ESCÂNDALO DOS DESCONTOS INDEVIDOS NO INSS: CASO EMBLEMÁTICO DE CORRUPÇÃO COM SUSTENTAÇÃO POLÍTICA?
Aldemario Araujo Castro*
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 30 de abril de 2025
Nos dias 23 de abril de 2025 e seguintes, o noticiário da grande imprensa foi tomado por inúmeros registros acerca da “Operação Sem Desconto”, conduzida pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Polícia Federal (PF) com o objetivo de cumprir cerca de 200 mandados de busca e apreensão, sequestro de bens (na ordem de 1 bilhão de reais) e mandados de prisão temporária (fonte: gazetadopovo.com.br).
“… descobriu-se que quadrilhas aninhadas em 11 entidades estavam roubando os aposentados do INSS.
Todo mês, tungavam coisa de R$ 50 de milhões de aposentados, gente que recebe, na média, R$ 4.000. As quadrilhas conseguiram do INSS os dados pessoais das vítimas e fraudaram autorizações para os descontos.
A roubalheira contra os aposentados do andar de baixo envolveu um ervanário que vai a R$ 6,3 bilhões, mas só o prosseguimento das investigações chegará ao montante exato da tunga. Uma auditoria feita pelo TCU nas contas de um só ano já estimou o desvio em R$ 1,55 bilhão.
Uma pesquisa feita pela CGU junto de 1.300 aposentados mostrou que 97% não haviam autorizado os descontos. Mais: 70% de 29 entidades investigadas haviam sido credenciadas pelo INSS sem apresentar a devida documentação” (fonte: Elio Gaspari em folha.uol.com.br).
Nos últimos anos, trabalho na elaboração de um livro sobre a corrupção e malfeitos correlatos no Brasil. Separei os casos de corrupção e outras malversações em três grandes grupos. São eles: a) quando o agente corrupto atua sozinho, de forma isolada; b) quando a atuação é coletiva (grupos ou quadrilhas de agentes corruptos) e c) quando os agentes corruptos integram uma quadrilha organizada politicamente.
A minha indagação, diante desse último escândalo de corrupção, que atinge alguns dos segmentos mais vulneráveis da sociedade brasileira, é se temos mais um repugnante caso de corrupção com sustentação política. A conclusão segura depende das respostas a duas perguntas:
Por que os descontos nas aposentadorias do INSS não foram suspensos antes da “Operação Sem Desconto”?
Quais as ligações (pessoais e políticas) entre o Ministro da Previdência e a cúpula administrativa do INSS com os dirigentes das associações beneficiárias dos descontos indevidos?
“Ainda em setembro de 2024, a CGU sugeriu ao INSS a suspensão dos descontos e a criação de meios para melhorar a fiscalização das entidades sob suspeita pelo aumento repentino de associados./’A recomendação foi ao INSS, que está sob coordenação do ministro [da Previdência] Carlos Lupi, mas a recomendação foi ao INSS. Essa resposta do porquê o INSS não fez a suspensão naquele momento e como o INSS lidou com essa questão é objeto da investigação. Temos pessoas do INSS que foram afastadas’, disse o ministro da CGU quando questionado na coletiva” (fonte: metropoles.com). Mesmo antes de setembro de 2024, com o aumento significativo dos descontos ao longo dos anos, a suspensão dos abatimentos já era um imperativo de legalidade e moralidade.
Os tais vínculos pessoais e políticos são explorados em várias matérias na imprensa. Eis um exemplo: “O presidente da Sindnapi Milton Cavalo, uma das entidades suspeitas de fraudar os sistemas do INSS, é aliado de Carlos Lupi e dirigente do partido do ministro da Previdência, o PDT, há anos. Com a chegada de Lupi ao Ministério da Previdência, em 2023, a entidade viu sua arrecadação saltar de R$ 88,3 milhões, em 2022, para R$ 149,2 milhões no ano seguinte — alta de quase 70%” (fonte: g1.globo.com).
Agora, os milhares de aposentados lesados vivem uma situação especialmente dramática. Como e quando reaver os valores surrupiados? As notícias acerca dessa questão não são animadoras. “A devolução do dinheiro depende ainda de um plano, que será apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) por meio de um grupo especial montado para reparar danos causados aos beneficiários. Portanto, não há prazo para que os valores comecem a cair na conta. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que o processo pode demorar, devido a questões burocráticas e orçamentárias” (fonte: metropoles.com).
Este mais recente escândalo de corrupção reforça as conclusões do livro em elaboração. Existe uma grave distorção no senso de urgência relacionado com o combate aos diversos ilícitos observados na Administração Pública. A maior parte da sociedade brasileira alimenta a ilusão de que a eliminação ou redução significativa da corrupção pode ser obtida com ações rápidas, enérgicas e determinadas. Prevalece a crença equivocada de que o encarceramento é a forma de atuação por excelência do Poder Público no enfrentamento dos diversos tipos de malversações.
Ocorre que a repressão não ataca as causas profundas do problema da corrupção e distorções congêneres. Qualquer intervenção social que não trate as raízes das dificuldades simplesmente estabelece um acordo tácito para a persistência das mazelas. Afinal, a fonte dos fenômenos permanece ativa. Como alerta a sabedoria popular, a erva daninha continuará a brotar se não for erradicada pela raiz.
Existe uma série de medidas preventivas, com foco nas causas estruturais das distorções e impacto duradouro ou de longo prazo, que podem ser consideradas e implementadas. Elas variam quanto à natureza e ao alcance. Em linhas gerais, podemos ser apontadas: a) providências voltadas para combater a deletéria cultura de levar vantagem, profundamente impregnada em boa parte da sociedade brasileira; b) ações dirigidas ao saneamento do universo político, notadamente para tornar residual o clientelismo e o fisiologismo; c) desenvolvimento de um ambiente onde impere uma expectativa generalizada de que os controles estão em funcionamento e atuarão com a necessária energia; d) adoção vigorosa da transparência/publicidade como forma normal de funcionamento da Administração Pública; e) intensa profissionalização da força de trabalho com a redução drástica do número de cargos de livre nomeação; f) fortalecimento dos órgãos de controle, especialmente com o estabelecimento de mandatos para os seus dirigentes e formação de redes de interação e cooperação e g) implementação de procedimentos permanentes e efetivos de acompanhamento da evolução patrimonial dos agentes públicos, especialmente aqueles ocupantes de posições estratégicas de decisão.