Publicado originariamente no Correio da Cidadania
1. Muitos, se não a maioria, dos que não se importam com a entrega
das riquezas do país à oligarquia financeira transnacional e a seus
bancos e empresas, precisam mudar de atitude. Não é uma questão de
patriotada, mas de entender que sem soberania um povo fica privado de
dignidade e de prosperidade e até da chance de sobreviver.
2. Se o Brasil continuar à mercê de corporações transnacionais,
bancos e potências imperiais, aumentará o fosso entre a minoria, cada
vez menor, dos servidores desse sistema de poder e a maioria, esmagadora
e crescente, dos brasileiros que vivem em condições de vida
insuportáveis. Na verdade, escravos com seu destino nas mãos do império.
3. O fosso começou a ser alargado desde 1954, logo após o golpe
militar-udenista que entregou, de bandeja, o mercado do país às
transnacionais, através de privilégios incríveis, mantidos e aumentados
nos cinco anos de JK. Esse processo foi se agravando e, hoje, longe de
ser revertido, prossegue intensificando-se.
4. As potências anglo-americanas não apenas intervieram nos golpes de
1954 e 1964, mas também determinaram o curso político do país desde o
começo dos anos 80.
5. Neste mês a grande mídia não teve como esconder as revelações de
Snowden, ex-contratado terceirizado dos serviços secretos dos Estados
Unidos, sobre a abrangência da espionagem eletrônica, telefônica etc.
que estes fazem, há muitos anos, dentro do Brasil. Entretanto, quase não
se divulgam as ações dos serviços de outras potências, como o Reino
Unido.
6. Esse controle sobre as telecomunicações nem necessitava das
tecnologias de captação de informações que os EUA hoje aplicam em quase
todo o mundo. De fato, o grau de traição ao país foi de tal ordem que o
Brasil ficou, em 1998, sem satélite próprio de telecomunicações, com a
privatização da EMBRATEL, controlada pela MCI dos EUA.
7. Datam de longe as intervenções do governo dos EUA praticadas para
abortar iniciativas capazes de contribuir para o desenvolvimento
tecnológico do Brasil. Nos anos 70 e 80, os EUA vetaram a importação de
componentes estratégicos pela EMBRAER e causaram o fechamento da empresa
ENGESA, que fabricava blindados, ao intervir junto à Arábia Saudita
para cancelar um grande contrato.
8. Em consequência do modelo instituído no Brasil a partir de 1954 – a
que se atribuíram os falsos milagres de crescimento do PIB, pouco
depois traduzidos em dívidas e estagnação – o poder das transnacionais
sobre o mercado foi suficiente para asfixiar as empresas privadas
nacionais, matando, no ovo, as possibilidades de estas desenvolverem
tecnologia.
9. Entre as intervenções diretas das potências imperiais (EUA à
frente), avulta ter feito explodir o míssil da missão espacial
brasileira, na base de Alcântara, matando no ato seus mais de 20
membros, no momento do lançamento. Além disso, os EUA pressionaram a
Ucrânia para não transferir tecnologia ao Brasil, como prevê o acordo de
cooperação espacial com esse país.
10. Os EUA arranjaram com o governo de FHC um acordo para a cessão da
base de Alcântara para lançamentos, altamente lesivo para nós, pois
permite a construção de instalações e a entrada no país de equipamentos e
efetivos das Forças Armadas da mais agressiva potência militar do
mundo.
11. Com a saída do megaentreguista em dezembro de 2002, esse acordo
esteve, até há pouco, parado no Congresso, tendo sido agora colocado na
pauta de votações do plenário da Câmara dos Deputados, o que confirma
estar a atual presidente cedendo às pressões imperiais em questões
vitais para a soberania do Brasil.
12. Outros atos de submissão ocorrem com o petróleo. Pelo menos três
destes terão, se não forem revertidos, consequências fatídicas para o
país.
13. Primeiro, os leilões, em maio de 2013, de campos de petróleo na
plataforma continental, com reservas de 19 bilhões de barris, na cotação
atual, US$ 2 trilhões. Segundo: o anúncio de leilão para o campo Libra,
na área do Pré-Sal, com reservas de 12 bilhões de barris. As duas
medidas envolvem mais de 30 bilhões de barris.
14. Mormente nas condições infracoloniais do sistema tributário
brasileiro, leiloar petróleo para empresas estrangeiras significa
dar-lhes todo ele. Fora do Pré-Sal, o Brasil só recebe 10% de royalties
sobre aquilo que a transnacional declarar (o que ninguém confere). Não
há impostos nem contribuições sobre a exportação.
15. Os agentes pagos e os enganados dirão que o Brasil obterá grande
quantidade de divisas (moeda estrangeira). Nós respondemos: quem recebe
as divisas são os exportadores, as petroleiras estrangeiras.
16. Estas venderão as divisas ao Banco Central, o qual, para pagá-las, emitirá moeda nacional
(reais) em quantidade assombrosa: quando estiverem exportando 3 milhões
de barris/dia = 1.080 bilhão de barris/ano, serão cerca de US$ 356
bilhões, o equivalente a 150% do total das atuais exportações do Brasil. Ao câmbio de R$ 2,2 por dólar, estamos falando de R$ 783 bilhões = 3,5 vezes o atual saldo médio da base monetária.
