Quinta, 25 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho

Nas ocasiões que discursou até aí
– a primeira foi no Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, onde, com a
presidente Dilma Rousseff ao lado, fez um discurso protocolar de cinco minutos,
logo depois que a presidente aproveitou a chance, quase que como “papagaio de
pirata”, para fazer um discurso político de objetivo claramente eleitoral.
Francisco, certamente por gentileza protocolar e piedade papal, suportou ouvir
e aguardar o final como quem carrega uma cruz com semblante, apesar de
aparentando real cansaço, condescendente.
No entorno do Palácio Guanabara,
que já foi um lugar de muito respeito quando ocupado pelo então governador
Carlos Lacerda, na primeira metade da década de 60 do século XX, enquanto o
papa era crucificado entre a presidente Dilma e o governador Sérgio Cabral –
ambos aflitos em dar-lhe um grande abraço de afogados para não submergirem na
impopularidade que os assola – houve manifestações. Não contra o papa, mas
contra Cabral, o governador.
E houve também prisões
absolutamente arbitrárias por parte da PM subordinada ao mesmo Cabral. Até
acusaram um jovem de carregar uma sacola cheia de “coquetéis molotov”, que ia
ser processado, naturalmente condenado por suas intenções criminosas e teria
sua vida desgraçado por anos de prisão.
Salvou-se e já está solto, depois
de autuado sob o relato dos PMs, apenas porque a cena da ação policial contra o
grupo de manifestantes, incluindo o terrorista dos “coquetéis molotov”, foi
fotografada e filmada por várias pessoas com seus celulares e posta nas redes
sociais da Internet.
E o que elas mostravam? O jovem
foi alvo de uma arma de choque (taser)
disparada por um soldado PM. Caído, foi-lhe posto numa das mãos um “coquetel
molotov” – bomba caseira que, dependendo das circunstâncias, pode ter alto
desempenho. Quando chegou à delegacia, atribuíram-lhe o porte de uma sacola
cheia de “coquetéis molotov”. Mas as imagens feitas por manifestantes e outras
pessoas e postadas nas redes sociais da Internet comprovaram que antes de ser
preso atacado pela polícia ele não portava sacola nenhuma e não levava também a
bomba que a PM fluminense, como mostraram as imagens, lhe colocou nas mãos.
Diante dessas provas materiais
nada mais havia a fazer senão o governo fluminense libertá-lo, após mantê-lo na
cadeia pelo tempo que pôde. Pode-se supor que o jovem ingressará na Justiça
pedindo indenização por danos morais (e eventualmente materiais, a arma de
choque pode causar danos à saúde, mesmo não matando a vítima) e também se pode
supor que, além de lhe pedir desculpas formais, o governo do Rio não se utilize
das tradicionais “chicanas judiciárias” e administrativas para tentar evitar ou
adiar ao máximo o pagamento da indenização evidentemente devida.
Mas, voltando ao papa Francisco e
a presidente Dilma. A presidente está com um abacaxi para descascar. O fato do
papa estar passando uma semana no Brasil para a Jornada Mundial da Juventude
torna os espinhos do abacaxi especialmente afiados. Ela deve vetar ou não (não
vetar representa uma sanção implícita, uma concordância com o projeto, que
voltará assim ao Congresso somente para ser promulgado). O projeto de lei 03/2013, proposto por uma
deputada do PT inicialmente sob número 60/1999, teve, após o longo sono desde
1999, sua tramitação tocada às pressas a partir do pedido feito em fevereiro último
pelo ministro petista da Saúde, Alexandre Padilha, ao presidente da Câmara.
Dilma assumira o compromisso, na campanha eleitoral de 2010, de que seu governo
não tomaria qualquer iniciativa para facilitar o aborto, mas seu ministro da
Saúde não acreditou nisso, evidentemente. Resta saber se a presidente acredita
em sua própria palavra e veta ou não o jogo assassino. Pois que esse projeto abrirá
amplíssimo espaço legal para o massacre dos inocentes indefesos no ventre de
suas mães.
Não tenho a menor dúvida de que Francisco, quando falar
formalmente aos participantes da Jornada Mundial da Juventude, incluirá com
firmeza o aborto e a oposição da Igreja Católica a essa prática homicida.
Posição que coincide com as de tantas outras denominações religiosas. Mas,
infelizmente, não todas.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da
Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.