Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 15 de março de 2020

O Brasil e as doenças da saúde

Domingo, 15 de novembro de 2020
Por

Muitas foram as doenças que mataram, ao longo da história, milhões de seres humanos. Desde o século XVIII que o mapa do mundo se infesta por pestes, gripe espanhola e do cólera, esta última responsável por avassalar a Europa em 1830. Assim seguem décadas nos tempos do combate à varíola e febre tifoide (1926), e a necessidade urgente de constituir uma organização internacional que editasse as convenções sanitárias orientadoras aos cuidados da saúde global. Em 1948, entra em vigor no dia 7 de abril, com a assinatura de 61 países membros, a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Outras tantas doenças assolam as repúblicas americanas, fazendo com que, a partir de uma resolução da 2Conferência Interacional dos Estados Americanos, realizada no México, fosse criada em janeiro de 1902, a Organização Pan-Americana da Saúde, com amplas funções de coordenar atividades sanitárias internacionais nas Américas, nos seus quase 120 anos.
Embora a globalização unifique o mundo, uma grande parte da população permanece excluída, adoecida e morrendo. De fato, vivemos em um mundo global, mas vírus e bactérias, assim como o terror, medo, fome, miséria, desemprego, desigualdades de todas as sortes, não respeitam fronteiras.
Não respeitam fronteiras porque a cartilha é a mesma, dos sistemas capitalistas, ultraliberais, egoístas e nada solidários na redistribuição das riquezas produzidas entre as nações. Assim, seguem as doenças na saúde. As endêmicas teimam em manchar o mapa do Brasil: a Malária; Leishmaniose; Esquistossomose; Febre Amarela; Tracoma; Doença de Chagas; Hanseníase, Tuberculose; Cólera e Gripe A. Não esqueçamos da denguezika e chikungunya.
Morre-se ainda de câncer em suas variadas formas, sobretudo de mama e útero, deixando milhares de mulheres desprotegidas, perambulando e mendigando por exames básicos-preventivos. As doenças do sistema imunológico humano causadas pelo vírus HIV, quem se importa? E os sofrimentos mentais, suicídios, entre outros males causados pela desesperação, diante das condições precárias de vida, como a falta de emprego, renda e trabalho, acesso e posse da terra, moradias dignas, alimentação adequada, segura e saudável, ecossistema equilibrado (do saneamento básico a proteção das águas e florestas), acesso irrestrito à educação e à saúde.
Na ausência desses DIREITOS, o Estado e a sociedade, seguirão ampliando o leque dos seus adoecimentos e mortes. Hoje, é o CORONAVIRUS, certamente, um gravíssimo problema de saúde pública, que como outros agravos, necessita de investimentos públicos e proteção sócio-sanitária aos indivíduos, famílias e comunidades.
E o amanhã? Esse é construído agora, no presente, assegurando: financiamento estável ao Sistema por meio da criação de uma Contribuição sobre as Grandes Transações Financeiras (CGTF), com destinação de, no mínimo, 50% para o setor Saúde; estabelecimento de Contribuição sobre as grandes fortunas; Extinção da EC-95/2016; Extinção da Desvinculação de Receitas da União (DRU); a eliminação dos limites de gastos com pessoal para a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); organização dos serviços de saúde orientados pela Atenção Primaria em Saúde (APS), como foco na Estratégia de Saúde na Família (ESF), tendo os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) como elo de vinculação entre a população e as unidades de saúde.
Como se não bastasse, deve-se investir na revitalização dos laboratórios públicos, provendo-os de insumos estratégicos ao enfrentamento da pandemia-epidemia do coronavírus e outros agravos; expandir os investimentos nas instituições de ensino, pesquisa ciência e tecnologia; redefinir as funções dos hospitais, ampliando o número de leitos de Unidade de Tratamento Intenso (UTIs) dotando-as de sistema de monitorização permanente;  tomar decisões em parcerias com as autoridades técnico-cientifico-político internacional, nacional, regional-local, dirigidos pelos protocolos que protejam as pessoas, com comunicação de risco, sem criar pânicos e/ou inseguranças no cotidiano de suas vidas, a exemplo de deslocamentos para cumprir agendas de viagem trabalho, e/ou lazer (quarentena), agrupamentos de pessoas (ambientes festivos, centros comerciais, feiras livres, supermercados), organização e funcionamento dos instituições de ensino (da creche à universidade).
Verdade é, que a primeira atitude a ser tomada por um gestor público do Sistema Único de Saúde (SUS) é construir, com as forças sócio-político-sanitárias e a população, um projeto civilizatório para a saúde do Distrito Federal, e, para isso, faz-se necessário entender que o foco é a saúde e não a doença. O modelo atual não promove a saúde, muito menos trata as doenças. Nessa matéria, somente decreto não resolve. Muito menos terceirizar a outros a responsabilidade de proteger a saúde da população. Afinal, ao setor privado não interessa cuidar de doenças endêmicas (da pobreza), pior ainda epidêmicas. Por isso, a verdade é que o direito á saúde não cabe nas leis do mercado, e sim nos investimentos públicos ao seu bem-estar.      
Verdade é, que o DF necessita, urgente, arquitetar uma rede integrada de atenção à Saúde cujo eixo estruturante tenha início em casa, com a presença dos ACS, repito. Interconectando a APS aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), aos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), às Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), aos Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), e, sobretudo, a definição do perfil dos hospitais regionais. Ou seja, voltar os valores que nortearam o Saúde em Casa.
Por onde anda a coragem de gerir com ousadia, inovação e qualidade?
Afinal, temos capacidade de sobra. A SES/DF tem a vantagem no Sistema Único de Saúde (SUS) de ser, ao mesmo tempo, uma secretaria estadual e municipal, o que viabiliza recursos adicionais; dispõe da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), de relevada qualidade. Verdade é, a capital da República necessita, urgentemente, voltar aos noticiários anunciando as boas novas do bem-viver, ao invés das DOENÇAS societárias, fruto da grave pobreza que ainda assola as almas impiedosas dos governantes e daqueles que se dizem representar nosso povo.
===========
Fátima Sousa
Paraibana, 57 anos de vida, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.