do capitalismo. A esquerda, em todo o mundo, despreparada para a orfandade inesperada, se quedava sem espólio, e caminhava claudicante à procura de um ponto de apoio, fosse de recuo, fosse a imaginação de um novo sonho (sem o que é impossível lutar), fosse a expectativa de recuperação de seus valores ameaçados. A URSS, a Roma dos comunistas e socialistas, optara pela autoimolação e seu fracasso abria o cenário para a  onipotência estadunidense. O fim da história era o decreto que se abatia sobre as grandes massas trabalhadoras, condenadas a uma diáspora ideológica. 

Findava-se a era das utopias.

A debacle soviética (e com ela o fim de uma ortodoxia doutrinário-ideológica) havia enterrado o projeto do “socialismo real” (o único que se pensava possível) e punha em questão a força libertária do marxismo-leninismo, nada obstante ainda estivesse presente a dedicação dos comunistas e socialistas na luta por um mundo que antes parecia caminhar para uma sociedade, senão igualitária, certamente menos iníqua em comparação àquela que herdávamos.  Já seria uma vitória havermos chegado ao final do século XX vendo à distância a ameaça do armagedon nuclear, e os comunistas se identificavam, em todo o mundo, na defesa da paz. Nem tudo era perda, por certo, mas a derrota do modelo burocrático abalara, em todo o mundo, o projeto socialista, demolindo uma a uma suas praças, a começar pela batalha ideológica, trazendo à cena a crise dos partidos.

Os partidos comunistas e socialistas pagariam o preço da autodissolução, e o ponto de incisão foram os grandes partidos comunistas da Itália e da França. Cada um, segundo sua natureza e sua história, em processo que percorreu o mundo, conheceu a partir dali sua decadência. E dela não se viu livre a América Latina. Ficara o que Darcy identificava como “a falta de ter em que acreditar, até entre gente jovem”.

Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista. 27 de outubro é o Dia de Mobilização Pró-Saúde da População Negra

Sábado, 28 de outubro de 2023
© Tomaz Silva/Agência Brasil

27 de outubro é o Dia de Mobilização Pró-Saúde da População Negra

Publicado em 27/10/2023 - Por Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A população negra brasileira tem os piores indicadores relativos a emprego, renda, educação e participação política quando comparada ao grupo de pessoas brancas. Apresenta também índices desfavoráveis relacionados à vitimização pela violência. Quando são avaliadas as condições de saúde, mais uma vez os negros ficam em posição desvantajosa, com piores incidências de determinados males e doenças.

Dados do boletim Saúde da População Negra, apresentados na segunda-feira (23) pelos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, confirmam que questões como mortalidade materna, acesso a exames pré-natais e doenças infectocontagiosas se mostram mais severas na população negra.

No Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro, a Agência Brasil traz a avalição de especialistas que dedicam esforços profissionais e acadêmicos para a promoção da saúde deste grupo, que representa mais da metade da população do país. De acordo com o IBGE, 56% dos brasileiros se reconhecem como negros – somatório de pessoas pretas e pardas.
Do nascimento à morte
Andrêa Ferreira: racismo é "determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra". Foto: Fiocruz/Divulgação

Uma explicação para os dados considerados preocupantes é o racismo. Segundo Andrêa Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta, há várias evidências que colocam o racismo como "determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra". Para ela, o preconceito acompanha essa população desde antes do nascimento até a forma pela qual morre.

"Quando a gente olha os dados de mortalidade materna, a gente sabe que as taxas são maiores entre as mulheres negras. Quando a gente olha a mortalidade por causas externas, por exemplo, que inclui acidentes e por arma de fogo, ela se concentra na população negra. Então, o racismo faz todo esse percurso de interferir na possibilidade de nascer, crescer e viver", afirma a pesquisadora que também faz parte do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia.

"O racismo condiciona a vida das pessoas negras em todas as suas fases, desde a possibilidade de terem um parto adequado, de nascerem vivas até a forma como morrem".

Na avaliação da Andrêa, uma vez que a pessoa negra consegue romper barreiras que a afastam do serviço de saúde, começa outro problema. "Você tem um tratamento desigual quando a gente compara as pessoas brancas e as negras. Você tem o viés racial implícito, o preconceito e as discriminações pautando a forma como as pessoas negras são tratadas". A pesquisadora considera que essa forma de racismo prejudica a forma de acolhimento, tratamento, oferta de exames e, consequentemente, o diagnóstico de doenças.

"Temos estudos que mostram como o racismo em suas manifestações retarda, por exemplo, o diagnóstico da sífilis gestacional no Brasil", cita.

O estudo do Ministério da Saúde revela que 70% das crianças com sífilis congênita - transmitida para a criança durante a gestação - são filhas de mães negras.