Por
José Carlos de Assis
A
manchete escandalosa da Folha deste sábado afirmou que o gasto dos
Estados e municípios com aposentadorias e pensões superará a dívida
pública em 75 anos. O jornal, citando cálculos de Paulo Tafner
(instituto Insper) apresentados a Temer e seus bandidos na última
quarta-feira, no Alvorada, por Marcos Lisboa, chegou a extrema estupidez
de tomar um fluxo estimado de pagamentos futuros dos benefícios
previdenciários estaduais, estimado impropriamente em 85% do PIB, com o
estoque da dívida atual (73%).
É
difícil saber se isso é fruto de ignorância ou má fé. Da repórter, que
prefiro não citar, é certamente conseqüência da ignorância. Não deve ser
o caso dos editores. Todos estão loucos para prestar serviço à
quadrilha de Temer e aproveitam qualquer leve insinuação de algum dado
“técnico” em que possam se apoiar. Não será nas páginas de algum dos
nossos jornalões que encontraremos espaço para um debate imparcial sobre
a Previdência. Não fosse a internet e os blogs, estaríamos cegos dentro
desse tiroteio que se tornou infame.
Há
distorções nos sistemas previdenciários, o federal e os estaduais.
Contudo, o ponto central dessas distorções não tem sido atacado.
Aposentadorias e pensões escandalosamente elevadas, em comparação com as
dos comuns dos mortais, são pagos principalmente pelo Judiciário e o
Legislativo a seus privilegiados. Até o relatório do Banco Mundial sobre
o gasto público, cuja crítica um grupo de economistas independentes
está preparando, menciona esses privilégios, porém com uma ênfase
particularmente atenuada.
A
estupidez do “estudo” encampado por Marcos Lisboa, em seu
neoliberalismo exacerbado, é tomar como referência para uma política
pública atual um horizonte de tempo de 75 anos. Isso seria idiota, não
fosse, na realidade, a cobertura cínica para uma posição ideológica. Na
verdade, esse raciocínio tosco parte da idéia que o Brasil está
condenado a ser presidido por Temer, Henrique Meirelles e o próprio
Lisboa nos próximos 75 anos, durante os quais teremos um crescimento
zero do PIB, ou contração permanente. Nesse tempo, continuaremos tendo
uma taxa básica de juros estratosférica, inibidora do investimento.
A
sociedade brasileira vai se livrar dessa direção política a curto
prazo, pois, pelo que conhece de história, ela não se conformará com uma
economia estagnada para sempre, o que representará perdas continuadas
de emprego e de renda. Certamente que há riscos. Nos Estados Unidos e na
Alemanha dos anos 30, ambas com taxas de desemprego globais similares à
brasileira atual (24%), a mesma reação que gerou Roosevelt e seu New
Deal regenerador, gerou o Novo Plano alemão de Adolf Hitler, ambos de
grande eficácia na geração de empregos – um reforçando a democracia,
outro o totalitarismo.
A
hipótese Tafner/Lisboa é uma infâmia do ponto de vista técnico.
Politicamente, serve ao propósito de empurrar goela abaixo da população
uma reforma previdenciária tosca, voltada essencialmente para a redução
dos prazos de aposentadoria para homens e mulheres, e antecipando o que
será exigido dos governadores e municípios caso seja emplacado o plano
federal. Assim como o relatório do Banco Mundial, de forma desonesta,
tenta provar que o déficit público decorre do déficit previdenciário, o
que é falso, a idéia que Tafner/Lisboa tentam passar é que a crise
financeira dos Estados se deve à previdência estadual.
É
falso. A crise financeira dos Estados se deve à acumulação desde 1997
de pagamentos por conta de dívida imposta indevidamente pelo Governo
federal. Dessa dívida nula, originalmente de R$ 111 bilhões em moeda de
hoje, foram pagos R$ 207 bilhões, restando a pagar R$ 476 bilhões.
Inacreditavelmente, é a manipulação dessa dívida, com adiamentos e
pequenas concessões, que está permitindo a Meirelles impor a
privatização de patrimônios estaduais, como é o caso da Cedae no Rio de
Janeiro. Escrevi um livro sobre o assunto, “Acerto de Contas”, e estou
esperando que os governadores atuem.
Fonte: Tribuna da Imprensa Sindical