Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 21 de outubro de 2025

O Brasil fez mal ao Haiti. E quase não falamos disso

21 de outubro de 2025

Missão brasileira no Haiti ofereceu muito mais 'braço forte', tiros e violências variadas do que ajuda


Nesta semana, fez oito anos da saída da Minustah (missão da ONU comandada pelo Brasil) do Haiti, após 13 anos de ocupação militar. Quando começou, em 2004, o país encarou o envio de capacetes azuis brasileiros como ato de generosidade, a tal “mão amiga” de nosso Exército.

Não demorou muito para descobrirmos que a missão oferecia muito mais o braço forte, tiros e violências variadas do que ajuda. Vale lembrar que o chefe da missão, o golpista condenado general Augusto Heleno, perdeu o cargo só um ano depois por matar cerca de 70 haitianos, incluindo mulheres e crianças, em uma operação apenas.

Precisamos lembrar também das várias crianças deixadas no Haiti por soldados brasileiros para crescerem sem pais, mães ou cuidadores, assistência ou qualquer iniciativa de reconhecimento, seja por parte do nosso Exército, governo ou Judiciário. O escândalo sempre foi mantido no subterrâneo por quem deveria investigar e, no final, essas haitianas — muitas delas adolescentes e até crianças — puderam contar só com si mesmas e movimentos populares locais.


Assim como somos um dos raros veículos brasileiros que mantêm correspondência no Haiti. Desde julho, temos como norte oferecer ao leitor do BdF uma cobertura honesta, não poluída pelos interesses das agências de notícias que operam lá e comprometida a ouvir quem geralmente não é escutada quando se fala do país: a sociedade haitiana.

Foi assim que trouxemos experiências boas nascidas e geridas por haitianos, como o centro que forma agricultores familiares para combater a fome no país com comida de verdade. Ou o canal de irrigação escavado e defendido pelas próprias mãos de voluntários, apesar da violenta campanha da vizinha mais rica, a República Dominicana, que não quer dividir uma gota do rio que separa os dois países.

Contradizemos a noção inquestionável de que as gangues criminosas controlam o Haiti — e buscamos sempre saber quem as financia e lucra com seus feitos, como deixar o país inteiro sem eletricidade. Rebatemos a ideia perversa de que os haitianos são incapazes de ser donos de seus próprios destinos e exaltamos alicerces de sua indentidade como o vodu, que ajudam a formar a belíssima cultura haitiana, que deu ao mundo o exemplo da primeira rebelião anticolonial e antirracista, no começo dos 1800s.

Acima de tudo, estamos ao lado da sociedade civil haitiana, que rejeita a nova intervenção militar estrangeira que está sendo preparada para o país. E assumimos como missão seguir retratando o Haiti como nação altiva, solidária e violentada, que paga até hoje o preço por desafiar quem manda no mundo.

Isso custa caro. Mas muito menos do que o custo de fechar os olhos e seguir refém das agências internacionais e suas agendas políticas, quase sempre contrárias aos interesses do Haiti.

Editado por: Rafaella Coury

Brasil de Fato — São Paulo (SP)
16.out.2025 às 19h41
Atualizado em 17.out.2025