Quinta, 31 de agosto de 2017
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Por Patrícia Figueiredo | 31 de agosto de 2017
Cientistas políticos ouvidos pela Pública e estudos confirmam problemas apontados pelo deputado Alessandro Molon
Modelo de urna eletrônica adotada na disputa de 2014
(Foto: Elza Fiúza/ABr)
“[O distritão] vai dificultar a renovação do Parlamento (…). É um
sistema que desperdiça votos, dificulta a representação de minorias e
até mesmo de maiorias sub-representadas, como as mulheres, os negros.” –
Alessandro Molon (Rede-RJ), deputado federal, em pronunciamento na
Câmara dos Deputados no dia 16 de agosto.
Ao criticar o novo formato, o
deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ) alegou, no plenário da
Câmara, que o distritão dificultaria a renovação do parlamento,
aumentando as taxas de reeleição. O parlamentar disse ainda que o modelo
desperdiça votos e dificulta a representação de mulheres e negros. O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública
– analisou estudos internacionais e consultou cientistas políticos
brasileiros, que confirmaram como desvantagens reais do distritão as
consequências levantadas por Molon em seu discurso. Por isso, a frase
foi classificada como verdadeira.
Procurado pela reportagem, o deputado
forneceu uma justificativa por e-mail, citando reportagens e
entrevistas, para comprovar a sua afirmação, além de dados oficiais que
refletem a participação feminina na Câmara. Uma
das matérias mencionadas por Molon inclui um estudo, feito pelo
cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), que mostra
que 30,6 milhões de votos teriam sido desprezados em 2014 caso o
distritão fosse o modelo eleitoral adotado nas eleições proporcionais
daquele ano. O número é
resultado da soma dos votos recebidos por candidatos que não foram
eleitos, utilizados em 2014 no cálculo do quociente eleitoral que ajudou
a eleger outros deputados federais dos mesmos partidos ou coligações.
Relativo apenas às eleições
brasileiras de 2014, o dado não é suficiente para comprovar a afirmação
de Molon, que avalia o distritão como um sistema que sempre desperdiça
votos. O Truco buscou outras fontes para saber se isso já ocorre em países que adotam esse modelo de escolha dos parlamentares.
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) participa de programa da TV Câmara (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Um dos bancos de dados consultados foi o a Rede de Conhecimento Eleitoral ACE.
Desde 1998, o grupo composto por oito organizações independentes de
análise eleitoral possui um dos mais completos bancos de dados sobre
eleições do mundo. Além de informações sobre os sistemas eleitorais
usados em mais de 200 países, o projeto reúne também detalhes do
funcionamento de cada um deles e destaca suas vantagens e desvantagens.
O distritão é chamado, em inglês, de
Single Non-Transferable Vote (SNTV) – ou voto único não-transferível. De
acordo com os dados do ACE, trata-se de um modelo adotado em poucos
países no mundo. Apenas Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu utilizam o
sistema para a totalidade das eleições legislativas; na Jordânia,
Indonésia e em Taiwan, o modelo é usado apenas para parte das cadeiras
disponíveis no parlamento.
Segundo a enciclopédia do ACE,
o sistema SNTV “dá origem a muitos votos desperdiçados, especialmente
se os requisitos de nomeação forem abrangentes, permitindo que muitos
candidatos se apresentem”. Isto ocorre porque os votos creditados aos
candidatos que não são eleitos não têm influência no resultado final, ou
seja, não contam para o partido ou coligação, como ocorre no sistema
proporcional em vigor hoje no Brasil.
Um estudo feito pela Universidade de Estocolmo em parceria com a União Interparlamentar (UIP) e o Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDAE)
também aponta que sistemas como o SNTV tendem a desperdiçar mais votos.
O documento relaciona, ainda, o melhor aproveitamento dos votos à maior
representação feminina nos parlamentos. “Se uma fórmula eleitoral leva a
menos votos desperdiçados […] os partidos terão mais incentivos para
apresentar candidatos mais diversos e balanceados, o que leva à inclusão
de mais mulheres nas listas”, atesta a publicação Atlas of Electoral Gender Quotas.
Renovação e representação
No seu discurso em plenário, o
deputado disse também que o distritão dificultaria a eleição de
mulheres. Um trecho do atlas da Universidade de Estocolmo aborda a
participação feminina nos parlamentos de acordo com o sistema eleitoral
adotado. Os números mostram que sistemas eleitorais proporcionais, como o
que vigora no Brasil hoje, levam a eleição de mais mulheres do que
sistemas majoritários, como o distritão. “A média de mulheres eleitas
para parlamentos em 2012 foi de 25% em países que adotam o sistema
proporcional. Países que adotam sistemas mistos ou majoritários tiveram
18% e 14% de mulheres eleitas, respectivamente”, informa o documento. O
texto destaca ainda que, dentre os países que atingiram o índice de 30%
de mulheres no parlamento, considerado ideal pela ONU, 65% adotam
sistemas proporcionais para as eleições legislativas.
A alegação de que o distritão
prejudica a representação de mulheres e negros, feita por Molon, também é
confirmada por dois especialistas em ciência política procurados pelo Truco.
Segundo Glauco Peres, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a sub-representação
de mulheres e negros, dois grupos já pouco presentes na Câmara, seria
inevitável. “Imagine que uma pessoa represente um determinado grupo
social. Para ser eleito, como se trata de uma minoria, praticamente
todas as pessoas desse grupo teriam que votar numa pessoa só. Se eles
dissiparem o voto nesse sistema, não elegem ninguém”, explica.
Há também a inviabilidade financeira
das candidaturas desses dois grupos. “No caso dos negros, especialmente,
eu vejo que eles seriam prejudicados no distritão pelo inevitável
aumento nos custos da campanha individual”, afirma o professor do
departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), Pedro Arruda. Ele destaca que há grande desigualdade
social entre negros e brancos no Brasil.
Outra alegação de Molon, a de que o modelo dificulta a renovação do parlamento, é confirmada pela enciclopédia do projeto ACE.
“Como este modelo oferece aos eleitores apenas um voto, o sistema
contém poucos incentivos para que os partidos políticos atraiam um amplo
espectro de eleitores, de maneira inclusiva”, diz um trecho do volume.
Segundo o texto, o esquema permite que os partidos “ganhem assentos sem
precisar apelar para ‘outsiders’”, referindo-se aos candidatos novatos,
de fora do meio político.
Peres, da USP, diz que os eleitos
neste modelo “tendem a ser as pessoas que já estão lá, na Câmara, porque
já são conhecidas do público”. O professor destaca também que o
distritão pode beneficiar ainda mais políticos-celebridade. “O fato de
serem conhecidas dá a elas um ponto de partida à frente dos outros nesse
modelo não-proporcional”, explica. Arruda, da PUC, segue a mesma linha.
“Quem já está em um cargo eletivo e já tem os holofotes da mídia tem
mais visibilidade e mais chance de conseguir a maioria dos votos”,
afirma o cientista político.
Entenda mais sobre a metodologia e sobre os selos de classificação adotados pelo Truco no site do projeto. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail
truco@apublica.org ou por WhatsApp e Telegram: (11) 96488-5119.