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(Millôr Fernandes)

domingo, 24 de dezembro de 2017

Indulto de Temer é inconstitucional e poderá até ser descumprido pelos juízes

Domingo, 24 de dezembro de 2017
Da Tribuna da Internet
Jorge Béja
A irresignação de Francisco Bendl, em artigo aqui na TI, é de todos os brasileiros e da comunidade jurídica nacional. Quando a Constituição, no artigo 84, nº XII, outorga ao presidente da República poder e competência para conceder indulto e comutar penas, há balizamentos para o ato presidencial. E este ato (o de conceder indulto e comutar penas) não é discricionário, ou seja, não se sujeita à conveniência e oportunidade do chefe da Nação e nem está imune ao crivo posterior do Judiciário.
O ato, pelo contrário, é vinculado. Sujeita-se à própria Constituição Federal, que o condiciona à prévia, necessária e indispensável oitiva, audiência, e pareceres dos órgãos instituídos em lei, além de primar pela moralidade administrativa. E os órgãos instituídos emitiram pareceres e aconselhamentos contrários, desprezados por Temer.
PREPOTÊNCIA – A Carta da República não dá ao chefe da Nação um poder ilimitado, absoluto, de revogar as prisões decretadas pelo Poder Judiciário. Só aí teríamos uma intromissão e a prepotência de um Poder (o Executivo) sobre outro Poder (o Judiciário). Se assim fosse — e assim não é e nem pode ser — todos os presos condenados pela Justiça poderiam ser postos em liberdade por ato presidencial, ato voluntário, sem regramento, ato discricionário. Bastaria o presidente querer e ponto final.

Nem Luís XIV foi tão déspota como Temer foi agora, ao libertar prisioneiros ao seu bel prazer, a seu interesse escusos. Quanto patifaria…
Este indulto de Natal Temer-2017 é escabroso. Viola os mais elementares princípios da razoabilidade, legalidade, moralidade administrativa… É uma outra bofetada no povo brasileiro, nas instituições, na República. Este decreto de Temer fede.
MEDIDA CAUTELAR – Mas o troco vem aí. Os membros da procuradoria da República responsáveis pela Lava Jato, já hoje, domingo, véspera do Natal, estão redigindo medida cautelar nominada ou inominada, com pedido de liminar para suspender a eficácia e os efeitos deste decreto fedorento. Eles não dormem no ponto, como se dizia antigamente. São atuantes, muito cultos, corajosos e sabem reagir.
É questão de poucos dias. Ou de poucas horas. Até mesmo o cidadão brasileiro, que esteja em dia com suas obrigações eleitorais, pode dar entrada na Justiça da cidade onde mora com Ação Popular para anular o indulto, propositadamente com destinatários certos. E nenhum juiz negará a concessão da liminar. Também o autor da ação – seja o cidadão brasileiro ou a Procuradoria-Geral da República, ou outra entidade que a lei credencia – não precisa escrever nem explicar muito na petição ao juiz. O escândalo é público e notório e independe de comprovação. Portanto, vem aí o troco. Vem aí mais outra derrota do desmoralizado Michel Temer.
ATRAPALHADO – Ao tentar defender o indulto, o ministro Torquato Jardim, muito sem graça e atrapalhado, afirmou que Temer foi impessoal ao baixar este indulto. Impessoal é o cacete, como sempre reage nosso Ancelmo Góis quando desaprova algo. O decreto é personalíssimo. É casuístico. É proposital. É tão criminoso quanto os crimes que os beneficiários dele praticaram.
Mas não são somente as ações cautelares, nominadas e inominadas, que o Ministério Público Federal vai dar entrada na Justiça para derrubar o decreto, nem as Ações Populares, ao alcance dos cidadãos brasileiros, pois há outros instrumentos para anular a decisão presidencial, que nada mais é do que mero Ato Administrativo e sujeito ao crivo do Judiciário.
PODEM RECUSAR – Os juízes (estaduais e federais) das varas das execuções a que estão sujeitos os destinatários que Temer elegeu como beneficiários do indulto, eles próprios, os juízes, podem recusar a cumprir o indulto. Juiz nenhum está obrigado a se curvar e cumprir ordem emanada do Poder Executivo e marcada por inconstitucionalidade e imoralidade administrativa. Os juízes podem e dever levantar a inconstitucionalidade, a imoralidade e, com isso, não libertar ninguém.
Ora, ora, quem foi condenado a 20, 30 anos de reclusão, ou até muito menos, ainda mais por crime de lesa-pátria, que sempre é praticado sem violência física, mas com ardil e mecanismos que quase sempre não deixam vestígio, não pode ser tirado do cárcere e ganhar a liberdade, nem já tendo cumprido 20% ou mais da pena.