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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Relatório denuncia contaminação de comunidades rurais por agrotóxicos. Contaminação ocorre quando há pulverização de forma aérea e terrestre

Sexta, 20 de julho de 2018
Por Fernanda Cruz - Repórter da Agência Brasil 
Moradores de comunidades rurais, indígenas e quilombolas são vítimas de intoxicação por agrotóxicos, aponta relatório da organização Human Rights Watch, divulgado hoje (20) na capital paulista. A contaminação ocorre quando há pulverização de plantações de forma aérea ou terrestre próximo a casas e escolas.

Foram entrevistadas 73 pessoas intoxicadas em sete localidades nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais, Goiás, Pará e Bahia. O levantamento foi realizado entre julho de 2017 e abril de 2018. Para elaboração do documento, também foram ouvidos 42 especialistas no assunto.

Pulverização de plantações de forma aérea tem contaminado comunidades rurais, indígenas e quilombolas (Cenipa/Divulgação)

O relatório concluiu que as pessoas que entram em contato com os defensivos são intoxicadas de maneira aguda, apresentando náusea, vômito, dor de cabeça, dormência e irritação dos olhos. Os sintomas coincidiam com o momento da pulverização aérea ou por terra. Outra conclusão, a partir dos relatos, é que as vítimas não denunciam por medo de represália dos grandes fazendeiros, ricos e politicamente influentes.

Hugo dos Santos, professor de comunidades rurais em Rio Verde, Goiás, foi vítima de um acidente há cinco anos dentro de uma escola em que trabalhava. Na ocasião, um avião despejou defensivo sobre o local, atingindo diversas crianças. De acordo com ele, as lavouras ficam muito próximas à escola, sendo atingida especialmente durante a safra no final de outubro.

“Eu estava no estacionamento e fiquei molhado de agrotóxico. Do lado, tem uma quadra, ficou toda molhada, como se fosse uma garoa. Eu presenciei as crianças se debatendo, se coçando, pedido socorro, pedindo para não deixá-las morrer. Eu levo essas cenas comigo”, disse, acrescentando que sentiu “falta de ar, a boca seca e dor de cabeça insuportável, uma sensação de morte”. Entre as crianças contaminadas, ao menos uma desenvolveu cirrose hepática, disse o professor.

Legislação
Richard Pearshouse, diretor da Divisão de Meio Ambiente da entidade, disse que a legislação brasileira é falha. De acordo com ele, não existe regulamentação proibindo a pulverização terrestre próximo a áreas sensíveis, como instituições de ensino e residências. “É chocante que seja permitido pulverizar agrotóxicos ao lado de escolas”. A pulverização aérea tem limitação para ocorrer a 500 metros de locais sensíveis, regra constantemente ignorada, constatou o estudo.

Na Câmara dos Deputados, uma comissão especial aprovou no dia 25 de junho o Projeto de Lei 6299/02, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. O texto depende de avaliação dos plenários da Câmara e do Senado para ir à sanção do presidente da República. Na avaliação do diretor da Human Rights Watch, essa lei é ruim para o país. “Em vez de enfraquecer a legislação de agrotóxicos, o Brasil deve aumentar a fiscalização e estabelecer redução dos agrotóxicos altamente perigosos. O Brasil é um dos maiores mercados de agrotóxicos do mundo”, disse.

Richard não concorda que o projeto de lei traga modernização à legislação brasileira. “A lei tem 30 anos, mas seus elementos são modernos. Inclui uma avaliação de perigo, que foi adotada recentemente pela União Europeia, ou seja, outros países estão adotando as leis do Brasil que foram aprovadas há 30 anos”, disse.

Defensivos proibidos
O relatório aponta que entre os dez agrotóxicos mais utilizados no Brasil estão quatro que já foram banidos na Europa. Um deles, é o atrazina, usado em plantações de milho, cana-de-açúcar e sorgo. O especialista disse que estudos comprovam prejuízo ao sistema endócrino, sobretudo em crianças e adolescentes.

Richard disse que a Europa proibiu o atrazina por sua persistência na água para o consumo humano. Apesar de não ser monitorado adequadamente no Brasil, segundo ele, foi constatada presença da substância nociva em 75% das amostras das águas brasileiras. As amostras estavam em níveis acima do permitido na Europa, mas dentro do padrão adotado pelo Brasil.

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