Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 28 de maio de 2023

ACONTECEU EM VALÊNCIA . . .

Domingo, 28 de maio de 2023


Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 28 de maio de 2023

ACONTECEU EM VALÊNCIA ...

Javier Ruiz, morador da cidade de Valência, na Espanha, começou o dia 21 de maio de 2023 postando freneticamente nas redes sociais. Era o dia do jogo de futebol entre o Real Madrid e o Valência. Os conteúdos das mensagens de Javier, torcedor entusiasmado do clube local, não versavam sobre questões esportivas. Todas as mensagens foram dirigidas a denegrir a imagem de um dos atletas do Real, o jogador negro Vinícius Júnior, também conhecido como Vini. Javier não poupou agressões ao jovem integrante da equipe de Madrid só, e somente só, por causa da cor negra da pele de Vini Júnior.

Depois de postar mais de vinte mensagens, Ruiz convidou um grupo de amigos para assistir o jogo entre o Real e o Valência. No convite havia a recomendação explícita de “zoar o mono”, antes, durante e depois do jogo. “Mono” é a palavra em espanhol para macaco. O “mono” em questão era ninguém mais, ninguém menos, que o atacante Vinícius Júnior.

Quatro amigos aceitaram o duplo convite, para comparecer a peleja e para atacar ferozmente o referido jogador do Real. No metrô, a caminho do Estádio de Mestalla, treinaram, sem descanso, os cânticos racistas que seriam utilizados nas arquibancadas a cada aproximação do craque Vinícius Júnior.

Na chegada do time do Real Madrid ao estádio, Javier e seus amigos se juntaram a dezenas de outros torcedores na execução impiedosa dos primeiros insultos contra a figura do jogador brasileiro com atuação no poderoso clube espanhol.

Durante a partida, o quinteto de amigos e inúmeros outros torcedores não pouparam gritos de “mono” e bizarrices semelhantes dirigidas ao mais talentoso jogador dos merengues. Os presentes ao Estádio, e depois o mundo, testemunharam um grotesco espetáculo da mais vil discriminação em estado bruto. Vinícius, o Vini, não aceitou passivamente às agressões sofridas. Protestou, resistiu e respondeu de todas as formas possíveis.

Os cinco amigos e tantos outros, dentro e fora do Mestalla, foram ao delírio com a expulsão de Vinícius Júnior no ápice dos imbróglios relacionados com as manifestações de racismo. Houve, para dizer o mínimo, uma estranha inversão de valores em termos de conduta esportiva.

Na saída do estádio, Javier foi empurrado por um dos amigos depois de uma discussão sobre algum assunto banal. O jovem torcedor caiu de uma altura de cerca de três metros batendo violentamente a cabeça em uma peça de concreto. A quantidade de sangue denunciava a gravidade da situação. O socorro chegou rápido e Javier foi levado ao Hospital General.

No hospital, estava de plantão uma equipe médica composta pelo doutor Alejandro Diaz, pelo enfermeiro Rafael Fernandez e pelas enfermeiras Maria Dolores Lopez e Vega Martinez, todos experientes profissionais. Nenhum deles contava com menos de dez anos de atuação em emergências hospitalares.

O caso era realmente delicado. O risco de morte estava presente. Os procedimentos de estabilização e recuperação do paciente, concluídos com sucesso, consumiram algumas horas de trabalho árduo e dedicado.

A família de Javier foi avisada que tudo estava sob controle e o dia terminaria bem para o jovem torcedor do Valência. No instante da ligação telefônica recebida do hospital, os pais de Javier acompanhavam pela TV a enorme repercussão dos atos de racismo ocorridos antes e durante a partida de futebol entre o clube da capital e a agremiação local.

Os pais de Javier receberam, via mensagem instantânea de celular, uma foto da equipe médica que manteve o filho vivo. Eram quatro pessoas sorridentes e plenamente realizadas com o nobre trabalho de salvar vidas e fazer o bem a um torcedor desconhecido, independentemente da cor de sua pele. Na foto apareciam um médico, um enfermeiro e duas enfermeiras, como dito antes. Todos eram negros. Todos eram negros como Vinícius Júnior.