17. Então? Ou o Banco Central emitiria moeda, e as petroleiras
estrangeiras ficariam com caixa para comprar todas as empresas, bancos e
propriedades que quisessem no Brasil, ou emitiria títulos da dívida
pública, dentro da tradicional política de enxugar a base monetária.
18. Neste caso, aumentaria, de golpe, em 50% o estoque dos títulos da
dívida pública fora do Banco Central, e cresceria em 25% o absurdo
serviço da dívida, que já consome quase metade das despesas da União.
Com a dinâmica da composição dos juros, a explosão não demoraria.
19. Terceiro desastre com o petróleo: a deterioração das finanças da
Petrobrás, decorrente das políticas antinacionais prevalecentes na ANP e
na própria estatal, desde 1997, quando da instituição da Lei 9.478.
20. Nada melhor que ter uma empresa nacional responsável pelo
abastecimento do país, a qual logrou êxitos notáveis na pesquisa e
exploração (descobrindo enormes reservas), em contraste com os países
que se entregam ao cartel anglo-americano.
21. Ora, a política brasileira, dominada por interessados na
inviabilização do desenvolvimento nacional, vem minando a (ex?)estatal,
fazendo reduzir sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo,
abrindo, sem a menor necessidade, ao cartel mundial as reservas por ela
descobertas.
22. Com essa fieira de inesgotáveis danos ao país: 1) ele entrega a
principal fonte de energia, tendente à escassez, do mercado mundial; 2)
cria terrível inflação e torna ainda mais letal a dívida pública; 3)
recebe dólares, com os quais nada pode fazer no exterior (os juros lá
são desprezíveis e as potências estrangeiras não vendem ativos
produtivos estratégicos); 4) com a abundância de divisas para importar,
agrava a desnacionalização e a desindustrialização, suas principais
desgraças estruturais.
23. Mais uma capitulação que leva o Brasil à ruína: a volta das
elevações da taxa básica dos juros, SELIC. Neste ano, ela subiu de 7,25%
para 8,5%, com o que caem as possibilidades de reduzir os gastos
federais de R$ 753 bilhões, de 2012, com juros e amortizações das
dívidas interna e externa = 43% das despesas totais da União.
24. Não há que crer nos artifícios contábeis das “autoridades
monetárias”. Elas apresentam as despesas da dívida expurgadas de
correção monetária, o que não é correto: quando você paga R$ 30 para
almoçar, você está pagando R$ 30,00 mesmo; não há razão para deduzir a
variação do IGP-M no ano.
25. Outra coisa: não computam o que é pago por meio de títulos
públicos, como se não tivesse sido pago: se um aplicador resgata títulos
comprados há um ano, a juros de 15% ao ano, no valor de R$ 100 milhões,
e o Tesouro lhe paga, com novos títulos, R$ 115 milhões, há que incluir
esta quantia na despesa, pois o título do Tesouro vale dinheiro e, além
disso, rende juros.
26. Ademais, as autoridades não incluem no total os títulos do
Tesouro em poder do Banco Central, cuja maior parte circula entre o
BACEN e os bancos, nas operações de mercado aberto.
27. Os brasileiros são espoliados também pelos juros bancários, a
taxas muito maiores que as abusivas pagas pelo Tesouro nos títulos
públicos. O crédito de pessoas físicas e jurídicas chegou a R$ 2,4
trilhões = 54% do PIB. Se calcularmos taxa média de 30% ao ano, a conta
dos juros, fora a da dívida pública, é quase outro tanto: R$ 720
bilhões.
28. Mais importante, além de estar na origem de todos os males da
economia e das finanças, é o que vai para o exterior de lucros
escondidos das transnacionais, através de diversas contas do balanço de
pagamentos. Eles vêm dos altíssimos preços que elas praticam aqui
dentro: é o mesmo que um imposto, só que pago pelos brasileiros às
empresas transnacionais, em vez de ser pago ao governo, equivalente a
outra carga tributária de 35% do PIB.
29. Do financiamento dos déficits externos resultantes das
transferências em várias contas do balanço de transações com o exterior,
resultou a dívida externa, e desta saiu a dívida interna, quando
faltaram divisas para servir aquela. Em função disso, os engenheiros
brasileiros não têm empregos e não se desenvolve tecnologia no país.
Ademais, as pessoas ficam até sem saber para que servem as matérias
primas e o preço que deveriam ter.
30. Como reagem os governos que têm fingido governar o país? Dão
dinheiro e crédito barato às transnacionais e a aquinhoados em novas
concessões públicas, como ocorre com o transporte, portos e aeroportos,
estradas com pedágios abusivos etc. E cortam impostos das transnacionais
e outros concentradores.
31. Não reduzem, porém, os tributos que recaem sobre os cidadãos. Ao
contrário, estes são onerados adicionalmente pelos sobrepreços dos
oligopólios, como aponto no parágrafo 28 acima, e se exemplifica com os
bens industriais, de qualidade sofrível e, amiúde, custando o dobro de
seus congêneres no exterior.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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